Américo Amorim. Quando uma herança de milhões em cortiça se banhou em luxo

20 ago 2023, 08:00
Américo Amorim (1934-2017)

OS HERDEIROS || Durante o mês de agosto, todos os domingos, contamos-lhe o que estão a fazer os herdeiros dos homens e das mulheres mais ricos de Portugal, com o património que receberam

Américo Amorim. Para aquele que era o homem mais rico de Portugal, a ideia de sucessão sempre foi incómoda. Porque isso significava o seu fim. O empresário defendia que não deveria haver uma transmissão de testemunho automática, que as três herdeiras tinham de subir a pulso, de mostrar o seu valor para assegurar as rédeas de um império que hoje está avaliado acima dos quatro mil milhões de euros. “Os filhos não têm de ser herdeiros de nada. O mérito é a única forma de se aceder ao poder”, defendia numa entrevista a Maria Filomena Mónica em 1989.

Tanto que, só à sétima versão do testamento, em 2012, passou a integrar as filhas. Quem o acompanhava nos negócios via nas decisões de se rodear de figuras masculinas como sobrinhos, como António Rios de Amorim, hoje à frente da Corticeira Amorim, ou genros, uma prova dessa reserva quanto às capacidades e vocação para a gestão das descendentes.

Nessa altura, Américo Amorim mostrou que a sua opinião sobre as filhas não era a mesma que vinha a público. Então criou o Grupo Américo Amorim, a ‘holding’ que gere os negócios da família, onde a filha mais velha, Paula Amorim, assumia o cargo de vice-presidente. O mesmo cargo que viria a assumir na Galp de 2012 a 2016, quando subiu a presidente da petrolífera, ainda o pai era vivo. A prova de confiança estava mais do que dada. Ela era mesmo o seu braço direito.

Américo Amorim morreu a 13 de julho de 2017, aos 82 anos.

Cortiça foi a base do império, com inúmeras aplicações (Pexels)

Raízes familiares bem assentes nos diferentes negócios

O património de Américo Amorim não foi dividido pelas herdeiras. Pelo contrário, é um legado que se mantém unificado, gerido através de uma liderança rotativa das herdeiras Paula, Marta e Luísa – que, apesar do legado familiar, não abdicam dos projetos pessoais.

Mas é fácil compreender como a gestão do clã Amorim dá primazia às relações familiares. Na ‘holding’ familiar, a liderança é assumida por Marta. A irmã Luísa, embora não faça parte dos órgãos sociais, faz-se representar pelo marido, Francisco Teixeira Rêgo. Paula Amorim, que já foi presidente, e a mãe Fernanda são agora vogais.

O grupo, através da Amorim Energia, é dono de uma participação de 33,34% na Galp; controla a Corticeira Amorim, gere milhares de hectares de floresta, detém participações em instituições bancárias em Portugal e no Brasil e intervém no ramo imobiliário.

A presença familiar é uma constante nos diferentes negócios. Na administração da Corticeira Amorim, liderada pelo primo António Rios de Amorim e responsável por cerca de cinco mil postos de trabalho, sentam-se Luísa Amorim e o marido da irmã Marta, Nuno Barroca.

Na Galp, Paula Amorim é presidente do conselho de administração. A irmã Marta e o cunhado Francisco são vogais.

E os resultados são animadores: os lucros da Corticeira Amorim cresceram 31,6% em 2022, face a 2021, para os 98,4 milhões de euros; já a Galp teve lucros ajustados de 881 milhões de euros, mais 93% do que em 2021.

Galp é um dos ativos mais relevantes da família (Getty Images)

Paula: um legado de luxo em nome próprio

Paula Amorim dedicou anos e anos a funções de topo nas empresas familiares. Mas nunca quis ser apenas a herdeira. Diz-se que um milionário, para sê-lo de verdade, tem de encontrar algo que o distinga dos restantes. E soube bem como fazê-lo, para traçar o próprio caminho.

Em 2005 pediu um empréstimo ao banco, à revelia do pai, para comprar a Fashion Clinic. O conforto da herança familiar não era suficiente. E ela tinha de criar o seu próprio legado, que hoje é inegável: a Amorim Luxury. Através da empresa, marcas como Balenciaga, Balmain, Christian Louboutin, Dior, Fendi, Givenchy, Dolce & Gabanna, Gucci, Prada, Saint Laurent, Tom Ford ou Valentino afirmaram-se em Portugal.

Luxo: foi a área escolhida pela principal herdeira para se destacar, com negócios na moda, restauração e hotelaria. É pela marca Fashion Clinic e, sobretudo, na JNcQUOI que assenta o crescimento. Depois de mudar a face da Avenida da Liberdade, em Lisboa, as chancelas estão a tomar conta da Comporta, apesar da forte contestação do impacto ambiental dos projetos.

O grupo abriu recentemente o bar de praia JNcQUOI Cabana e inaugura neste mês de agosto o restaurante JNcQUOI Beach Club, ambos na Praia do Pego. Para o próximo ano está marcada a abertura de um hotel de charme na Avenida da Liberdade. Pela unidade hoteleira prevista para a Comporta é que ainda vai ser preciso esperar mais algum tempo.

Estes projetos resultam da aliança com Miguel Guedes de Sousa, com quem se casou em 2012, com experiência internacional na área da restauração e hotelaria, que é hoje o presidente executivo da Amorim Luxury. E com quem, em 2020, teve um filho com recurso à gestação de substituição.

Foi também devido a uma aposta de Paula Amorim que o grupo familiar conseguiu, no ano passado, encaixar cerca de 250 milhões de euros com a venda de 10% das ações da Tom Ford à gigante Estée Laude.

“É um império pessoal e totalmente português. É ela que arrisca, faz”, resume à CNN Portugal Francisco Carvalheira, secretário-geral da Laurel - Associação Portuguesa de Marcas de Excelência, de que a Amorim Luxury é associada.

O responsável admite que os investimentos feitos pela herdeira de Américo Amorim têm um efeito de contágio, ajudando a posicionar Portugal neste segmento. “O luxo é uma família. Se falar do luxo português lá fora, o nome Amorim está presente. Mas foi a Paula que o colocou lá”, afirma.

Paula é descrita por quem a conhece como alguém que estuda bem os dossiês e que, nos bastidores, cultiva o espírito solidário, apoiando várias causas sociais – por exemplo, doa o salário como “chairwoman” da Galp. Na petrolífera, após a rutura com o anterior presidente executivo Carlos Gomes da Silva, tem também metas bem definidas. Entre elas, tornar a empresa mais verde, em linha com as exigências do mercado. A escolha de Georgios Papadimitriou como responsável pela área de Energias Renováveis foi disso exemplo.

A CNN Portugal contactou a assessoria de imprensa da Amorim Luxury, no sentido de contar com um testemunho da empresária, sem sucesso.

Paula Amorim é a filha mais velha de Américo e Fernanda Amorim (Eco)

Marta e Luísa: as finanças e a terra

Em 2020, Marta Amorim assumiu a presidência da “holding” familiar, substituindo Paula. É a prova da rotatividade definida pelas três herdeiras. Discreta, desenvolveu o seu percurso sobretudo no setor financeiro, uma experiência determinante para as suas capacidades de gestão.

É expectável que essa função passe depois para Luísa, a irmã mais nova, a alma de outro negócio da família, através da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro, dedicada à produção de vinho e ao enoturismo. É também responsável pela Taboadella no Dão.

Fecha-se o ciclo, das rolhas de cortiça ao vinho. Luísa já se lamentou por não ter passado mais tempo fora dos negócios da família, para ter a perspetiva do trabalhador, não do patrão. Sentiu sempre que o peso do apelido Amorim a obrigava constantemente a renovar-se, a formar-se, a estudar mais. “Não amoleças Luísa, não amoleças”, dizia-lhe o pai.

A CNN Portugal contactou também a assessoria de imprensa de Luísa Amorim, não tendo recebido 'feeback'.

Marta Amorim tem experiência na área financeira (Galp)
Luísa Amorim dedica-se aos vinhos (D.R.)

Maria Fernanda: a matriarca

Quando a família Amorim surge entre as mais ricas do mundo, nas listas não é o nome de Paula, Marta ou Luísa que se lê. É o de Mariana Fernanda Amorim, a matriarca, a paixão de uma vida de Américo, que representa todo o clã. No ‘ranking’ da Forbes de 2022, surgia na posição 567, com uma fortuna avaliada em 4,3 mil milhões de euros. Foi a única presença portuguesa.

A Maria Fernanda nunca coube, no entanto, a gestão, apenas o papel como pilar apaziguador da família. A viúva reside em Grijó, onde fundou um museu dedicado à arte e ofícios.

Não é, contudo, o único espólio que tem a sua assinatura. Na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, é possível visitar o acervo recolhido pela matriarca, que representa o ciclo produtivo do Vinho do Porto, com peças dos séculos XIX e XX.

Américo e Fernanda Amorim em 2010

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