O mistério do Boeing 727 que desapareceu após descolar de Luanda e nunca mais foi visto

CNN Portugal , BCE
26 mai 2022, 20:29
Multidão junta-se para observar o novo Boeing 727, em Seattle, Washington, 1962 (Central Press/Getty Images)

Ao fim de 19 anos, o mistério ainda está por resolver

Fez esta quarta-feira 19 anos que um Boeing 727 desapareceu misteriosamente depois de descolar do aeroporto de Luanda, em Angola. A bordo seguiam Ben Padilla, um engenheiro aeronáutico norte-americano, e John Mutantu, um assistente da República Democrática do Congo (RDC), recém-contratado pelo piloto.

Em maio de 2003, Padilla e Mutantu viajaram para Luanda ao serviço da Aerospace Sales and Leasing, uma empresa de venda de aeronaves com sede na Florida, Estados Unidos, para dar início ao processo de retorno de um Boeing 727-223, depois de um negócio que correu mal, de acordo com a revista aeroespacial Smithsonian - problemas contratuais, falta de pagamentos e promessas quebradas.

Mas nenhum dos dois poderia pilotar a aeronave, uma vez que Mutantu não era piloto e Padilla só tinha a licença de piloto privado. No dia 25, contudo, pouco depois do pôr-do-sol, ambos embarcaram no Boeing 727-223, registado com o número N844AA. De acordo com a imprensa internacional, os dois conseguiram rodar o avião até à pista e descolaram sem autorização do Controlo de Tráfego Aéreo, em direção ao sudoeste, voando sobre o Oceano Atlântico. 

Desde então, os dois homens nunca mais foram vistos e, ao longo destes 19 anos, não foram encontrados quaisquer vestígios daquele Boeing. Muitas questões ficaram no ar: porque é que os dois homens embarcaram no avião sem ter licença e autorização para tal? Estaria mais alguém no interior da aeronave? Como é que simplesmente desapareceu? Uma vez que este desaparecimento ocorreu menos de dois anos após o 11 de setembro de 2001, os serviços de segurança norte-americanas ficaram em estado de alerta para perceber se estariam perante um novo ataque.

Mastin Robeson, antigo general da Marinha e comandante das forças norte-americanas no continente africano na altura do desaparecimento do Boeing 727, adiantou à revista Smithsonian que o desaparecimento da aeronave foi comunicado “através da rede de inteligência” dos EUA, com o FBI e a CIA envolvidos na investigação.

“Nunca foi claro se [o avião] foi roubado pelos proprietários, se foi roubado com a intenção de o tornar disponível para personagens desagradáveis, ou se foi uma tentativa terrorista deliberada. Especulou-se sobre todas estas possibilidades”, recordou o antigo general.

O que é certo é que rapidamente se desconsiderou a possibilidade de uma ameaça terrorista (embora não seja claro o porquê), e a primeira hipótese parece ter sido uma das teorias mais defendidas pelo governo norte-americano, como explicou Robeson: "Essa era uma das especulações, que se tratou de uma situação de fraude para seguros. Do género 'o meu avião foi assaltado ou roubado por terroristas e agora posso reclamar um seguro'."

As suspeitas de fraude surgiram logo após o conhecimento de um incidente no passado de Maury Joseph, presidente da Aerospace Sales and Leasing. Na década de 90, Joseph, na altura diretor-executivo de uma companhia aérea de carga chamada Florida West (que mais tarde faliu), esteve envolvido num processo pelos crimes de fraude e falsificação de demonstrações financeiras. O empresário acabou por ser multado e impedido de assumir a direção de uma empresa de capital aberto.

Ou caiu ou foi esquema

O coronel António de Almeida Tomé, piloto-aviador da Força Aérea Portuguesa, explicou à CNN Portugal que o Boeing 727 é "um bom avião", que conta com três motores. O especialista acrescentou que a TAP também já contou com este tipo de aeronave na sua frota.

Contudo, continuou, este Boeing em específico "pertencia a uma companhia que já devia 4,5 milhões de dólares em taxas aduaneiras" em Angola - algo que não surpreende o coronel, tendo em conta o "cadastro" de Maury Joseph, acrescentou.

Ora, o que se sabe é que Ben Padilla e John Mutantu "foram vistos a ir para o avião" e que este "descolou já ao anoitecer, cerca das 18:00 horas". "O piloto foi contactado pela torre, mas nunca respondeu. E o transponder [um aparelho que tem de ser ligado para se conseguir identificar a aeronave] estava desligado, portanto, não aparecia nos radares", contou o também professor de Geopolítica, Geoestratégia e Relações Internacionais.

Para o coronel António de Almeida Tomé, "só há duas hipóteses" para o que pode ter acontecido neste caso: ou o avião caiu ao mar - o que é provável, tendo em conta a inexperiência dos dois homens a pilotar, ainda para mais já de noite, explicou - ou tratou-se, de facto, de um esquema preparado pela empresa. Neste caso, a aeronave poderá ter seguido em direção a norte, para a RDC, onde terá aterrado "algures nos arredores da capital", numa "pista pré-preparada", sendo depois "desmantelado", com o objetivo de "vender partes separadas a bom preço".

Esta segunda hipótese parece ser a mais provável, disse o coronel, salientando que, tratando-se de uma queda do avião no mar, geralmente encontram-se sempre "destroços ou manchas de óleo" que denunciam a situação.

Apesar do mistério em torno do desaparecimento do N844AA, este não foi um caso único de desaparecimento de um Boeing 727. No dia 11 de setembro de 1990, portanto, 13 anos antes deste incidente, um Boeing 727 da companhia aérea Faucett Peru desapareceu durante um voo de transferência de Malta para Peru, quando estava a regressar a Lima depois de um contrato de verão para trabalhar ao serviço da Air Malta. A aeronave acabou por cair centenas de quilómetros fora do percurso. As circunstâncias deste desaparecimento são mais claras, uma vez que a aeronave emitiu sinais de socorro e a tripulação comunicou falta de combustível. Ainda assim, tanto a aeronave como a tripulação nunca foram encontrados.

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