Poderá ter sido encontrado um fragmento do asteroide que levou à extinção dos dinossauros

CNN , Katie Hunt
15 mai 2022, 12:00

Poderá ter sido encontrado um pequeno fragmento do asteroide que atingiu a Terra há 66 milhões de anos, envolto em âmbar - uma descoberta que a NASA descreveu como sendo "espantosa".

É uma das várias descobertas extraordinárias de um local fóssil único, na Formação Hell Creek em Dakota do Norte, que preservou vestígios do momento cataclísmico que fez com que terminasse a era dos dinossauros - um ponto de viragem na história do planeta.

Os fósseis aí desenterrados incluem peixes que sugaram os destroços da colisão, uma tartaruga empalada com um pau e uma perna que poderá ter pertencido a um dinossauro que testemunhou a colisão.

A história destas descobertas é revelada num novo documentário intitulado "Dinosaur Apocalypse" (O Apocalipse Dos Dinossauros), com a participação do naturalista Sir David Attenborough e do paleontólogo Robert DePalma e será transmitido na quarta-feira no programa da PBS "Nova".

O paleontólogo Robert DePalma é fotografado no local da escavação de Tanis em Dakota do Norte

 

O derradeiro dia da catástrofe

DePalma, investigador pós-graduado da Universidade de Manchester no Reino Unido e professor adjunto do departamento de geociências da Universidade Atlântica da Florida, começou a trabalhar em Tanis, designação pela qual o local fóssil é conhecido, em 2012.

As planícies poeirentas e expostas contrastam fortemente com o aspeto que o local teria tido no final do período Cretáceo. Nessa altura, a Região Centro-Oeste dos Estados Unidos era uma floresta tropical pantanosa, e um mar epicontinental que desde então desapareceu - conhecido como o Mar do Interior Ocidental – e que terá existido desde o que é agora o Golfo do México até ao Canadá.

Tanis fica a mais de 3.218 quilómetros da cratera de impacto de Chicxulub, causada pelo asteroide que atingiu a costa do México, mas as descobertas iniciais feitas no local convenceram, desde logo, DePalma de que este contém provas raras do que levou ao fim da era dos dinossauros.

O terreno fóssil de Tanis em Dakota do Norte terá sido uma floresta tropical pantanosa há 66 milhões de anos

 

Este local é o lar de milhares de fósseis de peixe bem preservados que DePalma acredita terem sido enterrados vivos como consequência dos detritos que se moveram quando uma enorme massa de água, libertada pela colisão do asteroide, se deslocava para o interior do mar. Ao contrário dos tsunamis, que podem levar horas a chegar a terra após um maremoto, estas massas de água em movimento, conhecidas como ‘seicha’, emergiram imediatamente após o enorme asteroide ter caído no mar.

O paleontólogo garante que os peixes morreram no espaço de uma hora após a colisão do asteroide, e não como resultado dos enormes incêndios florestais ou do inverno nuclear que se seguiu nos dias e meses seguintes. Isto porque as "esférulas de impacto" - pequenos pedaços de rocha fundida lançados da cratera para o espaço, onde cristalizaram num material semelhante ao vidro - foram encontradas alojadas nas guelras dos peixes. A análise dos fósseis dos peixes revelou também que o asteroide embateu na Terra durante a primavera.

"Começaram a surgir provas umas a seguir às outras e a mudar a história. Foi- se percebendo uma progressão nas pistas, como se se tratasse de uma investigação de Sherlock Holmes", afirmou DePalma.

"Estas provas forneceram-nos uma história construída, momento a momento, daquilo que aconteceu logo a seguir ao impacto e acabámos por obter um recurso muito rico para a investigação científica.”

Muitas das últimas descobertas reveladas no documentário ainda não foram publicadas em revistas científicas.

Michael Benton, professor de paleontologia de vertebrados na Universidade de Bristol, que colaborou enquanto conselheiro científico no documentário, referiu que, embora seja uma "questão de convenção" que as novas alegações científicas devam passar por uma revisão dos pares antes de serem reveladas na televisão, ele e muitos outros paleontólogos concordaram que este terreno fóssil representa realmente o "derradeiro dia" da existência dos dinossauros na Terra.

"Alguns peritos explicaram que 'bem, pode ter sido no dia seguinte ou um mês antes’... mas eu prefiro a explicação mais simples, que é a que documenta realmente o dia em que o asteroide atingiu o México", escreveu num e-mail.

Um membro pertencente a um Tescelossauro, um pequeno dinossauro herbívoro, no momento em que estava a ser extraído da área fóssil de Tanis em Dakota do Norte. A criatura pode ter testemunhado a colisão do asteroide que pôs fim à era dos dinossauros

 

Origem cósmica

A maioria das esférulas de impacto vítreo que de início revelaram os vestígios do impacto do asteroide a DePalma estão preservadas na argila em resultado de processos geológicos ocorridos ao longo de milhões de anos. No entanto, DePalma e os seus colaboradores também encontraram algumas esférulas que, nesse dia trágico, aterraram em resina de árvore, na superfície de um tronco, e ficaram preservadas em âmbar.

"Nesse pedaço de âmbar localizámos um número de esférulas que ficaram basicamente congeladas no tempo, porque, tal como um inseto no âmbar fica perfeitamente preservado, quando estas esférulas entraram na resina fóssil, a água não conseguiu chegar até elas. Nunca se transformaram em argila, e estão completamente preservadas", afirmou.

É "como se, tendo uma ampola para recolha de amostras, voltássemos atrás no tempo, retirávamos uma amostra no local do impacto e depois guardávamo-la para a ciência", declarou DePalma.

Conseguiram localizar uma série de pequenos fragmentos de rocha não derretida dentro das esférulas vítreas (de âmbar). A maioria destes pequenos fragmentos de rocha eram ricos em cálcio - provavelmente do calcário que existe sob a Península de Yucatan, referiu DePalma.

Nesta imagem podemos ver o âmbar com um pedaço, que se acredita ser do asteroide, no seu interior

 

"Mas dois deles tinham uma composição muito diferente. Tinham níveis de crómio e níquel e alguns outros elementos que só são comuns em material meteórico e esses fragmentos baseados na nossa análise preliminar... são quase certamente de origem cósmica".

DePalma referiu que esperam conseguir confirmar de que material era constituído o asteroide e de onde poderá ter vindo – estes esforços chamaram a atenção da NASA; DePalma apresentou as suas conclusões, no mês passado, no Centro de Voo Espacial Goddard, da agência governamental, em Greenbelt, Maryland.

"Este é o exemplo do que poderá ser um pequeno fragmento, talvez microgramas, do asteroide – só o facto de um registo destes ter conseguido ficar preservado, é inacreditável", revelou o Diretor Científico de Goddard, Jim Garvin, que estudou a cratera de impacto na Terra e em Marte.

A investigação sobre as esférulas cobertas por âmbar não foi ainda publicada numa revista após a habitual submissão e revisão levada a cabo pelos investigadores da área. Durante a revisão dos seus pares, os cientistas dão um feedback rigoroso sobre o trabalho uns dos outros para garantir que este resiste ao escrutínio. DePalma afirmou que um artigo revisto por pares sobre as conclusões preliminares será publicado "nos próximos meses."

Perna de dinossauro fossilizada

Uma perna de dinossauro preservada em perfeitas condições, com a pele intacta, foi outra das descobertas de Tanis e surge também no documentário que estreou no Reino Unido em abril, deixando o mundo paleontológico de boca aberta.

O fóssil da perna do Tescelossauro após as escavações

 

Muito poucos fósseis do Período Cretáceo foram encontrados nas rochas mais elevadas do local geológico, e é possível que o membro - que pertence a um Thescelosaurus, um pequeno dinossauro herbívoro que DePalma e os seus colegas descobriram - possa ter morrido no próprio dia em que o asteroide embateu na Terra. A preservação de tecidos moles como a pele sugere que o seu corpo não teve tempo para se decompor antes de ficar enterrado nos destroços.

"Os únicos dois cenários possíveis aqui são que: ou morreu com a onda maciça de água que se seguiu ao embate, ou morreu imediatamente antes (de o asteroide colidir), mas foi tão próximo desse período de tempo que, na verdade, o seu corpo não teve tempo para se decompor. Não é possível que tivesse morrido anos antes e que depois a pele tivesse ficado preservada. Isso não acontece com tecidos moles deste tipo."

A análise detalhada dos ossos da perna do dinossauro poderá esclarecer as condições em que se encontravam até ao momento do impacto.

O ovo de Pterossauro descoberto em Tanis é o único encontrado na América do Norte

 

Outras descobertas incríveis neste local incluem um ovo de Pterossauro fossilizado, o primeiro encontrado na América do Norte. Revela que os ovos destes répteis voadores gigantes eram macios, como os de muitos répteis que existem hoje em dia. Uma tartaruga fossilizada com um pau de madeira a atravessar o seu corpo é a prova de que a criatura foi empalada durante a onda da massa de água desencadeada pelo impacto do asteroide.

O trabalho que está a ser desenvolvido em Tanis não só nos narra com detalhes específicos o que aconteceu no dia em que o asteroide caiu na Terra, como também nos deixa compreender melhor este evento que causou uma extinção em massa e como é que essa extinção se revelou posteriormente. DePalma espera que isto proporcione um enquadramento que permita refletir sobre a crise climática atual.

"O registo fóssil abre uma janela para os detalhes de uma catástrofe à escala global e para a reação da biota terrestre a essa catástrofe", afirmou DePalma. "Dá-nos também... uma bola de cristal que nos permite olhar para trás no tempo e aplicar aquilo que vemos à luz da crise ecológica e ambiental de hoje."

"Isto para nós é assustador, mas, ao mesmo tempo, também é benéfico. Porque ao estudar a ocorrência deste impacto com mais detalhe, podemos ficar mais bem preparados para cuidar do nosso mundo, na forma como ele se encontra hoje em dia."

Ciência

Mais Ciência

Patrocinados