Primeiro Bin Laden, depois Elon Musk. Como as redes sociais isolam os utilizadores e "mudam a perceção" sobre a guerra no Médio Oriente

17 nov 2023, 22:09
Tik Tok


 

Osama Bin Laden ficou viral no TikTok no mesmo dia em que Elon Musk foi acusado de promover "ódio antissemita e racista" na X. A guerra entre Israel e o Hamas extravasou as fronteiras de Gaza a chegou às redes sociais, onde a desinformação e os bots "manipulam" os utilizadores e criam "bipolaridades"

Desinformação, perfis falsos e algoritmos "pouco transparentes". É assim que as redes sociais isolam os seus utilizadores em "bolhas" ao ponto de os fazer "mudar a sua perceção sobre muita coisa", inclusive sobre o conflito no Médio Oriente, diz à CNN Portugal Graça Canto Moniz, especialista em redes sociais.

Exemplo disso mesmo é a recente polémica sobre a carta de Bin Laden a justificar os ataques do 11 de Setembro, que se tornou viral no TikTok em menos 24 horas, com vários utilizadores a afirmarem que a sua perspetiva sobre geopolítica mundial mudou depois de a terem lido, e a apelar a que outros façam o mesmo.

Este fenómeno em catadupa não é novo nas redes sociais, indica Graça Canto Moniz, explicando que qualquer pessoa pode "selecionar uma mensagem e segmentar a população, direcionando-a para uma determinada comunidade". Isto é "muito fácil de fazer", diz a especialista, apontando desde logo para "a criação de perfis falsos, os chamados 'bots', que ajudam a alimentar a discussão" e, consequentemente, a viralizar conteúdos.

Por detrás destes 'bots' tanto podem estar "tecnologias sofisticadas ou então pessoas que, muitas vezes, recebem instruções para ir alimentando a discussão, conforme interessa a determinadas partes". Ora, "isto contribui, por um lado, para manipular os assuntos em discussão e, por outro, para criar bipolaridades" na população, afirma a professora da Nova School of Law.

De acordo com Graça Canto Moniz, isto significa que "pode haver" interesses por detrás das publicações que se tornam virais, embora não seja certo que tenha sido esse o caso nestas publicações relacionadas com a carta de Bin Laden. A especialista chama a atenção para a "falta de transparência" da TikTok, desde logo o facto de, sendo esta uma plataforma chinesa, não se saber se "o Estado chinês controla a plataforma ou não", bem como as dúvidas em torno do modo de funcionamento do algoritmo, que é "ligeiramente diferente" das restantes redes sociais, como o Facebook ou o X. Neste contexto, a especialista diz não poder dizer "se há ou não uma certa instrumentalização desta rede social".

Elon Musk "tem a faca e o queijo na mão" para dizer o que quer no X

Também a rede social X está envolta em polémica, depois de Elon Musk, dono daquela plataforma, ter apoiado uma publicação considerada antissemita, que afirmava que os judeus "têm promovido precisamente o mesmo ódio contra os brancos" de que dizem ser alvo. O empresário respondeu ao utilizador afirmando que estava a dizer "a verdade" e criticou a Liga Anti-Difamação, um movimento de combate ao ódio contra o povo judeu, por "atacar injustamente a maioria do Ocidente, apesar de a maioria do Ocidente apoiar o povo judeu e israelita".

A Casa Branca reagiu entretanto à resposta de Elon Musk, acusando-o de promover "ódio antissemita e racista" nas redes sociais. "Condenamos veemente esta promoção abominável de ódio antissemita e racista. É inaceitável repetir uma mentira hedionda sobre o ato de antissemitismo mais fatal da história da América em qualquer altura, muito menos um mês depois daquele que foi o dia mais mortífero para os judeus desde o Holocausto”, disse o porta-voz da Casa Branca Andre Bates, em resposta a uma publicação de Musk.

Graça Canto Moniz lembra que os comentários de Elon Musk contra o povo judeu "não são de agora". "Isto já é uma história antiga, inclusive já houve tentativas de várias reuniões junto dele" para conter as suas opiniões, diz. Ainda assim, os funcionários da X podem fazer "muito pouco" em relação a isto, uma vez que o empresário, considerado o homem mais rico do mundo, "tem a faca e o queijo na mão".

"Quando é o próprio dono da X a fazer este tipo de coisas, tudo o que são mecanismos internos de reporte de conteúdo ilícito ou inadequado são moldados à luz do líder [da rede social], portanto estes mecanismos de autogestão acabam por ser ineficazes. Há muito pouco que possam fazer", admite a especialista.

"As pessoas usam as redes sociais para dialogarem com elas próprias"

Do lado dos utilizadores, prossegue Graça Canto Moniz, é importante haver espírito crítico e "pensar fora da bolha", sob pena de viverem "isolados nas suas ideias", sem estarem sujeitos a opiniões contrárias.

"O problema das redes sociais é que muitas vezes as pessoas, sobretudo os jovens, usam as redes sociais como uma forma de terem um diálogo consigo próprios. Ou seja, não é para ouvirem as outras pessoas, não é para discutirem assuntos mas para confirmarem posições ou preconceitos que já têm", indica a especialista.

"Isso significa que depois saem do Tik Tok ou do X e não vão discutir o assunto com outras pessoas, não há pluralismo, não há uma verdadeira discussão sobre os temas", acrescenta, salientando o impacto deste isolamento na democracia.

Este fenómeno resume-se a uma "nova forma de pressão social", na qual as pessoas que estão numa "bolha" nas redes sociais se sentem "quase na obrigação de ter uma posição e tomar um partido" sobre determinada situação ou tema que esteja em discussão.

"Se alguém não tiver uma opinião, sente-se logo excluído da discussão, o que precipita as pessoas a tomarem posições pouco refletidas" e, muitas vezes "muito mais" extremadas, aponta a especialista.

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