Os lucros dos bancos voltaram a disparar em 2023 à boleia da subida das taxas de juro e terão atingido o valor mais alto desde 1990. Ainda assim, as comissões cobradas aos clientes apenas deverão registar uma diminuição marginal
A subida de taxas de juro iniciada pelo Banco Central Europeu (BCE) a partir julho de 2022 tem permitido à generalidade dos bancos na zona euro aumentar de forma substancial os seus lucros e os bancos a operar em Portugal não fogem à regra. Se em 2022 a banca nacional já tinha registado os maiores lucros em 15 anos, no ano passado os lucros subiram ainda mais e deverão ultrapassar os 4.300 milhões de euros, considerando apenas os cinco maiores grupos a operar em Portugal. Será o valor mais alto, pelo menos, desde 1990, o primeiro ano contabilizado pelo Banco de Portugal nas séries longas do setor bancário.
Na base destes resultados está, em grande parte, o crescimento da margem financeira, a diferença entre aquilo que os bancos cobram quando emprestam dinheiro aos clientes, ou quando depositam as suas ‘poupanças’ nos respetivos bancos centrais ou no BCE, e aquilo que pagam quando têm de se financiar.
A realidade não foi, no entanto, sempre esta. No seguimento da crise financeira internacional em 2008 e da crise das dívidas soberanas na zona euro em 2010 e 2011, o BCE começou a descer as taxas de juro e colocou-as mesmo em valores negativos. Na prática, os bancos comerciais tinham de pagar ao BCE para lá guardar as suas disponibilidades financeiras. Em simultâneo, este foi um período em que os bancos não conseguiam conceder crédito, face às dificuldades económicas existentes e, como tal, não conseguiam margem financeira que lhes permitisse garantir rentabilidade.
Foi por isso que a banca, como alternativa para obter lucros, começou a subir as comissões que cobra aos seus clientes. Era essa, pelo menos a justificação dada pela Associação Portuguesa de Bancos (APB). Mas à medida que as comissões foram aumentando, foi também aumentando a pressão política e das associações de defesa do consumidor para que os bancos alterassem a sua postura, uma pressão que levou mesmo à adoção de medidas legislativas que, hoje, impedem os bancos de cobrar um conjunto de comissões.
E agora que os bancos já conseguem lucros avultados através do crescimento da margem financeira esperava-se que as comissões começassem a diminuir, como foi várias vezes salientado, até pelo próprio governador do Banco de Portugal, Mário Centeno.
Os bancos no mundo inteiro e em Portugal tiveram de rever, em grande medida, os seus planos de negócios por causa do período muito longo de baixas taxas de juro (…) Espero que isso [descida nas comissões] se reflita (…) nos próximos tempos. Acompanharemos de forma próxima essa realidade”. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, a 10 de janeiro de 2023, na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças
Mas não tem sido essa a realidade. Entre 2022 e 2023, os anos em que os lucros da banca atingiram valores nunca vistos, o valor encaixado pelos bancos em comissões manteve-se praticamente inalterado, registando em 2023 apenas uma ligeira diminuição.
Resultados de 2023 dos maiores bancos
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“Os resultados financeiros, relativos ao ano de 2023, apresentados pelas principais instituições bancárias a operar no nosso país, demonstram um forte aumento da margem financeira, fruto da subida muito significativa dos juros ao longo do último ano que, devido à predominância dos contratos de crédito de taxa variável, se repercutiu, de forma imediata, nos resultados dos bancos”, nota Nuno Rico, especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste.
E se estes lucros resultam da variação das taxas de juro, o mesmo não se poderá dizer sobre o valor das comissões cobradas.
Nuno Rico lembra que as reduzidas margens financeiras dos tempos das taxas de juro baixas eram o argumento apresentado pela banca para justificar os constantes aumentos das comissões, mas agora que as taxas já estão novamente altas “é incompreensível que os valores cobrados aos clientes apresentem uma redução residual, tendo inclusive aumentado no caso do Novo Banco, apesar das várias proibições e limitações à cobrança de comissões introduzidas pela legislação durante o ano passado”.
Na prática, continua o especialista da Deco Proteste, “o que se verifica é que não ocorreram reduções de comissões bancárias, ao contrário do que seria de esperar perante a argumentação anteriormente utilizada pela banca para justificar a subida. As reduções entretanto verificadas, no total cobrado, derivaram apenas das proibições e limitações impostas pela nova legislação”. Uma atitude que Nuno Rico diz que “é um excelente exemplo de alguma ausência de consciência social, tantas vezes apregoada” pela banca. O especialista reforça, aliás, que “as constantes queixas deste setor sobre as normas que impedem algumas comissões” demonstram “que, perante a ausência de autorregulação, só desta forma tem sido possível controlar alguns dos encargos suportados pelos clientes bancários”.