Paragem "extra" na Hungria para ver futebol: António Costa é um "animal político" mas pode ter dado “um tiro nos dois pés” nas suas aspirações europeias

20 jun 2023, 09:00
Costa foi ver a final da Liga Europa com Órban e a oposição acusou-o de estar em campanha para a Europa

Oposição acusa Costa de estar "em campanha" e em busca de apoio para presidir ao Conselho Europeu

A polémica em torno da passagem de António Costa pela Hungria para assistir à final da Liga Europa, ao lado de Viktor Orbán, voltou a fazer correr tinta sobre as aspirações europeias do primeiro-ministro. Várias figuras políticas portuguesas, acusam António Costa de estar “em campanha” e a juntar apoio para subir ao cargo de presidente do Conselho Europeu. Mas os especialistas ouvidos pela CNN Portugal são unânimes: o presidente húngaro é “um ativo tóxico” na Europa e a sua associação com Costa pode acabar por provar ser “um autêntico tiro nos dois pés” do político português.

“António Costa não será o primeiro português a ter ambições na política mundial, mas Viktor Orbán é contra tudo o que o primeiro-ministro defende. Toda a luta de Orbán foi contra a democracia representativa que Costa defende e apregoa. Não é um tiro no pé, é um tiro nos dois pés. Em nome de um evento desportivo, acaba por sacrificar aqueles que são os seus princípios, aquela que é a sua luta de uma vida”, afirma o professor catedrático José Filipe Pinto.

O líder do executivo justificou a viagem “escondida” e o convívio com Orbán com o “tratamento protocolar”, que lhe garantia um lugar ao lado do homólogo húngaro. Esta justificação não convence José Filipe Pinto, que sublinha que os “convites agradecem-se” sem que haja “obrigatoriedade de os aceitar”. Sobretudo quando implicam a convivência com uma figura cuja posição poder ser considerada eurocética e choca com o cargo do presidente do Conselho Europeu.

Para o especialista, António Costa é alguém particularmente “capaz de criar estratégias” que lhe permitam “potencializar ao máximo” as capacidades do cargo de presidente do Conselho. Diz mesmo: Costa é “um animal político”.

“Há situações em que é a pessoa faz o cargo e há outras situações em que é o cargo que faz a pessoa. No caso do presidente do Conselho, é a personalidade em si que dá visibilidade a esse cargo. Costa é um animal político. Seria um bom presidente do Conselho”, garante José Filipe Pinto.

Mas os especialistas insistem que uma possível proximidade do primeiro-ministro português ao homólogo húngaro pode ser mesmo um contratempo. “Viktor Orbán é uma figura complicada para todos os políticos. Neste momento, para quem procura criar pontes na União Europeia, Orbán é a última pessoas que iria buscar”, defende o investigador do Centro de Estudos Internacionais Riccardo Marchi.

Um "cavalo de Tróia russo"

Desde o início da guerra na Ucrânia, que Orbán se encontra isolado. No início de junho, os eurodeputados tentaram evitar que o governo populista húngaro assuma a presidência do Conselho da União. Mais de 619 eurodeputados votaram a favor de bloquear liderança húngara para não permitir “um regime iliberal” que se encontra em contencioso com as instituições europeias de tomar o poder.

“Não acredito que faça grande sentido que Costa tenha ido à Hungria de propósito visitar Orbán. O líder húngaro é uma figura pouco recomendável e tão pouco é um aliado natural. Tem até sido uma espécie de cavalo de Tróia russo no que toca ao apoio europeu à Ucrânia”, recorda o professor Francisco Pereira Coutinho.

No ano passado, a Comissão Europeia congelou uma grande parte dos fundos europeus que deveriam ser entregues à Hungria devido aos riscos de uso dos mesmos em esquemas de corrupção e em alegadas violações dos valores fundamentais da UE, bem como ao incumprimento da legislação comunitária.

“Orbán apoia a integração europeia em matéria de fundos, mas é contra a posição da União Europeia. António Costa é federalista e vai ser conotado com uma posição completamente contra aquilo em que ele acredita. Orbán é visto na União Europeia como alguém que está mais apostado em criar em entraves do que contribuir para o seu desenvolvimento”, acrescenta.

Os especialistas não são unânimes quanto aos impactos reputacionais deste encontro para as aspirações europeias do primeiro-ministro. Para Riccardo Marchi, situações como estas são “os clássicos episódios da espuma do dia” de que, dentro de pouco tempo, já “ninguém se lembrará”.

Para José Filipe Pinto, esta situação vai ter duas repercussões em termos reputacionais e ambas serão negativas. A nível interno, o especialista acredita que “ninguém em Portugal” consegue compreender porque é que houve uma alteração não oficial do trajeto “para ir assistir a um jogo de futebol”.

O Presidente da República diz que compreende, mas os portugueses não compreendem”, reforça o professor catedrático, que recorda que este “é só mais um” dos sucessivos “casos e casinhos” que estão constantemente a delapidar “toda a legitimidade de voto” que garantiu a maioria absoluta ao Partido Socialista. E, mesmo com a promessa de António Costa de que pretende cumprir a legislatura até ao fim, o constante desgaste pode tornar a porta para Bruxelas cada vez mais apetecível. “Quando se começa a ser contestado a nível interno, as portas externas mostram-se muito mais atrativas”, frisa José Filipe Pinto.

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