Crimes de colarinho branco subiram, mas parecem mais difíceis de provar. Há "falhas graves" no combate à corrupção, alertam especialistas

10 mai 2023, 07:00
Sala de audiências

Segundo informação oficial do Ministério Público, em 2022 foram registados 3598, mais 733 do que no ano anterior. Mas o número de arquivamentos também aumentou

Os dados mais recentes do Ministério Público apontam para uma subida do número de inquéritos relativos a crimes de corrupção e criminalidade conexa (na qual se incluem, por exemplo, os crimes de abuso de poder, administração danosa, branqueamento, participação económica em negócio, peculato e prevaricação). Entre 1 de janeiro e 25 de novembro de 2022 foram registados 3598 novos inquéritos, um considerável aumento face ao ano anterior quando deram entrada 2.865 inquéritos (em 2020, deram entrada 2.302 processos e, em 2019, 2.359 inquéritos).

No entanto, de acordo com o Ministério Público, o número de casos em que este tipo de inquérito-crime foi arquivado também subiu face a 2021 (foram arquivados 1.595 processos versus 1.217 em 2021). E a única estatística que não aumentou de um ano para o outro foi o número de acusados por crimes de corrupção e criminalidade conexa - no ano passado foram 161 acusados e em 2021 foram 180.

Contudo, este crime de corrupção não é fácil de provar. Tem-se assistido a longas demoras na sua investigação e, muitas vezes, o crime cai ao longo do processo. José Sócrates viu as acusações de corrupção caírem durante a fase instrutória e o mesmo aconteceu no caso dos Colégios GPS, com o antigo secretário de Estado José Manuel Navarro, tendo sido ilibado em 2018. 

Para o advogado Paulo Saragoça da Matta, a principal dificuldade em arranjar matéria suficiente para existir uma condenação por corrupção prende-se com a existência de um “acordo corruptivo”, um  “contrato feito entre dois pólos, em que um oferece a outro algo para receber um benefício, um favor, uma decisão e a contraparte pede algo para praticar um ato lícito ou ilícito”.

Por definição, garante, este pacto corruptivo interessa a quem o faz que fique no silêncio. Logo, afirma o advogado, “estes acordos ficam no domínio de um círculo muito restrito de pessoas que o conhecem”.

Assim, explica o especialista, “a única maneira que há de os conhecer, por regra, é através do acesso a correspondências ou conversas”. Outra hipótese é “alguém suspeitar de algo e descobrir que há um património que não é justificável pelas fontes de receita que oficialmente a oferecem”. Muitas vezes, refere, estes pactos são também descobertos por quem substitui o político visado no seu cargo. “Quando chegam novos titulares, deparam-se com atos cuja justificação não é compreensível, ou que não há justificação, porque são mesmo ilícitos e em regra, o titular que chega, o que faz é manifestar às autoridades que detetam aquilo”.

Há falhas graves no combate à corrupção, dizem especialistas

Para além da dificuldade na obtenção de provas, Regina Queiroz garante que em Portugal “há ainda outra falha grave”. É que o País só aplicou totalmente apenas três das 15 recomendações do Grupo de Estados contra a Corrupção, segundo o último relatório de 2021. Das cinco recomendações anticorrupção destinadas aos deputados dos Estados-membros do GRECO, Portugal não concretizou nenhuma na totalidade, tendo, em contrapartida, três sido parcialmente concretizadas e duas ficado por concretizar. “Nós sabemos que o poder político corrompe, mas depois nós sabemos que há medidas que podem ser tomadas para evitar que essa corrupção seja alimentada. Ora, se Portugal não implementa as recomendações, também existe mais liberdade para os políticos fazer aquilo que eles estão a fazer e depois chegamos a este número tão elevado”, afirma a investigadora.

Já Luis de Sousa garante que apesar da legislação impor regras aos detentores de cargos públicos, deputados, ministros, autarcas e até partidos (como o financiamento partidário ou o regime de incompatilibidades), muito pouco é feito na área da auto regulação. “O parlamento criou comissão de ética mas foi um passo tímido”, nota ainda o politólogo, garantindo que as verbas atribuídas ao combate a este tipo de crime de colarinho branco são insuficientes. “Há um desconhecimento brutal. Criam-se instituições e depois são inúteis porque não foram criadas com capacidade para atuar”. Por isso, diz: “Andamos a brincar às regras de ética”

Toda esta situação, avisam os especialistas, estão a ter consequências práticas.

“Quando elegemos, estamos a delegar a nossa confiança nas pessoas que nos estão a representar, e quando eles abusam do poder que têm, aceitam subornos ou corrompem, estão a colocar em causa esta confiança fiduciária, adverte. Regina Queiroz.

Por outro lado, este amontoar de casos, operações e megaprocessos tem também causado um outro fenómeno, na opinião de Paulo Saragoça da Matta, advogado com uma longa experiência em processos relativos a crimes de colarinho branco de elevada notoriedade: “Hoje uma boa parte das pessoas que poderiam ter imensa capacidade para o exercício de algum tipo de funções de liderança, quer como altos titulares de cargo público, quer como titulares de cargo político, não estão para correr o risco de verem o seu nome arrastado pela lama”.

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