Estas magníficas luzes roxas e verdes não são auroras. É o Steve

CNN , Jackie Wattles
3 dez 2023, 12:00
Uma imagem do fenómeno Steve captada pelo fotógrafo canadiano Neil Zeller. Cortesia de Neil Zeller

Este raro espetáculo de luz tem causado algum burburinho este ano, uma vez que o sol está a entrar no seu período mais ativo, aumentando o número de fenómenos naturais deslumbrantes que aparecem no céu noturno

Nem toda a ciência é feita por pessoas com batas brancas de laboratório sob as luzes fluorescentes de edifícios académicos. Ocasionalmente, a trajetória do registo científico é alterada para sempre no interior de um bar, durante uma cerveja.

É o caso das luzes roxas e verdes que podem pairar sobre o horizonte no hemisfério norte. O fenómeno parece uma aurora, mas na realidade é algo completamente diferente.

Chama-se Steve.

Este raro espetáculo de luz tem causado algum burburinho este ano, uma vez que o sol está a entrar no seu período mais ativo, aumentando o número de fenómenos naturais deslumbrantes que aparecem no céu noturno - e levando a novos relatos de pessoas que avistam o Steve em áreas onde normalmente não aparece, como partes do Reino Unido.

Mas há cerca de oito anos, quando Elizabeth MacDonald, uma física espacial do Goddard Space Flight Center da NASA, estava em Calgary, Alberta, no Canadá, para um seminário, nunca tinha visto o fenómeno pessoalmente. E ainda não tinha um nome.

Na verdade, poucos cientistas que estudam ativamente as auroras e outros fenómenos do céu noturno tinham testemunhado um Steve, que aparece mais perto do equador do que as auroras e se caracteriza por um arco rosa-púrpura acompanhado por riscas verticais verdes.

Depois de MacDonald ter dado uma palestra numa universidade próxima, encontrou-se com alguns cientistas cidadãos - na sua maioria fotógrafos que passam as noites na esperança de captar a próxima imagem deslumbrante de cores a dançar no céu canadiano - no Kilkenny Irish Pub.

"Eu já tinha contactado os caçadores de auroras de Alberta num grupo do Facebook, que era bastante pequeno na altura", disse MacDonald, "mas muito interessado em partilhar as suas observações e interagir com a NASA".

Os fotógrafos vieram com as suas fotografias na mão, ansiosos por mostrar o misterioso espetáculo de luzes que tinham captado.

A faixa de luz rosa-púrpura indicativa de Steve é mostrada nesta imagem captada pelo fotógrafo canadiano Neil Zeller. Cortesia de Neil Zeller

Dar um nome ao espetáculo

Na altura, "não sabíamos exatamente o que era", admitiu MacDonald sobre o fenómeno apresentado nas imagens.

Neil Zeller, um cientista cidadão ou especialista em fotografia - como os fotógrafos que perseguem a aurora são por vezes chamados - estava nessa reunião.

"Comecei a ver o que costumávamos chamar de arco de protões em 2015", contou Zeller. "Tinha sido fotografado no passado, mas mal identificado e, por isso, quando participei na reunião no Kilkenny Pub começámos uma pequena discussão sobre (se) eu tinha visto um arco de protões."

Eric Donovan, um professor da Universidade de Calgary que estava no pub com MacDonald nesse dia, assegurou a Zeller que ele não tinha visto um arco de protões, que, de acordo com um artigo que Donovan escreveu mais tarde em coautoria, é "subvisual, largo e difuso", enquanto um Steve é "visualmente brilhante, estreito e estruturado".

"E a conclusão daquela noite foi, bem, não sabemos o que é isto", reconheceu Zeller. "Mas será que podemos deixar de lhe chamar arco de protões?"

Foi pouco depois dessa reunião no pub que outro caçador de auroras, Chris Ratzlaff, sugeriu um nome para as luzes misteriosas na página do grupo no Facebook.

Os membros do grupo estavam a trabalhar para compreender melhor o fenómeno, mas "proponho que lhe chamemos Steve até lá", escreveu Ratzlaff numa publicação de fevereiro de 2016 no Facebook.

O nome foi retirado de "Pular a cerca" ["Over the Hedge"], o filme de animação de 2006 da DreamWorks em que um grupo de animais se assusta com um arbusto alto e frondoso e decide chamar-lhe Steve. ("Tenho muito menos medo do Steve", diz um porco-espinho).

O nome pegou. Mesmo depois de o fenómeno poder ser melhor explicado. Mesmo depois de as explicações para Steve terem começado a tomar forma em artigos científicos.

Mais tarde, os cientistas desenvolveram um acrónimo para acompanhar o nome: Strong Thermal Emission Velocity Enhancement.

E aquele encontro num pequeno bar canadiano foi um ponto de viragem.

"Essa reunião presencial foi um dos momentos que deu mais impulso à recolha de mais e mais observações, de uma forma cada vez mais rigorosa, de modo a podermos correlacioná-las com o nosso satélite", indicou MacDonald.

O que é o Steve?

Eventualmente, MacDonald disse que um satélite observou diretamente um Steve, recolhendo dados cruciais e levando a um estudo de 2018 que sugeriu que as luzes são uma manifestação visual de algo chamado deriva de íons subaurorais, ou SAID.

SAID refere-se a um fluxo estreito de partículas carregadas na atmosfera superior da Terra. Os investigadores já sabiam que o SAID existia, disse MacDonald, mas não sabiam que ele poderia ocasionalmente ser visível.

O Steve é visualmente diferente das auroras, que são causadas por partículas eletricamente carregadas que brilham quando interagem com a atmosfera e aparecem como fitas dançantes de verde, azul ou vermelho. O Steve - se for causado pelo SAID - é constituído maioritariamente pelo mesmo material. Mas surge em latitudes mais baixas e aparece como uma faixa de luz cor de malva acompanhada por bandas verdes distintas, muitas vezes referidas como uma cerca de estacas.

O Steve pode ser frustrantemente difícil de detetar, aparecendo ao lado das auroras com pouca regularidade. Por vezes, avistar o Steve é uma questão de sorte, observou Donna Lach, uma fotógrafa que vive na província canadiana de Manitoba.

Lach viu e fotografou Steve cerca de duas dúzias de vezes, um feito raro no mundo da fotografia do céu. Ela disse que usa a quinta da família num terreno remoto no sul de Manitoba, onde há pouca ou nenhuma poluição luminosa.

Imagem de Steve registada pela fotógrafa canadiana Donna Lach em 2022. Cortesia de Donna Lach

Ela verifica sempre o tempo espacial antes de sair. Procura que as condições sejam pelo menos um Kp3 - um índice de clima espacial que varia de Kp0 a Kp9, com números mais altos indicando mais atividade.

Segundo Lach, o fenómeno parece começar com o SAR Arc - um arco auroral vermelho estável - que aparece perto da oval auroral.

"Pode eventualmente migrar para sul em direção ao lado do equador da aurora e formar um Steve", apontou Lach.

Um Steve sempre aparecerá ao lado de uma aurora, afirmaram Lach e Zeller, mas nem todas as auroras incluem um Steve.

Onde e como ver o Steve

A Terra está a entrar num período de maior atividade solar, ou máximo solar, que ocorre a cada 11 anos ou mais, indicou MacDonald.

Durante este período, os espectadores podem esperar mais espectáculos de luz visíveis no céu e - potencialmente - a oportunidade de testemunhar um Steve a baixas latitudes. Já foram observados fenómenos luminosos tão a sul como o Wyoming e o Utah, disse.

"Houve tempestades recentes que foram visíveis nos EUA - só um bocadinho - até, por exemplo, ao Vale da Morte", contou MacDonald. "E, recentemente, a de novembro foi visível no seu ponto mais a sul, sobre a Turquia, Grécia e Eslováquia, e até na China, o que é muito raro."

No entanto, o Steve é melhor visto através da lente de uma câmara.

A olho nu, pode parecer nada mais do que um rasto ténue de um avião a atravessar o céu, observam Zeller e Lach, e pode ser facilmente ignorado.

As câmaras são muito mais sensíveis à luz, captando as cores vibrantes do Steve através das suas lentes.

Até uma câmara de telemóvel pode funcionar, acrescentou MacDonald.

"Este é o primeiro máximo solar, diria eu, em que os telemóveis da maioria das pessoas conseguem tirar uma boa fotografia da aurora", antecipou.

De acordo com Zeller e Lach, o fenómeno de Steve é mais provável de ser captado por volta dos equinócios da primavera e do outono. (O equinócio de outono deste ano ocorreu em 23 de setembro).

"Não acho que seja o Steve que ocorre mais durante o equinócio, mas tempestades maiores de aurora são conhecidas por ocorrerem mais perto dos equinócios", argumentou MacDonald. E porque o Steve tende a aparecer ao lado da aurora, o fenómeno pode ser mais provável de ser observado em março ou setembro.

Zeller e Lach disseram que normalmente veem o Steve entre o final da tarde e a meia-noite.

"Não é uma coisa que dura a noite toda", explicou Zeller. "A maior duração do Steve que já vi foi de uma hora, do princípio ao fim."

Zeller acrescentou que espera que uma tempestade auroral comece a diminuir antes de virar a sua câmara para leste - do seu ponto de vista no Canadá - ou para cima, e então "começa-se a ver este rio roxo".

Este é o Steve.

Como tornar-se um cidadão cientista

MacDonald incentiva qualquer pessoa interessada em fotografar auroras - ou um Steve - a envolver-se em comunidades online. O Aurorasaurus, um site que liga fotógrafos a cientistas, é um projeto com o qual se preocupa profundamente, referindo o seu papel crucial para ajudar os cientistas a identificar formalmente o Steve.

As fotografias enviadas por membros do público ajudam constantemente os cientistas a melhorar a sua compreensão destes espectáculos de luz, afirmou.

"Os cientistas não são tão bons caçadores de auroras como o público apaixonado", disse ela. "Não ficamos acordados toda a noite, nem somos fotógrafos."

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