Ainda não será hoje que BCE começa a descer taxas de juro. Nova aposta é que primeiro corte vai acontecer em junho

7 mar, 07:00
Lagarde (AP)

O Banco Central Europeu volta a reunir-se hoje para decidir se corta, ou não, taxas de juro. Mas mesmo com a desaceleração da inflação, o discurso não deverá mudar: são precisos mais dados antes do primeiro corte de taxas. Decisão terá influência direta nas taxas Euribor e nas prestações de crédito à habitação

Ninguém parece duvidar que as taxas de juro na zona euro vão mesmo descer ao longo deste ano. Mas são poucos os que acreditam que o primeiro corte de taxas aconteça hoje, quando a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, reunir em Frankfurt, na Alemanha, o seu Conselho de Governadores para avaliar os resultados da batalha para controlar a taxa de inflação.

Os últimos dados conhecidos até poderiam apontar para que Lagarde anunciasse esta quinta-feira uma descida de taxas de juro. Por um lado, a taxa de inflação de fevereiro voltou a desacelerar, agora para 2,6%, numa trajetória que já se faz sentir desde outubro de 2022, quando atingiu o seu ponto máximo nos 10,6%. Por outro lado, os dados da economia da zona euro, relativos a 2023, mostram uma economia estagnada, com um crescimento anual de apenas 0,5%, e com vários países em recessão, designadamente a Alemanha, tradicionalmente o motor económico da Europa.

Mas a descida de taxas não deverá acontecer hoje. Pelo menos é essa a convicção que existe nos mercados e que leva a maioria dos analistas a acreditar que descidas de taxas só deverão ocorrer em junho.

Segundo uma sondagem feita pela agência Reuters, uma maioria de quase dois terços dos analistas consultados, 46 em 73, afirmou que o banco central reduzirá pela primeira vez a taxa de depósito em 25 pontos base para 3,75%, mas em junho. E porquê em junho? “Porque nessa altura a inflação terá descido um pouco mais, e teremos também o crescimento dos salários no primeiro trimestre, que também não deverá mostrar pelo menos nenhuma nova aceleração... Por isso, parece mais ou menos um bom momento para efetuar a primeira redução das taxas", segundo Carsten Brzeski, diretor mundial de macroeconomia do banco ING, citado pela Reuters.

Uma opinião que surge depois de Christine Lagarde ter afirmado na última semana de fevereiro que apesar de os números dos salários na zona euro do quarto trimestre terem sido “encorajadores", o BCE precisa de mais confiança "de que o processo desinflacionário que estamos a observar será sustentável e nos levará ao objetivo de 2% a médio prazo".

Os dados dos salários na zona euro parecem ser, aliás, uma das maiores preocupações da autoridade monetária. No primeiro trimestre de 2022, ainda sem os efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia, a taxa de crescimento dos salários não atingia os 3%, mas desde então, até ao terceiro trimestre do ano passado, praticamente não parou de acelerar, tendo atingido uma taxa de crescimento de 4,69%. Mas no último trimestre de 2023 o crescimento desacelerou para uma taxa de 4,46%, o tal sinal encorajador referido por Lagarde.

Tudo somado, “é amplamente esperado que o BCE mantenha as taxas de juro inalteradas”, sublinha Filipe Garcia, economista e presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros, em declarações à CNN Portugal. Até porque, prossegue o economista, seria “inverosímil assistirmos a um corte de taxas que, a acontecer, seria incompreensível tendo em conta a comunicação do BCE e da maioria dos seus membros. Até se pode argumentar a favor de um corte já, mas a forma de agir e comunicar do BCE faria com que, caso acontecesse, fosse um duro golpe na credibilidade do Banco Central”, conclui. Filipe Garcia diz, ainda assim, esperar “algumas pistas acerca do primeiro corte, sendo muito provável que se aponte junho ou julho, de forma imprecisa, como momento de atuação”.

Também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, diz que de acordo com o “o mercado monetário, é expectável que o BCE mantenha as taxas de juro inalteradas, sendo de 58% a probabilidade de manutenção” e apenas de 42% “a probabilidade de descida de 0,25 pontos percentuais”. Segundo o economista, só na reunião de 6 de junho é que o mercado “desconta integralmente um corte de 25 pontos base”.

Mas ainda faz sentido manter uma política tão restritiva por parte do BCE? Filipe Garcia lembra que foi e continua a ser crítico das últimas subidas de taxas de juro pelo BCE, “por entender que a inflação já estava numa trajetória suficientemente descendente, num contexto em que as fontes de inflação não passavam por um excesso de procura relacionado com a abundância de crédito”. E sublinha que mantém essa opinião, com a “a agravante de a economia estar a desacelerar ainda mais e no caso alemão, em recessão”. Mas admite, ainda assim, que “o BCE não poderia fazer uma inversão de marcha tão rápida em termos de discurso e atuação, sob pena de perder credibilidade”.

Já Paulo Rosa lembra que as “perspetivas de significativos cortes das taxas de juro do BCE têm desaparecido gradualmente”, algo que se justifica, porque do lado de lá do Atlântico, também terem vindo a diminuir as perspetivas de corte de taxas de juro pela Reserva Federal norte-americana. “Dificilmente um eventual novo ciclo de descida das taxas de juro encetado pelo BCE será bem-sucedido sem uma postura idêntica de redução das taxas de juro pela Reserva Federal dos EUA, sob pena de gerar uma crise cambial, redundando numa inflação importada acrescida na Zona Euro”, lembra o economista, adiantando que “o banco central dos EUA continua a ditar, de algum modo, as regras para a evolução das taxas de juro da Zona Euro e das restantes economias avançadas”.

Independentemente do que vier a acontecer, a leitura que os mercados farão das palavras de hoje de Christine Lagarde serão determinantes para a evolução das taxas Euribor, as taxas que servem de indexante aos contratos de crédito à habitação, e cuja evolução é determinante para calcular as prestações mensais a pagar aos bancos.

Desde janeiro de 2022 que a média mensal das taxas Euribor estiveram a subir, quase ininterruptamente, uma tendência que se inverteu em dezembro do ano passado. Mas em fevereiro, face às incertezas sobre uma descida de taxas por parte do BCE, a descida que se verificou em dezembro e janeiro, voltou a inverter-se, com a média da Euribor 6 meses e 12 meses a voltar a subir, ainda que ligeiramente.

Na reunião de hoje do BCE, a autoridade monetária deverá apresentar novas previsões para a inflação e para o crescimento económico. Nas últimas previsões, Christine Lagarde apontava para um crescimento de crescimento de 0,8% em 2024 e 1,5% em 2025 e 2026 e para uma previsão de inflação de 2,7% em 2024 e 2,1% em 2025, atingindo 1,9% em 2026.

 

NOTA 1 | O que são as taxas Euribor

Euribor é a abreviatura de Euro Interbank Offered Rate. As taxas Euribor baseiam-se nas taxas de juro que um conjunto de bancos europeus está disposto a pagar para emprestar dinheiro uns aos outros. No cálculo, os 15% mais altos e mais baixos de todas as cotações recolhidas são eliminados. As restantes taxas são calculadas como média e arredondadas a três casas decimais. O valor das taxas Euribor é determinado e publicado diariamente. Existem cinco taxas Euribor diferentes, todas com diferentes maturidades (uma semana, um mês, três meses, seis meses e 12 meses).

 

NOTA 2 | O BCE tem três taxas de juro de referência:

- A taxa das principais operações de refinanciamento, sob a qual os bancos podem contrair empréstimos junto do BCE pelo prazo de uma semana: está nos 4,50%, mas esteve fixada em zero entre março de 2016 e julho do ano passado;

- A taxa de depósito, que determina os juros que os bancos recebem pelos depósitos realizados junto do BCE: está em 4%. Mas entre julho de 2012 e junho de 2013 era de zero. E entre junho de 2013 e julho do ano passado era negativa, obrigando os bancos a pagar pelos depósitos que faziam no BCE;

- E a taxa de cedência de liquidez, que determina o juro que os bancos pagam quando contraem empréstimos junto do BCE pelo prazo de um dia (overnight). Está atualmente em 4,75%.

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