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Jorge Jesus no Flamengo é a volta do Messias

23 dez 2021, 11:15
Os momentos mais marcantes de Jesus na final da Libertadores

“Para a torcida flamenguista, ter novamente a presença de Jorge Jesus seria como a volta do Messias.” Alex Sabino, escritor e jornalista da Folha de S. Paulo, escreve para à CNN Portugal

Com Renato Gaúcho à beira do campo, o Maracanã explodiu em mais de 40 mil vozes a gritar “Mister! Mister!”. Era protesto pela eliminação na Copa do Brasil no fim de outubro e, ao mesmo tempo, um apelo: a torcida do Flamengo não está disposta a aceitar nenhum treinador em 2022 que não se chame Jorge Jesus.

Ocupar o lugar do português na Gávea era um trabalho quase impossível no futebol brasileiro. Ele saiu no auge, de maneira abrupta e logo surgiram teorias da conspiração sobre os motivos. Basta fazer uma procura nas postagens de flamenguistas nas redes sociais para constatar que o pedido de demissão do técnico, em julho de 2020, nunca foi superado.

A diretoria tentou diferentes fórmulas. Contratou outro estrangeiro, discípulo de Pep Guardiola. O espanhol Domenèc Torrent durou 26 partidas e teve aproveitamento de 63%. Pouco.

Seu substituto foi Rogério Ceni, um nome conhecido no país e que fazia bom trabalho no Fortaleza. Tornou o Flamengo campeão brasileiro de 2020 e Carioca de 2021, mas jamais conquistou os corações no clube. Acabou demitido depois de oito meses. Chegou Renato Gaúcho, ídolo da equipe. Fracassou.

A obsessão por Jorge Jesus existe porque que nenhum outro treinador estrangeiro causou tamanha impressão em uma torcida brasileira desde a passagem do húngaro Béla Guttmann (outro nome histórico do Benfica) pelo São Paulo entre 1957 e 1958.

Nos 11 meses em que permaneceu no Rio de Janeiro, o português pareceu ser o nome ideal no time perfeito. O Flamengo mostrou o melhor futebol da América do Sul. Sob seu comando, jogadores como Gabigol, Bruno Henrique e De Arrascaeta atingiram o ápice técnico.

Jorge Jesus ganhou muito em campo porque, sem resultados, todo o resto cai no esquecimento. Foram cinco títulos. A virada nos acréscimos sobre o River Plate na final da Libertadores de 2019 está entre as maiores partidas da história do continente.

A primeira passagem pela Gávea foi tão perfeita que ele parecia saber o que dizer para massagear o ego da maior torcida do Brasil. Como quando Renato Gaúcho (então no Grêmio) iniciou a discussão sobre quem mostrava o melhor futebol em 2019.

“O melhor é quem está na frente”, resumiu Jesus. O Flamengo liderava a liga nacional e seria campeão meses depois.

O sucesso quase instantâneo e o desempenho avassalador de sua equipe despertaram um misto de inveja e corporativismo nos profissionais brasileiros. Em participação em programa esportivo de TV, Vanderlei Luxemburgo reclamou da presença de portugueses nos cursos para treinadores oferecidos pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) porque seria gente que “nunca ganhou nada”.

Quando teve de falar de maneira direta sobre o então técnico do Flamengo, Luxemburgo questionou: por que os brasileiros teriam de mudar a maneira de trabalhar? “Por causa do Jorge Jesus, que veio aqui e ganhou uma Libertadores?”, alfinetou.

Renato Gaúcho ironizou. Afirmou que qualquer um a dirigir equipe com poder de investimento de 200 milhões de reais (31 milhões de euros) em contratações tem a obrigação de vencer e jogar bonito. Quando ele assumiu o comando do elenco rubro-negro, não ganhou e teve desempenho sofrível em campo. Palavras podem ser um bumerangue.

A reação dos técnicos foi um misto de reserva de mercado e orgulho ferido. Como se não acreditassem que algum profissional do exterior tenha algo a ensinar. Quando pressionados, se saem com os argumentos de que o Brasil é o único pentacampeão mundial de futebol, como se a liga nacional não fosse recheada de partidas desinteressantes e com esquemas táticos tão conservadores quanto sonolentos.

Por mais que os treinadores brasileiros se queixem, a passagem de Jorge Jesus trouxe ideias de jogo que conseguiram tirar o melhor dos seus jogadores. A consequência disso foi ganhar partidas, títulos e conquistar o amor de uma torcida que não o esquece.

Em sua volta, isso pode ser uma armadilha. Ele terá a obrigação de repetir a dose e retomar o ritmo de vitórias como se jamais tivesse ido embora. É difícil porque no futebol existe o imponderável e há agora dois clubes que podem fazer frente ao Flamengo.

Um deles é dirigido por outro português (Abel Ferreira), discípulo de José Mourinho que fez o Palmeiras ganhar duas vezes seguidas a Libertadores. Há o Atlético Mineiro, capaz de realizar esforços financeiros que rivalizam com os do rubro-negro carioca.

A missão de repetir o que conseguiu entre 2019 e 2020, por si só, já tornaria seu eventual retorno ao Rio um acontecimento de primeira grandeza. Algo que dominaria o noticiário esportivo brasileiro. Para a torcida flamenguista, ter novamente a presença de Jorge Jesus seria como a volta do Messias.

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