Festas com dezenas de pessoas, beatas em mesas de cabeceira, hóspedes a queixarem-se da chuva. Eis a ‘vida difícil’ dos alojamentos locais

13 dez 2021, 07:02
Turistas em Lisboa

Em cada um dos 100 mil alojamentos locais, que existem em Portugal, há episódios caricatos para provar que alojar turistas tem as suas contrariedades. Os anfitriões abrem o livro de memórias (para esquecer) à CNN Portugal.

Clara Marques (nome fictício) nem queria acreditar quando a mãe, que tratava da limpeza, lhe ligou a contar a novidade. “Ela própria ia tendo um ataque cardíaco com aquele vendaval”. O alojamento local, na Foz do Porto, tinha sido vandalizado.

“Tinha centenas de marcas de cigarros pelo apartamento todo. Literalmente todo. Até mesinhas de cabeceira usaram como cinzeiros. Roubaram a televisão, o secador de cabelo, o espelho da casa de banho, roupas de banho. Até um Santo António que estava em cima do frigorifico”.

Esta foi a primeira e última reserva que Clara Marques aceitou para a casa. O calendário marcava janeiro de 2020, dois anos depois desta portuense se ter estreado no alojamento local num outro espaço.

O pedido chegou pela plataforma Booking, pago em adiantado. “A rapariga que reservou veio sozinha, embora tivesse feito a reserva para duas pessoas. Disse que o namorado vinha mais tarde, porque estava a trabalhar”. A história pareceu normal. Um fim de semana a dois junto ao mar.

Só que o namorado eram, afinal, mais de 20 pessoas. “O seguro de responsabilidade civil, obrigatório para o alojamento local, não cobre este tipo de coisas”, explica a empresária. As queixas feitas à plataforma de reservas não deram em nada.

O processo contra a hóspede corre agora nos tribunais – daí que Clara Marques não queira partilhar o nome verdadeiro. “Apresentámos queixa. Foram dois dias de limpeza. Tive uma reserva de 180 euros e um prejuízo de dois mil. Ter um alojamento local não é um mar de rosas”.

Foi neste estado que Clara Marques encontrou as mesinhas de cabeceira (Direitos Reservados)

Um alarme de incêndio traiçoeiro

Embora o caso de Clara Marques tenha acontecido ainda antes da pandemia, a verdade é que muitos outros foram relatados por proprietários de alojamentos locais durante este período. Festas, protagonizadas sobretudo por jovens, numa altura em que bares e discotecas estavam fechadas e o país enfrentava a dureza das restrições.

Isso mesmo confirma Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), à CNN Portugal, falando num “maior cuidado” dos empresários para evitar estes ajuntamentos. O porta-voz do setor diz ainda que a pandemia trouxe outra questão de segurança: “quando as casas estão fechadas, como na altura do confinamento, há uma exposição maior. Muitas vezes, são ganguezinhos locais que se aproveitam disso”.

Foi já com a realidade da covid-19 que Carlos Mendes decidiu apostar num alojamento local em Paço de Arcos, junto ao mar. Em novembro de 2020 abria portas um espaço “muito acima da média ao nível de condições” – e no preço. Mas nem isso impediu que clientes mais jovens acabassem a reservar a casa para festas à socapa. Como? Dividindo o valor da noite entre si.

“Fizeram disparar o alarme de incêndio por estarem a fumar. Fui lá confirmar e estava tudo bem. Como tenho um sistema de videovigilância no patamar, vim-me a aperceber, depois de ter saído, que estavam lá rapazes que não era suposto”, recorda.

Não foi, infelizmente, situação única. E até a vizinhança ficou incomodada. Mas a história não fica por aqui: o alarme de incêndio tem dado outras dores de cabeça a Carlos Mendes. Na noite de Natal, uns hóspedes decidiram acender 30 velas, o que ativou o aparelho. Já um casal francês desmontou o dispositivo para ver se não havia uma câmara escondida lá dentro.

Festas deixavam casas completamente sujas, exigindo gastos adicionais em limpezas (Direitos Reservados)

O hóspede que se queixava da chuva em agosto

Foi também um francês (um luso-francês, melhor dizendo) que protagonizou o episódio que mais salta na memória de Elsa Bastos, que explora quatro apartamentos em Lisboa: “Avisou que ia mudar o canhão da fechadura. Claro que depois acabou por não fazer nada disso. Começou por ser muito complicado, mas depois acalmou”.

Elsa Bastos reconhece que, para evitar situações desagradáveis, é muito importante estar atenta aos avisos de outros proprietários. Nos grupos que existem nas redes sociais, multiplicam-se os alertas sobre perfis suspeitos ou com “cadastro” no setor. “Aconteceu-me um pedido de reserva de uma senhora muito conhecida no mercado por fazer isso [alugar casas para festas]. Ela até usa vários nomes”, resume.

Por mais perfeita que esteja a casa, há hóspedes que arranjam sempre um motivo para reclamar. Que o diga Teresa Costa Félix, que tem uma casa para alugar a turistas na Costa de Caparica há quatro anos.

A história é protagonizada por um emigrante português na Alemanha. “Telefonava-me todos os dias furioso, porque estava a chover em agosto. Ou dizia-me que tinha ido à praia e não conseguia tomar banho”, revela a empresária. Só que as queixas escondem sempre uma outra vontade: “fazem críticas estúpidas porque querem uma redução no preço”.

Para Teresa Costa Félix, as festas ilegais não foram um problema, porque a casa só pode ser alugada à semana.

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