"BCE não terá apetite para alimentar discussão sobre início da descida das taxas de juro"

14 dez 2023, 08:10
Banco Central Europeu (AP Photo)

ENTREVISTA || Ricardo Amaro, economista na Oxford Economics, diz que é quase uma certeza que o Banco Central Europeu vai deixar inalteradas as taxas de juro pela segunda vez consecutiva, mas alerta que, para já, e por uma questão de cautela, Christine Lagarde não deverá falar em descida de taxas de juro

O Banco Central Europeu (BCE) reúne-se esta quinta-feira pela última vez em 2023 para decidir que política monetária prosseguir perante uma inflação que já está a dar sinais de abrandar e uma economia que está estagnada e a tenta escapar à recessão. O economista Ricardo Amaro, da Oxford Economics, empresa de previsão e análise económica, lembra, em entrevista à CNN Portugal, que a taxa de inflação deverá acelerar novamente em dezembro e que, para já, o BCE, deverá evitar falar em descida de taxas de juro. Ainda assim, acredita que os mercados, que já esperam cortes de taxas no primeiro trimestre, deverão entender as cautelas do BCE como algo natural. “Vão entender como algo natural esta tentativa do BCE de não alimentar essa conversa, e não como um sinal de que vão ter de voltar atrás nessas expectativas, não digo precipitadas, mas agressivas quanto ao início da decida dos juros”.

Ricardo Amaro
Ricardo Amaro é economista na Oxford Economics

A única certeza que temos sobre a reunião desta quinta-feira do BCE é que não haverá mexida nas taxas de juros. E depois, o que se espera?

O importante a realçar é que a decisão iminente é que os juros se vão manter inalterados pela segunda reunião seguida. Depois, o interesse é saber o que é que o BCE fará em 2024. E aqui será um balanço difícil para a presidente Christine Lagarde. À partida, o que Lagarde estará disponível para confirmar é que não haverá mais subidas das taxas de juro. Algo que é importante porque até há pouco tempo o BCE mantinha essa possibilidade em aberto, numa perspetiva em que a inflação se mantivesse elevada durante mais tempo do que o esperado. Essa opção à partida será removida das possibilidades de hoje, com o BCE a admitir que houve nos últimos três meses uma evolução muito positiva da inflação. Depois, relativamente ao início da descida dos juros, julgo que o BCE não terá apetite para alimentar essa discussão.

Porquê?

Para tentar manter as opções em aberto, esperando que haja mais dados da inflação. E aqui importa referir que em dezembro é um dado adquirido que a inflação vai subir ligeiramente, ou seja, o BCE possivelmente irá usar essa subida e as perspetivas para os aumentos salariais como fatores para manter alguma cautela. Não dar a luta da inflação como ganha.

Os mercados já apontam para descidas de taxas no primeiro trimestre…

Os mercados têm tido mudanças bastante bruscas nas últimas semanas. Mas julgo que vão entender como algo natural esta tentativa do BCE de não alimentar essa conversa, e não como um sinal de que vão ter de voltar atrás nessas expectativas, não digo precipitadas, mas agressivas quanto ao início da decida dos juros. Ou seja, à medida que os dados para janeiro e fevereiro do próximo ano continuem a mostrar que a inflação está a convergir, os mercados irão continuar a considerar que terá de haver a certa altura uma mudança de discurso do BCE. 

Não é tudo um bocadinho precipitado? Os dados da inflação foram bons, mas estamos a comparar com um período homólogo em que a inflação bateu máximos… 

Houve três coisas essenciais que mudaram. A inflação teve três meses seguidos de dados positivos e houve a confirmação de que a economia da zona euro continua estagnada, o que difere com o que o BCE esperava. As previsões do BCE de setembro contavam que o crescimento económico iria acelerar no fim de 2023 e ganhar nova dinâmica em 2024. Os últimos dados vieram confirmar que a economia não está sólida a esse ponto. À partida vamos acabar o ano ou estagnados, ou possivelmente até com uma contração ligeira.

O que terá efeitos na própria inflação…

Tem implicações para o que esperar na inflação do próximo ano, porque se a economia está mais fraca, uma procura mais fraca leva a uma dinâmica inflacionista também mais ligeira. A terceira razão tem a ver com a atenção dada pelo BCE às dinâmicas salariais. E aqui importa dizer que o BCE esperava um mercado de trabalho resiliente e já começa a haver sinais de que o mercado de trabalho europeu se está a deteriorar. Ou seja, este também é um ponto para esperar dinâmicas salariais menos sólidas do que o BCE espera para 2024 e também é um ponto que depois levará a uma inflação menos sólida do que o BCE esperava. Ou seja, do ponto de vista macro, foram as três grandes evoluções. Claro que os mercados têm uma tendência de ir de um extremo ao outro muito rapidamente. Só para dar uma noção, há pouco mais de um mês os mercados estavam posicionados para quase não haver descidas em 2024. Um bocado em linha com as indicações que o Banco Central dava, que a partir do momento que atingisse o pico, estaríamos nesse pico durante algum tempo. E agora foram para o extremo oposto, em que esperaram que haja já um possível corte dos juros em março e que o total de cortes durante o próximo ano seja de cerca dos 150 pontos base. 

Só poderíamos ver Christine Lagarde a abrir a porta à descida da taxa de juros mais cedo, ou abrir sequer a porta à descida da taxa de juros, se a situação económica na zona euro estivesse degradada de tal forma que pudesse ter assustado o próprio BCE? 

Sim, para haver uma mudança tão drástica do BCE era necessário algo nessa ordem, que para já não há sinais de que seja o que está a acontecer.

E o que é que está a acontecer?

O que estamos a ver na zona euro é uma continuidade. Se olharmos para o desempenho da economia da zona euro desde o início da guerra em 2022, verificamos que houve uma quase estagnação, que tem continuado ao longo de 2023 e iremos acabar o ano nessa linha. Para 2024, julgo que o BCE continuará a esperar uma evolução positiva, no sentido em que os aumentos salariais, mesmo que ligeiramente abaixo do que o BCE esperava, vão continuar a ser sólidos, o que combinado com a diminuição da inflação, cria uma dinâmica nos salários reais positiva, que irá dar algum apoio ao consumo. O que esperamos é que as previsões do BCE, apesar de trazerem uma revisão em baixa do crescimento, continuem a apontar para essa evolução gradual da zona euro. A nível da inflação, também haverá uma revisão em baixa, mas aí há uma incógnita: o quão longe estará o BCE preparado para rever. As previsões de setembro apontavam para uma inflação mais ou menos estável, em torno dos 3% em 2024. Julgo que isso neste momento parece demasiado pessimista, mas possivelmente o BCE ficará a meio caminho, não trazendo já os 2% para 2024, mantendo o retorno ao seu objeto de 2% em 2025. Um aspeto também importante nestas previsões é que será a primeira vez que teremos dados para 2026, e também vai ser importante analisar até que ponto o BCE espera que os 2% sejam atingidos e depois mantidos, ou que haja a possibilidade até da inflação ir ligeiramente abaixo dos 2% em 2026. 

Já é seguro dizer que o BCE conseguiu controlar a inflação sem levar a economia para uma recessão, pelo menos profunda ou duradoura?

A confiança tem aumentado. Em 2023 entrou-se no ano com todos os analistas muito pessimistas relativamente à quase certeza de uma recessão. A economia manteve-se estagnada, mas evitou-se essa recessão. E agora, no fim do ano, houve uma descida da inflação que foi mais rápida do que a maioria dos analistas esperavam. E também, de certa forma, abriu-se a porta a um ajustamento das taxas de juros mais rápido. E mesmo no mercado de trabalho, apesar de já ter entrado numa dinâmica mais negativa, não se espera que a taxa de emprego suba de uma forma notável.

Portanto, julgo que sim, que a probabilidade desse cenário tem subido. Claro que também temos de manter os pés na terra e admitir que o que se espera que aconteça nos próximos anos não é um crescimento fenomenal. Até porque a economia global continua frágil. Os Estados Unidos, por exemplo, em 2024 terão um desempenho que se espera bastante modesto, mais modesto do que até agora, e a economia chinesa também tem demonstrado estar a perder a dinâmica de crescimento forte que teve na última década.

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