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Colunista e comentador

Acabar com o VAR? Para quê? Para voltarmos ao tempo dos presidentes-nomeadores?

1 mar 2023, 14:42
Stuart Attwell no vídeo-árbitro (VAR), confirmando o fora-de-jogo no golo anulado a Matip no Chelsea-Liverpool (Alastair Grant/AP)

Rui Santos (iniciador do debate em Portugal da introdução da figura do VAR no futebol) diz que o VAR não é o problema. O problema é de quem quer, a qualquer preço, controlar a arbitragem

Alegando erros do VAR nos jogos desta última jornada, designadamente no jogo FC Porto-Gil Vicente e Vizela-Benfica, Pinto da Costa pediu para se acabar com o VAR.
 
Pinto da Costa apenas se esqueceu de dizer que, nos últimos jogos, neste mesmo jogo com os gilistas e no anterior com o Rio Ave, o FC Porto (também) teve benefícios decorrentes da (in)ação do VAR.

Assim como os teve o Benfica em Vizela (penálti cometido por Bah, não assinalado).
 
É, aliás, fácil perceber a razão pela qual Pinto da Costa não quer o VAR, da mesma forma que Luís Filipe Vieira teve sempre muitas dificuldades em assumir o seu alinhamento a favor da introdução das novas tecnologias no futebol, acabando por o fazer quer na Assembleia da República quer, mais tarde, em ambiente televisivo.
 
O futebol português viveu durante décadas sob o signo das influências. As boas (que também existem, mas sempre em plano de enorme inferioridade) e as más — as dominantes.
 
O futebol português ainda vive sob o signo das influências, mas a aposta na video-arbitragem mitigou o efeito dessas influências.

Influenciar é telefonar para o nomeador e ‘sugerir’ árbitros ou sinalizar quem está em melhor ou pior ‘forma’.
 
Influenciar é chegar, directa ou indirectamente aos árbitros, a eles próprios ou a quem os rodeia.
 
E há varias formas de chegar. Com chás e bolinhos, a dar horas ou com a exibição dos músculos.

A arbitragem precisa de se autonomizar, mas isso só acontecerá se houver progressos na transformação do processo.

Como pode haver progresso se os VAR começaram a ser achados entre os árbitros (de campo) menos competentes?

Como pode haver progresso se o processo de classificação não é eficaz e objectivo aos olhos do público?

Como pode haver progresso se os árbitros têm negócios de porta aberta nos locais onde vivem, sujeitos a todo o tipo de represálias?

Como pode haver progresso se todos sabem que o exercício de arbitrar, em cada ciclo de hora e meia, não assenta em princípios sólidos de independência e está adulterado, à partida, por uma série de factores externos? 

Como pode haver progresso se ex-árbitros têm influência sobre as análises de outros ex-árbitros no momento em que dão opinião em directo logo após as transmissões?
 
Todos sabemos que, no futebol — e não apenas no futebol — há na interpretação, como se viu agora com Paulo Gonçalves no “Benfica de Vieira”, uma linha muito ténue entre cortesia e corrupção.
 
Nem sempre, contudo, e voltando a viajar, a distância que medeia essas fronteiras se faz com delicadeza. Às vezes o chá ferve. Às vezes, vezes de mais, os bolinhos endurecem.
 
Não, o problema não está no VAR e na tecnologia, que podem ser sempre aperfeiçoados.
 
O problema está nas pessoas. 
Está nos dirigentes e também nos árbitros, que não têm coragem de ir para além das participações em sede disciplinar, quando se sentem visados pelas palavras, uma vez que a questão é mais profunda e se desenvolve no âmbito das condições que as equipas de arbitragem (não) possuem quando entram em campo, e sobretudo quando o fazem em condições de “pressão e temperatura” absolutamente inaceitáveis.

Se o VAR, em Portugal, comete erros que ninguém consegue compreender, a não ser por eles não se acharem em condições de tomarem decisões mesmo na ‘fortaleza’ da Cidade do Futebol ou em ‘carrinhas’ designadas para o efeito, é porque algo mais profundo (e sistémico) não está a bater certo.
 
Acabar com o VAR significaria recuperar o magistério de influência(s).

Acabar com o VAR significaria ter dado um passo à frente para dar dez passos atrás.

Acabar com o VAR significaria alguns presidentes recuperarem o seu estatuto de nomeadores.

Sim, já sabemos que os presidentes — alguns presidentes — querem ter os VAR que lhe garantam um serviço de independência de excepcionalidade.

O futebol, até pelo que ora se vê com acusações de fraude fiscal, precisa de escrutínio. Maior e melhor escrutínio. 

O VAR tem de afirmar a sua condição de escrutinador. O problema é que esse ‘escrutínio’ está nas mãos de quem não quer reformar o sistema e de quem beneficia dele.

Enquanto for assim, enquanto não forem à verdadeira causa do bloqueio, com o Estado a assobiar para o lado e a ignorar os sinais de deturpação, tudo em nome de interesses relacionados com querelas clubísticas ou negócios que o lado marginal do futebol alimenta, vamos continuar entre os silêncios (cúmplices) e os ruídos (criminosos).

Não, a figura do VAR é boa. O sistema é que está podre. O futebol está podre. Há demasiados anos e a cegueira maior é que os profissionais do futebol ainda não perceberam que, na sequência ou do medo ou da não intervenção, o futebol está a perder força e pujança. São horas de conversas pandémicas e bélicas.

A alternativa não pode ser nem fingir que está tudo bem nem estigmatizar apenas uma das partes. É o todo que está em causa.

VAR - Vamos Apoiar a Revolução. A Revolução que o Futebol precisa.

É preciso muito mais e melhor para salvar o futebol. 
É preciso muito mais e melhor… VAR.


NOTA - O autor deste texto apresentou na Assembleia da República em 5 de Janeiro de 2010, após um ano de trabalho mais intenso (durante 2009) e anos a lançar o tema para discussão (desde 2002-03), uma petição a favor da introdução das novas tecnologias do futebol, nomeadamente através da implementação da figura do VAR. 
Fê-lo com o apoio institucional da FPF e da Liga, da APAF, de várias entidades ligadas ao Desporto e à sociedade (estiveram presentes Rosa Mota, Carlos Lopes e Eusébio, por exemplo), e ainda de diversos clubes, profissionais e não profissionais, designadamente do Benfica, Sporting e Sp. Braga, não tendo o FC Porto respondido ao convite de se representar na AR, completaram-se agora 13 anos.
Estamos no tempo de perceber quem está interessado em defender o futebol pelo futebol. O resto é o resto, com o qual queremos ou não conviver e alimentar.

 

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