Beijo Jessica Athayde e Inês Castel-Branco: "Houve alguma provocação das atrizes em trazer a polémica para cima da mesa para que a sociedade reflita"

23 set 2023, 18:00
Jessica Athayde

Jessica Athayde e Inês Castel-Branco, amigas de longa data, publicaram uma fotografia, na última semana, em que se beijavam na boca e gerou polémica. O que leva a que hoje em dia um beijo provoque ainda tanta controvérsia? Sociólogos e psicólogos explicam o que está por trás destas reações e de como o tema é visto no país

A fotografia a preto e branco mostrava Jessica Athayde e Inês Castel-Branco a beijarem-se na boca. Foi publicada pela primeira na sua página de Instagram, tendo-se em minutos tornado viral e sido inundada de comentários com elogios e críticas.

“Não me espanta esta reação da sociedade. É muito difícil este tema ser algo pacífico e aceite por todos, sendo que a sociedade está mais polarizada”, diz à CNN Portugal a socióloga Ana João Sepúlveda, considerando que parte das reações negativas pode até estar relacionada com fenómenos comportamentais resultantes da fase em que se viveu a covid-19. “A própria pandemia fez-nos lidar com sentimentos que tínhamos, mas que estavam um pouco escondidos. Acredito que seja um escape, um manifestar das nossas opiniões, satisfação e revolta”.

A reação à fotografia, registada numa festa da vogue e com a legenda a fazer referência à música da Katy Perry ‘’I kissed a girl and I liked it’’ (Eu beijei uma rapariga e eu gostei), surpreendeu até Jessica Athayde que pouco depois reagiu na mesma rede social: “Realmente um beijo incomoda muita gente”.

“Pode ter a ver com a nossa sociedade ainda ser uma sociedade conservadora”, refere a socióloga, notando que “antigamente, se víssemos duas raparigas de mãos dadas, achávamos que era normal. Durante muito tempo, essa manifestação de amor entre duas mulheres era amizade”. Apesar disso, a especialista sublinha que “nunca foi pacífico ver duas mulheres juntas nestes contextos”.

A psicóloga Catarina Lucas concorda que apesar de se ter evoluído, há muito conservadorismo. “A sociedade parece reagir pior a este comportamento e conteúdo por parte de mulheres do que quando são homens”, diz, notando que apesar dos “tempos melhorarem” ainda há quem julgue e critique. ”A camada de idosos, por exemplo, não se sabe se alguma vez vai melhorar. É necessário a evolução e renovação da sociedade para a mudança”. Mudanças que, segundo Catarina Lucas, “demoram anos e anos’’. ‘’Uma coisa é ser algo normal onde nascemos, estamos habituados desde pequenos. Por isso, os mais novos pensam diferente, para eles é um comportamento normal, já nasceram nesta era mais moderna e não precisam de alterar mentalidades. Os mais velhos estão numa fase de transição, renovação de idades e gerações. Temos seguido um caminho positivo ao longo dos anos, mas ainda falta muito”.

No entanto, a psicóloga sublinha que é “necessário saber distinguir o preconceito real propriamente dito do preconceito por demonstrações de amor e carinho públicas, mesmo casais heterossexuais’’. “Não choca tanto ver as pessoas de mãos dadas, mas aos beijos à frente de toda a gente já exalta alguma emoção negativa”, conclui.

Já a psicóloga Rita Fonseca Santos considera que esta reação à fotografia das duas amigas está também relacionada com a forma como a mulher foi sendo vista ao longo das décadas. Em relação à homossexualidade, diz, “as mulheres saíram do armário mais tarde do que os homens” o que leva a que seja ainda algo “criticado e vítima de discriminação por ser menos frequente”. Aliás segundo a especialista “o facto de serem duas mulheres levanta algumas questões: o prazer da mulher que veio mais tarde que o do homem, os limites que devem existir no relacionamento público e privado, e também o que se passa nas próprias redes sociais onde os utilizadores não conhecem limites: todos pensam que podem comentar tudo e não serão prejudicados”.

Com as redes sociais, recorda Catarina Lucas, os utilizadores podem criticar diretamente as figuras públicas: ‘’Tudo o que fazem é exposto, tendo uma capacidade de influenciar e mobilizar opiniões muito grande”. Mas ao mesmo tempo “são alvos fáceis para criticar”, potenciado pelos atacantes estarem “atrás dos ecrãs e sem serem punidos”.

“Os comentários partilhados na fotografia passam pelo ventilar dos sentimentos mais negativos das pessoas e as redes sociais são canais para ventilar essas mesmas emoções’’, avisa ainda a psicóloga.

Este tipo de comportamento também está relacionado com a história de cada país, acreditam as especialistas. ‘’Há países que iniciaram a mudança muito antes de Portugal, assim como há outros países bem atrás de nós. A própria ditadura que chegámos a viver atrasou a nossa evolução’’, defende Catarina Lucas, considerando que até “o próprio contexto geográfico” influencia o comportamento de cada sociedade.

Em Portugal, segundo Ana João Sepúlveda, está, aliás, “a ser feito dentro das organizações um esforço para tornar as pessoas mais sensíveis em relação ao que é a sua atitude face ao outro, seja discriminação, igualdade de género, a sensibilidade das pessoas”. Notando que “os processos de aceitação e a mudança de mentalidades são diferentes” de país para país, Catarina Lucas também acredita numa melhoria: “Estamos no caminho certo para melhorar. Para criar mudança é preciso chocar”.

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