«Quando penso que estás em Lisboa, com a tua família segura…»

14 nov 2015, 19:46
Stade France

Christian Ferreira é um português que esteve no Stade de France, a ver o França-Alemanha. Em conversa com o Maisfutebol fala do que viveu no estádio, do dia seguinte à crueldade e da possibilidade de voltar a Portugal

Christian Ferreira estava no Stade de France, a ver o França-Alemanha, quando Paris foi abalada por um ataque terrorista sem precedentes.
 
O português, emigrante de segunda geração com raízes em Leiria, trabalha numa agência de comunicação que trata da imagem de vários jogadores, de Adrien Silva e Mangala, por exemplo, e por isso estava numa posição especial. Na tribuna de honra.
 
Mas nem por isso sentiu menos o receio. Abandonou o estádio cerca de uma hora após o apito final e esta manhã ainda lhe custava acreditar no que tinha acontecido.
 
«Estava na tribuna de honra, com a família dos jogadores. Durante a primeira parte ouvimos as explosões e a verdade é que foram ensurdecedoras, foi um barulho enorme. Ao meu lado estava uma criança que até começou a chorar», conta.
 
«Mas nunca pensamos que fossem bombas. Estávamos tranquilos, era um jogo normal.»
 
«Ao intervalo começámos a receber mensagens a contar o que estava a passar-se: que as explosões tinham sido bombas e que tinha havido tiros. A nossa preocupação foi tentar saber o que se passava em Paris e ligar aos nossos familiares para saber se estavam bem.»


 
Nesta conversa com o Maisfutebol
, Christian Ferreira conta que houve um pormenor que abalou as pessoas que estavam perto da tribunal presidencial.
 
«Vimos o presidente Hollande ser evacuado do estádio e ficamos naturalmente ansiosos. Ficamos com receio que o estádio não estivesse seguro ou que inclusivamente pudesse haver algum maluco lá dentro», refere
 
Da segunda parte do jogo não viu praticamente nada. Nem podia, claro.
 
«A nossa preocupação era tentar ter notícias do que se estava a passar. Mas o estádio geriu muito bem a situação, na minha opinião. Não disseram nada durante o jogo para as pessoas não entrarem em pânico e fecharam as portas para ninguém sair. No final colocaram uma mensagem nos ecrãs gigantes e pediram às pessoas para não saírem».
 
«Ficamos cerca de quinze minutos num impasse, sem saber o que pensar, mas quinze minutos depois o speaker
disse que estava tudo sob controlo e que as pessoas podiam sair», acrescenta.
 
«Nessa altura houve pessoas que saíram logo, mas também houve muita gente que ficou com medo e alguns invadiram o relvado. As pessoas não sabiam o que se passava lá fora e o relvado era o lugar mais seguro.»
 
Foi então que se gerou «algum pânico», conta, «o normal quando há muitas pessoas a correr, alguns gritos, enfim». «Eu fui com as famílias dos jogadores para uma sala do estádio e ficamos lá cerca de uma hora. Os jogadores ficaram no estádio até às duas da manhã, algumas famílias ficaram à espera deles.»


 
Quando não se vê sangue, acrescenta, é mais difícil acreditar que se está em risco. Por isso nessa altura os pensamentos dele foram para os familiares que estavam longe.
 
«Não havia choro ou desespero. Havia medo, mas nem era por nós, nós estávamos bem. Havia medo pelos familiares e amigos que não sabíamos como estavam.»
 
Christian Ferreira demorou horas a saber que os familiares e os amigos mais próximos estavam bem. O Maisfutebol
falou com ele no sábado de madrugada e ainda estava claramente agitado. Disse apenas o essencial e pediu para falar no dia seguinte.
 
Foi o que aconteceu.
 
«Eu saí mais cedo, fui à garagem, meti-me no carro e fui para casa. Quando cheguei liguei a televisão, vi as notícias e aí é que tive noção do que se estava a passar», referiu.
 
«Sabíamos que era um ataque, mas não tinha noção do que se estava a passar no Bataclan, ninguém tinha a noção que era tão grave assim.»
 
Menos de 24 horas depois do que aconteceu, ainda traz a voz grave e um peso sobre os ombros. A ressaca é sempre muito difícil.
 
«Se dormi esta noite? Não, não dormi praticamente nada. Passas a noite em branco. Quando te levantas de manhã, tens aquela ideia de que foi mentira, que não pode ser. Em França as pessoas não estão habituadas a isto», sublinhou.

«Este ataque foi diferente de tudo. Houve por exemplo o ataque ao Charlie Hebdo, mas aí foi um ataque direcionado, que tinha como objetivo atingir pessoas que falavam mal do islamismo. Desta vez foi um ataque a pessoas normais, cidadãos comuns, que não têm nada a ver com a religião. As pessoas ficam com medo, claro.»


 
Por isso a pergunta é óbvia: depois disto tudo não pensa regressar para Portugal, que é afinal de contas também a terra dele?
 
Christian Ferreira faz silêncio, respira fundo e solta um sorriso tímido.
 
«Quando estou a falar contigo e penso que estás em Lisboa, onde não se passa nada, com a tua família em segurança... Claro que penso em sair daqui. Penso na minha família, nos filhos. Mas isto depois passa. Temos de continuar a nossa vida», diz.
 
«Esta primeira semana vai ser difícil, mas temos de seguir em frente. Já saí de casa hoje, há pessoas na rua, há carros a circular, a vida volta a correr.»
 
«Mas claro que os primeiros dias são complicados. Quando foi o ataque ao Charlie Hebdo, foram tempos complicados. Quando íamos na rua, quando entravámos nos correios, quando estávamos num restaurante e entrava um muçulmano de barbas compridas, sentia-se no ar uma ansiedade. É normal, as pessoas têm receio.»
 
Por isso agora tem dificuldade em pensar no próximo dia em que voltará a um estádio.
 
«Hoje não ia ao estádio de certeza. Não conseguia. No futuro não sei.»
 
No futuro provavelmente irá. Afinal de contas a vida dele passa muito por estádios de futebol, onde acompanha os clientes, e a vida, adianta, «tem de volta ao normal». 

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