João Fonseca, gestor e executivo da FIFA, analisa em conversa com o Maisfutebol os golpes sofridos pelo futebol nacional recentemente
João Fonseca, executivo da FIFA com responsabilidade na definição estratégica dos direitos audiovisuais de várias grandes competições - como os recentes Mundias do Qatar e de futebol feminino -, olhou a pedido do Maisfutebol para os últimos golpes que o futebol português sofreu.
Antes de mais, o fim da transmissão de jogos da Liga em países com grandes comunidades de emigrantes, como são França, Brasil e Inglaterra. Mas também a queda no ranking, que vai deixar o futebol português com menos clubes nas provas europeias. O que significa menos dinheiro a entrar.
João Fonseca considera que «a queda de Portugal no ranking é preocupante e deve ser sinónimo de reflexão», acrescentando que «o comboio europeu está a acelerar e o futebol português não pode ficar para trás».
O executivo da FIFA sempre defendeu que a centralização dos direitos televisivos e o controlo financeiro dos clubes são vetores fundamentais no crescimento de qualquer Liga, pelo que acredita que a centralização de 2028 é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. O que obriga a trabalhar muito bem esta solução. «Uma centralização bem-sucedida requer muito trabalho de casa», avisa.
Porque é que países com uma grande presença de portugueses, como são a França, o Brasil e Inglaterra, desistiram de transmitir a Liga Portuguesa?
Estes operadores televisivos internacionais acham que o produto não é suficientemente apetecível. É a única explicação. É uma notícia triste. Acresce que nestes mercados existe uma imensidão de emigrantes portugueses ávidos por futebol que ficam privados dos jogos da nossa Liga. E sabemos como as nossas comunidades emigrantes são muito apaixonadas. É uma perda importante para a expansão da marca da Liga, clubes, jogadores e treinadores...
O que é que isto pode significar em termos gerais?
Não é positivo para a expansão da marca da Liga. E isso traduz-se numa menor receita direta e/ou indireta. Perspetivando a iminente centralização dos direitos audiovisuais em Portugal, obviamente que é um revés, o objetivo de aumentar o valor dos direitos internacionais fica mais difícil. Num futuro próximo, deve ter-se como prioridade a recuperação desses mercados, com vista a uma melhor preparação para a venda centralizada. Uma centralização bem-sucedida requer muito trabalho de casa.
Qual será o custo para o futebol português desta desistência?
Pode tornar-se num custo irreversível. O custo de conquistar um cliente é sempre maior do que o custo de o reter. O sucesso da centralização vai ficar indelevelmente marcado pelo que for feito até 2027. Projetando que a negociação dos direitos para alguns mercados comece já nesse ano, a janela temporal é curta - 3 anos. A Liga terá de trabalhar afincadamente para reverter esta situação.
E curiosamente esta decisão chega numa altura em que se batem recordes de audiências no futebol, como se viu no último Mundial feminino. Portugal está em contraciclo?
O interesse pelo futebol não diminuiu, pelo contrário. O desporto em direto é o produto mais apetecível para as TVs. Os dados assim o demonstram, nomeadamente a recente audiência do Sp. Braga na 1ª mão do playoff da Champions League (2.5 milhões de espectadores). O Mundial feminino foi também um brutal sucesso de audiências, nomeadamente em Portugal.
Apesar de os jogos serem todos de manhã, e alguns de manhã cedo.
Era isso que eu ia dizer, foi um sucesso mesmo com fusos horários adversos para os mercados europeus. Mas, por outro lado, também é verdade que a concorrência tem aumentado: o caso mais recente é o da Saudi Pro League. Os broadcasters fazem a sua análise e têm de decidir onde investem os seus recursos financeiros. É cada vez mais premente que o futebol português lute pela sua presença nos mercados internacionais. Temos uma diáspora ímpar, espalhada pelos quatro cantos do mundo. Não podemos desperdiçar esse elemento único e diferenciador que nos pertence.
A desistência destes países no nosso futebol foi conhecida no início de uma época em que Portugal vai perder equipas nas provas europeias, em função da queda no ranking. Será coincidência?
A queda de Portugal no ranking é preocupante e deve ser sinónimo de reflexão. A UEFA access list ficou mais curta e isso significa menos clubes portugueses com acesso às receitas europeias. É fulcral elevar o nível dos nossos clubes médios para que possam ser mais competitivos. Aproxima-se a entrada em vigor do novo ciclo UEFA (2024-2027) com mudanças nos formatos competitivos e nos prize money. O comboio europeu está a acelerar e Portugal não pode ficar para trás. Ano após ano, os clubes portugueses fazem verdadeiros milagres desportivos na Europa, o que permite a Portugal manter-se numa posição digna no ranking da UEFA. No entanto, esta situação não é sustentável a longo prazo.
O futebol português de clubes passa por uma fase negativa?
A queda no ranking, o desinteresse de mercados importantes nos direitos audiovisuais da liga portuguesa… O futebol português tem um potencial tremendo e os clubes têm sido fantásticos ao conseguirem fazer muito, com pouco. A queda no ranking expõe algumas fragilidades competitivas e esse deve ser o combate prioritário. Portugal tem quatro clubes constantemente na Europa mas precisamos de criar condições para que mais clubes possam trilhar o caminho do desenvolvimento sustentado, tendo como exemplo o Sp. Braga. A centralização e o controlo económico são duas ferramentas que devem contribuir para a crescente profissionalização da Liga e dos clubes. Mas os clubes não se devem afastar da discussão. Eles são o elemento chave e devem ser os primeiros a pugnar por uma estratégia coletiva. Se assim não acontecer, todos acabarão por perder. Rivais dentro de campo e parceiros fora dele deve ser a principal premissa.
Perante tudo isto, qual será, na sua perspetiva, a maior urgência?
Identifico uma prioridade doméstica e outra internacional. Fora de portas, explorar os mercados internacionais e desenvolver parcerias estratégicas de promoção da Liga portuguesa em mercados relevantes. Se não me engano, a detentora dos direitos internacionais até 2026 é a Sport TV e, por isso, qualquer estratégia deve ser articulada em conjunto, de forma a gerar uma situação de win-win também para o broadcaster. Os broadcasters são parceiros vitais e merecem ser tratados como tal. Só assim poderemos aspirar a conseguir consequências positivas para o valor global dos direitos audiovisuais aquando da centralização. No espaço doméstico, articular com os clubes o desenho de um modelo de viabilidade económica que possa ser implementado de forma sustentada nos próximos anos, a exemplo do Fair Play Financeiro 2.0 aprovado pela UEFA no ano passado. Como exemplo de um bom trabalho conjunto entre clubes, destaco a escolha do adepto como elemento central em 2023/2024 e a intenção de trazer mais público aos estádios.