Combate à corrupção. Governo quer alargar proibição de negócios aos árbitros de todas as modalidades

13 jun 2023, 07:00
Apito de árbitro (AP)

Proposta de Lei quer que as restrições aplicadas aos árbitros que apitam os jogos da I Liga, II Liga e Taça da Liga sejam universais a toda a classe

O Governo quer que os árbitros de todas as modalidades em Portugal tenham as mesmas restrições que têm os do futebol profissional, limitando o tipo de negócios que possam realizar e as empresas onde podem trabalhar - uma obrigatoriedade que até agora era exclusiva aos árbitros da I Liga, II Liga e Taça da Liga.

A alteração consta da nova proposta do Governo para combater a corrupção desportiva que foi submetida à Assembleia da República na sexta-feira. 

Entre outras medidas, procura revogar a última lei sobre esta temática - a lei n.º 112/99, que proibia o exercício de certas atividades apenas a árbitros, membros dos conselhos ou comissões de arbitragem e titulares dos órgãos de associações do setor inscritos nas federações no âmbito das quais se disputavam competições de natureza profissional - passando essas limitações a ser plurais a todo o espectro desportivo português.

Agora, na nova lei que o Governo quer ver aprovada, deixa de existir essa distinção, com os árbitros, os membros dos conselhos de arbitragem e os titulares dos órgãos das associações a ficarem impedidos de “realizar negócios com clubes ou outras pessoas coletivas que integrem a federação desportiva em cujo âmbito atuam”, “ser gerentes ou administradores de empresas que realizem negócios” com esses clubes ou deter nessas empresas “participação social superior a 5% do capital” e de “desempenhar quaisquer funções em empresas nas quais os dirigentes dos clubes detenham posições relevantes”.

Há, assim, “uma alteração de fundo” no panorama desportivo português, explica José Manuel Meirim, especialista em direito desportivo e professor convidado da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. “Estas restrições passam a englobar toda e qualquer federação desportiva de toda e qualquer modalidade, do xadrez ao basquetebol, não vejo aqui nenhuma limitação por força da natureza profissional da competição.”

Isto porque, “em termos de competições profissionais, só temos três no país e são todas ligadas ao futebol: a I Liga, a II Liga e a Taça da Liga, não temos mais nenhuma dentro das outras 60 modalidades”, sublinha o antigo presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Uma “surpresa”, aponta o professor universitário, já que a distinção de regras para competições profissionais e não profissionais retoma imediatamente nas medidas seguintes que o Governo quer aprovar, nomeadamente sobre a necessidade das entidades que organizam competições profissionais serem obrigadas a manter na sua posse os registos de interesses dos árbitros que atuam nesse campeonato. 

Certo é que esta medida, afirma Luciano Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, acabará por não ter efeitos práticos. “O que ali está não é mais nem menos do que aquilo que já fazíamos. Há cerca de dez anos que os árbitros são os únicos a ter de declarar esse registo de interesses”, destaca.

Denúncia de situações suspeitas passa a ser obrigatória

Também de acordo com o documento entregue no Parlamento, o Executivo quer introduzir uma componente nova no combate à corrupção desportiva: a denúncia obrigatória. Assim, caso tenham conhecimento ou suspeitas de “comportamentos antidesportivos”, os agentes desportivos têm de reportar a situação ao Ministério Público, sob pena de ficarem suspensos da atividade desportiva durante um período que pode variar entre os seis meses e os três anos. 

Além disso, diz a proposta do Governo, “as pessoas coletivas desportivas” e “os agentes desportivos” são proibidos de ameaçar ou agir de forma hostil, incluindo práticas laborais desfavoráveis ou discriminatórias, contra aqueles que denunciem situações suspeitas às autoridades competentes.

Por um lado, analisa José Manuel Meirim, para quem denuncia, “há um passo em frente na proteção e na legitimação e no chamamento das denúncias, porque, de facto, estamos a falar de crimes muito difíceis de combater se não existirem denúncias”. Ainda assim, continua o especialista em direito desportivo, a proteção pode não ser suficiente "para que a denúncia surja com mais segurança". "Esta dúvida é muito complexa e de muita perigosidade”, observa. Perigosidade essa que é maior “se for um jovem, que esteja no início de carreira e que ao denunciar põe em causa o seu próprio futuro e a sua estabilidade moral.”

Na proposta, consta também a criação do crime de coação desportiva - punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa - e o Conselho Nacional para a Integridade do Desporto (CNaID), que será liderado pelo presidente do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), Vítor Pataco.

O Executivo quer ainda inaugurar uma plataforma nacional destinada ao tratamento da manipulação de competições. Já este órgão colegial vai ser coordenado pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária e vai contar com vários peritos, nomeadamente indicados pela Procuradoria-Geral da República, pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, pelo Comité Olímpico de Portugal; Federação Portuguesa de Futebol; Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 

Os membros desta nova plataforma, que vão trabalhar sob “dever de segredo” e não vão receber qualquer remuneração ou abono extra pelo exercício das suas funções,  são responsáveis por escrever aprovar e remeter ao Conselho Nacional para a Integridade do Desporto o programa nacional para a integridade do desporto.

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