Pode o Zodíaco ter um novo signo? Serpentário, a 13.ª constelação

23 jan 2023, 08:00
Uma representação da constelação de Serpentário (ou Ophiuchus) concebida pelo astrónomo John Flamsteed, em 1729. (Buyenlarge/Getty Images)

"A partir de dia 1 de janeiro entrou em vigor o novo calendário oficial para os signos do Zodíaco", lê-se nas redes sociais. Mas tanto astrónomos como astrólogos explicam que não é bem assim

Afinal, vai ou não vai ser incluído um décimo terceiro signo do Zodíaco? A discussão é cíclica, e parece ganhar novo ímpeto no início de cada ano. Janeiro de 2023 não foi exceção. "A partir de dia 1 entrou em vigor o novo calendário oficial para os signos do Zodíaco", lê-se numa publicação com dezenas de milhares de partilhas no Twitter. "Não se esqueçam de atualizar o vosso mapa astral e rever as vossas projeções para 2023, caso o vosso signo tenha mudado." 

A NASA vai tentando retificar a informação, em tom algo enfadado: "Vimos os vossos comentários sobre uma história do Zodíaco que reemerge a cada par de anos. Não, não mudámos o Zodíaco”. O último comentário da agência espacial sobre o assunto foi em 2020 mas, ainda assim, os rumores continuam a ressurgir em força alguns anos depois.

O que está em causa é a constelação de Serpentário (ou Ophiuchus, na origem grega), que parece traçar a silhueta do deus grego Asclépio com uma serpente em mãos - símbolo de cura e regeneração bem conhecido da área da Medicina - e cujas fronteiras estão definidas desde 1922 pela União Astronómica Internacional. 

O desentendimento parece partir de uma interpretação equivalente de “constelação” e “signos”. A comunidade científica confirmou que a banda eclítica (a linha de passagem do Sol pela esfera celeste) é composta por 13 constelações e não por 12, como alguns ainda acreditam erroneamente, mas nada disse quanto a signos. Afinal, ciência e esoterismo são áreas totalmente distintas.

A lista que acompanha esta discussão mostra o calendário real das constelações percorridas pelo Sol, de Carneiro a Peixes. Ao contrário do calendário zodiacal, este está repartido em partes desiguais (veja-se o exemplo de Virgem, que dura apenas nove dias) e rege-se pela posição exata dos astros celestes.

Carneiro: 21 de abril - 13 de maio

Touro: 14 de maio - 24 de junho

Gémeos: 25 de junho - 20 de julho

Caranguejo: 21 de julho - 19 de agosto

Leão: 20 de agosto - 14 de setembro

Virgem: 15 de setembro - 31 de outubro

Balança: 1 de novembro - 21 de novembro

Escorpião: 22 de novembro - 29 novembro

Serpentário: 30 de novembro - 17 dezembro

Sagitário: 18 de dezembro - 19 de janeiro

Capricórnio: 20 de janeiro - 15 de fevereiro

Aquário: 16 de fevereiro - 11 de março

Peixes: 12 de março - 20 de abril

A ligação da astrologia com os astros "simplesmente já não existe"

Se é nativo do signo Touro e justifica a teimosia com a influência das estrelas, ou é um aquariano que atribui o espírito humanista e visionário ao símbolo do portador de água, não se preocupe: não está a ler o horóscopo errado. O calendário de signos permanece fixo desde a sua incipiência, há mais de 5000 anos, e assim se manterá.

Mas como é que constelações e signos se tornaram conceitos diferentes?

Rui Agostinho, professor na Universidade de Lisboa e investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, começa por guiar-nos numa viagem aos primórdios da astrologia, quando ainda estava entrelaçada na astronomia. A antiga civilização babilónica terá sido a primeira a aventurar-se neste domínio e a acreditar que os astros têm influência sobre o destino humano. A questão é que, desde então, passaram cerca de cinco mil anos: “O céu que essas pessoas viam nada tem que ver com o que observamos hoje”, explica o astrofísico.

Na perspetiva da civilização ancestral, em meados de julho, o movimento aparente do Sol posicionava-o na constelação de Leão. Logo, a pessoa nascida neste período seria regida pelo signo leonino - ou seja, influenciada pela “energia” que se atribui a este conjunto de estrelas. Rui Agostinho propõe um teste: “se formos a um simulador da posição do Sol no céu e inserimos uma data de final de julho, veremos que afinal não está na constelação de Leão”, como viam os povos antigos. Pode também consultar o calendário apresentado acima, em que Leão só começa a 20 de agosto.

O céu da astrologia já não corresponde, portanto, ao céu real. “Quando se diz que o Sol está na constelação de Leão quando alguém nasce nesta data… Não é verdade, porque o Sol já não lá está. E isto é um tiro de morte para as pessoas que acreditam em astrologia”.

As ruínas do antigo Império Babilónico, na Mesopotâmia, perto da atual cidade iraquiana de Hila. A UNESCO classificou o espaço arqueológico como Património da Humanidade em 2019; antes disso, os Jardins Suspensos da Babilónia faziam parte das Sete Maravilhas do mundo antigo (Nik Wheeler/Corbis/Getty Images)


Da Babilónia, pulamos um período de três mil anos para aterrarmos nos ensinamentos de Ptolomeu. Já nesta altura o céu era diferente, quando o cientista grego fez uma súmula dos modelos do universo conhecidos até então e dividiu o círculo da esfera celeste em doze partes iguais. A partir daí, “o conceito de signo passa a ser uma divisão matemática, quer tenha lá dentro as estrelas que compõem a constelação ou não”.

As próprias constelações são ilusões humanas, como se apressa a notar o astrofísico num reparo rápido: a área que as constitui é imensamente vasta e a organização das estrelas em pontos conexos é inventada pela imaginação humana. Ainda assim, baseia-se numa observação objetiva dos pontos luminosos que estão no céu - embora a anos-luz de distância uns dos outros. Quanto à astrologia, “a ligação com os astros simplesmente já não existe. Quando falamos de Sol ou de planetas, já não falamos do Sol e dos planetas verdadeiros. Falamos, sim, de símbolos, de algo que os representa”.

À medida que o conhecimento científico foi evoluindo, a astrologia também se expandiu (com algum esforço) para acolher estas mudanças. Úrano, Neptuno e Plutão foram descobertos pela comunidade científica muito posteriormente aos cálculos dos babilónicos e de Ptolomeu, e acabaram por ser “introduzidos à pressa” para “tentar acrescentar algum cunho científico”, apesar de não terem “nenhuma tradição astrológica”.

“Se estudarmos a astrologia antiga, não há referências a nenhum destes planetas porque não são observáveis a olho nu”, aponta Rui Agostinho. Então, porque é que a constelação de Serpentário não foi também acrescentada? Porque as constelações vão transitando na banda eclítica, mas a “divisão matemática que Ptolomeu fez no século II d.C.” fixou os doze signos muito antes de Ophicuous ter sido definido na primeira metade do século XX.

Se a astronomia e a astrologia nasceram enredadas, o antigo diretor do Observatório Astronómico de Lisboa conclui que hoje estão definitivamente divorciadas. Ambas derivam da observação do espaço, mas enquanto uma assenta em factos e conclusões universais, a outra é moldada pelo olhar humano e baseia-se em símbolos e conceitos. O Sol entra na constelação de Serpentário a 30 de novembro e sai a 17 de dezembro, com variações de algumas horas a cada quatro anos; na astrologia, diz-se que neste período o Sol está no signo de Sagitário. “E o que dizer de uma teoria que utiliza astros que não estão realmente lá?”

A astrologia "é um espelho gigante da Humanidade"

A astróloga Sandra Costa é assertiva, logo nas primeiras palavras da conversa com a CNN Portugal: um astrólogo sério nunca se cansará de tentar desmistificar algumas das ideias estabelecidas a priori sobre o ramo da astrologia. “A astrologia não foi feita para enganar pessoas, nem queremos retirar valor nenhum ao astrónomo. Pelo contrário, precisamos dele”, frisa. 

Para desconstruir estes preconceitos, é preciso perceber que a astronomia e a astrologia partem do mesmo objeto de estudo, mas que são “ramos completamente distintos”. Uma é científica e exata; a outra é “simbólica e arquetípica” e requer todo um outro sistema de observação. 

A astrologia, antecedendo às tecnologias que se foram desenvolvendo ao longo do tempo, advém da perspetiva do olhar humano. “A astrologia é geocêntrica, porque é esse o nosso ponto de vista para o céu”. A teoria do heliocentrismo pode ter acabado por triunfar, mas a astrologia continua assente naquilo que é, de facto, a sua base essencial: o ser humano no centro, e os planetas e as estrelas circundantes a influenciá-lo. Até a mandala astrológica “está ao contrário, porque, quando olhávamos para o céu antigamente, o Sol apontava para sul e não para norte. É como se fosse um espelho gigante da Humanidade”.

Como tudo depende do que vemos a partir da Terra, a trajetória aparente do Sol tem início no grau 0 de Carneiro (na verdade, está na constelação de Peixes) e desenrola-se a partir daí em cada um dos 12 signos, cada um com 30º graus exatamente iguais, culminando numa volta de 360º. 12, não 13, porque signos não significam constelações zodiacais. “Antes era realmente assim, e a grande confusão é que mantiveram o mesmo nome. Hoje em dia, o signo de Leão já não coincide com a constelação de Leão devido à rotação do eixo da Terra e à precessão dos equinócios”, explica Sandra Costa.

Pensemos então nos signos como as quatro estações do ano, que continuam “fixas e imutáveis, mesmo que já não sejam como antigamente”. São 12 partes iguais e harmoniosas, que representam 12 arquétipos que regem o destino, a alma e o corpo de quem nasce sob sua influência. A inclusão do signo de Serpentário na astrologia só viria perturbar aquela que é uma ordem perfeitamente equilibrada. “Incluir um 13º signo nunca fez sentido”, assevera a astróloga, apesar dos rumores recorrentes que dão conta do contrário. 

Uma representação da constelação de Serpentário (ou Ophiuchus) desenhada pelo astrónomo John Flamsteed, em 1729 (Buyenlarge/Getty Images)

A ciência e o esoterismo são unânimes: o Serpentário nunca fez nem nunca fará parte da adivinhação por meio dos corpos celestes. Mas se nunca se identificou totalmente com o seu signo - e sabendo que a astrologia tem um cunho fortemente pessoal - porque não optar por associar-se à constelação regente no seu nascimento?

Embora a grande maioria dos astrólogos desvalorize o Serpentário, há também quem conceba um conjunto de traços supostamente relacionados com o domador de serpentes. Se nasceu entre 30 de novembro e 17 de dezembro e não se reflete na natureza aventureira de Sagitário, que tal descrever-se como "divertido, honesto e intelectual", dotado de uma "energia curativa" só equiparável à do próprio deus Asclépio? 

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