Mataram Ayman al-Zawahiri mas não mataram a força de guerrilha nem a força de sustentação. Que significa isso? Nada de bom para o mundo

2 ago 2022, 15:23
Ayman al-Zawahiri estava na varanda de uma casa em Cabul quando foi abatido por um drone norte-americano

Os EUA mataram Ayman al-Zawahiri, líder da Al-Qaeda. Joe Biden regozijou-se mas é regozijo só para uns dias: "A lógica do terrorismo foi feita para sobreviver a eventos desta natureza". Outro problema: a forma como a operação dos EUA aconteceu é polémica - e misteriosa quanto aos apoios que teve

Os Estados Unidos celebram, as famílias enlutadas encontram algum alívio. E, sobretudo, envia-se uma "mensagem muito forte" para qualquer outro movimento inimigo: a promessa de que os Estados Unidos tudo farão para perseguir e eliminar as ameaças à segurança do país. "Podem esconder-se mas não podem fugir", sintetiza Helena Ferro Gouveia, analista de assuntos internacionais, em declarações à CNN Portugal. "É o pilar da política norte-americana". 

Ponto importante: a queda do líder da Al-Qaeda não significa o fim da organização. "Movimentos terroristas desta natureza assentam nesta lógica: sai um líder e há outro que o substitui", explica o major-general Agostinho Costa. Assim foi com a execução de Osama Bin Laden, quando al-Zawahiri assumiu a liderança da organização, e assim será com o ainda indefinido sucessor. "Mas esta não é uma perda menor, é um abalo forte", reconhece. "As organizações subversivas têm três componentes: força subterrânea, força de guerrilha e força de sustentação. Neste caso, foi decapitada a chefia da componente subterrânea, a política, mas a estrutura continua. A lógica do terrorismo foi feita para sobreviver a eventos desta natureza." 

Al-Zawahiri era o braço-direito de Osama Bin Laden e personalidade proeminente nos atentados do 11 de Setembro. O seu assassinato é uma perda impactante para a Al-Qaeda, e "os danos desta execução vão perdurar por algum tempo". É possível que um futuro sucessor venha a ser ainda mais poderoso e influente? "É difícil", diz Agostinho Costa. O "natural sucessor" seria Hamza bin Laden, filho de Osama bin Laden, mas foi assassinado em 2019. Perante este cenário, é tudo ainda muito incerto - mas "há de surgir alguém da constelação Al-Qaeda", afirma o major-general. "Como Bin Laden tinha um braço-direito, também al-Zawahiri o terá." 

Helena Ferro Gouveia também hesita em apontar possíveis nomes, destacando que a organização tem vindo a "reconfigurar-se e a ser mais discreta". Os próximos passos vão ser provavelmente anunciados pela própria Al-Qaeda. "Vão usar o assassinato como instrumento de comunicação para servir a sua causa", prevê a analista. "Aí saberemos mais sobre a questão da sucessão." 

A operação especial dos EUA: como aconteceu (e porque é polémica)

Esta última tentativa das forças americanas foi bem-sucedida mas está longe de ser a única. Há registo de ataques frustrados por parte dos Estados Unidos, incluindo um míssil perto da fronteira Paquistão-Afeganistão que vitimou quatro membros da Al-Qaeda e ao qual al-Zawahiri sobreviveu (aparentemente) incólume. Pela sua cabeça era oferecida uma recompensa "muito apelativa" de 25 milhões de dólares. "Foi um homem que sempre se tentou esconder e o Afeganistão é um território difícil", aponta Helena Ferro Gouveia. A sobrevivência só foi possível devido à "capacidade da Al-Qaeda de esconder os seus homens fortes". "Sabemos que estas redes são escondidas e protegidas, até pelos talibãs." 

Foi detetado em abril em Cabul, numa casa onde habitava com a mulher e os filhos. Seguiu-se um minucioso processo de preparação, que objetivava um "golpe cirúrgico que não atingisse civis" ou comprometesse a confidencialidade da operação. Acabou por ser abatido na varanda por um míssil de alta precisão, sem militares no terreno. 

A execução ocorrida este fim de semana, no Afeganistão, assinala um novo confronto entre os norte-americanos e os talibãs. Os Estados Unidos abandonaram o território na sequência de um acordo bilateral, assinado em 2020, e sucedem-se agora acusações mútuas de desrespeito do que ficara estabelecido. Por um lado, Zabihullah Mujahid, porta-voz dos talibãs, acusa os Estados Unidos de uma "clara violação dos princípios internacionais e do Acordo de Doha", com um ataque que representa a "repetição das experiências falhadas do passado". Por outro lado, os americanos acusam o grupo de "acolher e proteger" o líder da Al-Qaeda na capital, apesar de terem concordado em impedir a presença de organizações terroristas no território. 

Para o major-general Agostinho Costa, a execução de Al-Zawahiri em território afegão comprova que "os americanos mantêm o escrutínio do que se passa no Afeganistão". Operações antiterroristas desta dimensão exigem um trabalho exaustivo de "informação, cruzamento e colaboração com serviços" diversos, cujos resultados são depois validados e monitorizados através de observação direta no terreno e recurso a drones estratégicos. 

A ação direta é a menos habitual, mas também aquela a que os militares norte-americanos recorreram nas execuções de Al-Baghdadi e Bin Laden. A diferença, elabora Agostinho Costa, é que no caso do primeiro existia uma base americana na Turquia e, no segundo, os Estados Unidos ainda ocupavam o Afeganistão. Sem bases no território para pilotar os drones, as opções limitam-se. Os países fronteiriços a norte estão alinhados com a Rússia e, quanto ao Irão, "nem pensar". A opção restante parece ser o Paquistão. Mas sublinha: por enquanto, estas hipóteses são apenas "especulação".

Helena Ferro Gouveia faz notar que a "evolução da tecnologia" torna mais imprevisíveis a origem e o percurso dos drones. Os veículos aéreos manipulados pelas forças norte-americanas têm uma longa "autonomia de voo" e um "ataque de precisão" que permite o lançamento a partir de uma base mais afastada do local de destino. Não obstante, e também "especulando", a proximidade geográfica de países como o Paquistão parece abrir a "possibilidade de os países vizinhos terem apoiado" a operação que culminou no assassinato de um dos homens mais procurados - e protegidos - do mundo. 

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