Passa o dia a correr, mas nunca chega onde quer: 10 sinais de que pode estar assoberbado

11 dez 2022, 18:00
Mulher cansada

É um problema de saúde mental que, como quase todos, afeta mais mulheres do que homens. Resulta de sucessivas tentativas de "se chegar a todo o lado", a mais lados do que se consegue. O assoberbamento é vivido por muitos que se sentem atropelados pelas tarefas do trabalho, pelas obrigações familiares e pelos compromissos sociais. Identificar o estádio de assoberbamento é mais fácil do que pode parecer e é fundamental para travar o processo antes que seja tarde

Bárbara é professora. Dá aulas em duas escolas diferentes, embora não muito distantes uma da outra, mas longe da própria casa. Faz todos os dias quase 100 quilómetros. Tem dois filhos abaixo dos cinco anos e cuida da mãe doente. E depois ainda há a casa, a roupa de cinco pessoas, as refeições e tudo o que a gestão de uma família implica e que Bárbara tem de providenciar sozinha, porque o marido trabalha fora e só vai a casa aos fins de semana. Bárbara dorme pouco e mal, sente o corpo a dar-lhe sinais, vive na sensação de que não chega para tudo e não chega a todo o lado. Bárbara sente-se assoberbada.

“Tenho dores de cabeça constantes, sinto uma tristeza e um cansaço imensos. Adorava dar aulas e agora sinto que já não tenho prazer em nada do que faço. Não consigo tirar um minuto para mim. E passo a vida a rezar para que a minha filha mais nova não fique doente, porque quando isso acontece, a minha vida sofre mais um revés”, conta.

Bárbara apresenta quase todos os sinais de assoberbamento identificados pelos especialistas. Se não colocar um travão, as consequências para a sua saúde física e mental podem ser devastadoras. “Há uma só saúde. Muitas vezes, quando nos queixamos do corpo é porque algo vai mal emocionalmente. Se tenho dores de estômago, posso estar a desenvolver uma gastrite, por causa desse meu estado de assoberbamento, posso desenvolver problemas de pele, diminuição do sistema imunitário… Há pessoas que não conseguem dizer que estão zangadas ou tristes. Mas o corpo vai mostrar”, alerta a psicóloga Teresa Espassandim.

10 sinais para estar alerta

O ideal é identificar os sinais e não deixar chegar a este estágio. E, como diz a especialista, os sinais estão sempre lá:

- Problemas de sono

Um indivíduo assoberbado tem dificuldades em adormecer e tem uma má qualidade de sono. Pode, por exemplo, acordar muitas vezes durante a noite e acorda frequentemente com a sensação de que nem se deitou.

- Dores musculares ou de cabeça

Dores de cabeça ou musculares que não são habituais podem ser sinais de tensão ou de cansaço. Normalmente, um sinal de que o corpo precisa de abrandar.

- Perda de prazer em atividades que anteriormente eram prazerosas

Se gostava, por exemplo, de fazer exercício e agora já não tira prazer da atividade física, pode ser sinal de que está assoberbado. Quem fala em exercício, fala de ler, ouvir música, fazer trabalhos manuais ou cozinhar, por exemplo. “A ausência de prazer em coisas que antes me davam prazer podem ser um sinal muito forte de alerta”, sublinha a psicóloga.

- Perda de líbido

A perda de prazer pode estender-se também à vida sexual. E muitos homens e mulheres deixam mesmo de ter vontade. Teresa Espassandim alerta que este sinal de assoberbamento é, muitas vezes, responsável por muitos problemas conjugais.

- Isolamento

“Um sinal de alerta é quando começo a fugir aos contactos com os outros e a isolar-me. E posso evitar os outros porque não quero estar em contacto comigo. Isso é um forte sinal de que algo não está bem”, acrescenta Teresa Espassandim.

- Mudanças emocionais

O facto de estar mais irritável, mais triste, mais frustrada pode ser um forte sinal também de que se está a entrar num estágio de assoberbamento.

- Menos tolerante e menor capacidade de resolver problemas

Uma pessoa em estádio de assoberbamento torna-se também menos tolerante aos seus próprios erros e aos erros dos outros. Perante um problema, um indivíduo assoberbado tem também melhor capacidade de se abstrair e olhar os factos de fora, para encontrar uma resolução.

- Erros e más decisões

A menor capacidade de resolver problemas pode também resultar em más decisões e erros que antes não eram cometidos.

- Menor criatividade

Um indivíduo que tem de dividir a sua atenção pode diversos aspetos da sua vida tem tendência a apresentar menor criatividade. Isso reflete-se sobretudo em pessoas que têm trabalhos dependentes do fator criatividade.

- Problemas de produtividade

O círculo vicioso, em estado de assoberbamento é inevitável. Um indivíduo que dorme mal, não descansa e divide a sua atenção por vários aspetos da sua vida tende a diminuir a produtividade.

Afeta mais mulheres do que homens

Mas, afinal, o que é estar assoberbado? A psicóloga Teresa Espassandim explica: “É uma sensação de insatisfação, de andar sempre a correr, de haver sempre algo a que não se conseguiu chegar. Isto pode não ser clínico. Passa a sê-lo quando me causa sofrimento psicológico, me reduz o bem-estar, me provoca problemas em dormir, problemas em tirar prazer em coisas que eram prazerosas antes. Passa a ser clínico quando não consigo ver uma luz ao fundo do túnel e não consigo ter esperança que vai passar, não consigo ver mais à frente momentos de descanso. Quando já não identifico que não é para sempre. Quando começo a sentir que a minha vida é assim”.

A saúde mental em Portugal só começa agora a adquirir a devida importância. A prova disso é que, até à pandemia, o último estudo sobre saúde mental que se tinha feito em Portugal datava já de 2009. E já na altura os resultados eram avassaladores: um em cada cinco indivíduos tem problemas de saúde mental. Com a pandemia e os sucessivos isolamentos, a saúde mental ganhou lugar de destaque e há já vários estudos em curso, alguns com resultados preliminares já conhecidos, que dão conta de que a situação piorou muito.

Um dos sinais de assoberbamento é o isolamento social.

Já em 2009, o estudo apontava para uma maior incidência de problemas de saúde mental em mulheres. E também neste parâmetro não há sinais de melhoria: a pandemia veio pôr a nu a maior fragilidade das mulheres nesta questão. “E não é só por questões genéticas. Ainda estamos muito longe do equilíbrio social que poderia atenuar isto. As mulheres trabalham muito mais em casa, nos cuidados a casa e a filhos, muitas vezes têm de ter dois trabalhos. A sobrecarga é muito maior. Os problemas de saúde mental afetam muito mais as mulheres por questões sociais”, denuncia Teresa Espassandim.

Incapacidade de dizer “não”

Uma das causas que conduz ao estado de assoberbamento é a incapacidade de dizer “não”. Por isso é que se acaba a dar conta de várias tarefas em simultâneo e a fazer várias coisas ao mesmo tempo.

“Temos de pensar no que dificulta dizer que não. Podemos estar perante uma personalidade perfecionista, uma exigência pessoal muito grande. São pessoas que não se exigem menos do que tudo e tudo tem que ser feito numa determinada altura e antes de não sei o quê. O assoberbamento até pode não ter que ver só com a quantidade de tarefas, mas com a exigência que eu própria coloco nas tarefas e não me abrevio, não me simplifico em nada. Mas podemos estar também perante pessoas que têm mais baixa autoestima, autoconfiança reduzida e não conseguem, de uma forma adequada, estabelecer limites como os outros sem darem importância ao que realmente querem e aos seus próprios objetivos. Até numa tentativa de agradar ou de esperar a reciprocidade do outro”, exemplifica a psicóloga.

Mas saber dizer “não” pode ser ainda mais exigente. “Para saber dizer que não, eu tenho de saber o que quero e tenho de me conhecer”, diz Teresa Espassandim.

Diferenças entre assoberbamento e burnout

O estádio de assoberbamento é diferente do burnout. “O burnout aplica-se às pessoas em contexto de trabalho. Implica um cansaço que não passa com as férias, incapacidade de envolvimento com o trabalho, despersonalização, uma sensação de estar fora do corpo. Mas sempre relacionado com o trabalho”, explica a psicóloga, adiantando que o assoberbamento é um estádio “relacionado com a vida em geral”.

Mas não significa que um e outro estejam completamente desligados: “Muitas vezes, a pessoa que está assim no trabalho tem dificuldade depois em ser diferente nas outras dimensões da sua vida.”

E quer um quer outro podem ter consequências devastadoras e resultam, frequentemente, alerta Teresa Espassandim, em comportamentos aditivos com jogo, álcool ou substâncias que possam servir de compensação para necessidades emocionais provocadas pelo cansaço e pelo facto de não parar. Não raramente, conduzem também a problemas comportamentais como uma relação disfuncional com a comida.

As estratégias para prevenir

É sempre possível travar a fundo e inverter o rumo. Mas o ideal é apostar na prevenção. A psicóloga Teresa Espassandim aponta 12 estratégias para evitar chegar ao estádio de assoberbamento:

1 – “Ter atividades prazerosas escolhidas por mim. E aqui o ‘escolhidas por mim’ é muito importante. Não é fazer algo que, supostamente, serve para desanuviar ou para descansar ou fazer algo que dá prazer ao outro. São atividades que eu escolho porque me dão prazer a mim, porque eu gosto”, indica Teresa Espassandim.

2 – “Priorizar-se. As atividades prazerosas só vão acontecer se eu me priorizar, se priorizar o tempo de qualidade para mim. E não precisa de ser nada de muito extraordinário. Às vezes pode ser no duche, não tomar o duche a correr e poder tirar partido do cheiro do gel de banho, da água a cair nas costas”, exemplifica.

3 – Praticar exercício físico. Todos os estudos demonstram o impacto positivo que a atividade física tem no nosso bem-estar emocional.

Praticar exercício físico e encontrar momentos "só para si" é fundamental para prevenir o estádio de assoberbamento.

4 - Assegurar horas de sono de qualidade. Uma boa higiene de sono é fundamental para a preservação da saúde mental.

5 – “Construir relações positivas com pessoas que nos compreendem. Tomar a iniciativa para semear isso. Estar com pessoas que nos fazem sentir bem, que não falam só delas, que perguntam por nós, por exemplo. Abandonar relações tóxicas, que nos prejudicam”, aconselha a psicóloga Teresa Espassandim.

6 – “Partilhar o que sentimos. Haver intimidade emocional com as pessoas com quem vivemos para partilhar o nosso dia-a-dia. Não temos de encontrar as nossas soluções sozinhos. Podemos pedir ajuda.”

7 – Divisão de tarefas. “Em casa, sentarem-se e conversarem sobre isso. A divisão pode ser de acordo com aquilo para que cada um tem mais apetência ou pode ser de acordo com aquilo de que cada um gosta mais. No trabalho, falar com a chefia, falar dessa necessidade que se está a sentir, identificar se há alguém que possa dividir as tarefas connosco e propor essa divisão às chefias”, exemplifica a especialista

8 – Repensar as nossas decisões: “Fazer uma espécie de balanço. Como tenho feito as coisas, resulta? Posso melhorar? Quando eu penso sobre a minha tomada de decisões, posso agir sobre elas? Esse exercício é fundamental para estabelecer prioridades”.

9 – “Encontrar momentos consigo próprio. Encontrar momentos em que não estou a fazer mais nada. Estou só ali. Não lhe chamaria meditação, nem mindfulness… É estar só comigo, sem outras intenções”.

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