Depois do corte "à bruta" com a Rússia, a China. A Alemanha quer "focar-se mais na segurança" e isso pode ser revolucionário para a Europa

17 jun 2023, 18:00
Olaf Scholz (Markus Schreiber/AP)

O mundo está a mudar e a Alemanha não o esconde. Para a Alemanha, a Rússia é a maior ameaça à estabilidade europeia, mas é na China onde todos os olhos estão postos

Acompanhado dos seus principais ministros, o chanceler alemão, Olaf Scholz, fez história na quarta-feira ao apresentar a primeira Estratégia de Segurança Nacional da história da Alemanha. O documento, que identifica as principais ameaças ao país, aponta para aquilo que os especialistas já chamam de “uma revolução” na forma da Europa se relacionar com alguns dos principais rivais e que passa a olhar para as suas para as suas próprias relações comerciais como um elemento crucial para a sua segurança.

“Se for cumprido, este documento pode ser quase revolucionário para a Europa. A Alemanha vai passar a ser o líder securitário da Europa, segundo o chanceler alemão. Por agora, a Rússia é vista como a maior ameaça à estabilidade europeia, mas a principal mudança ocorre na forma como a Alemanha olha para China”, explica Diana Soller, especialista em relações internacionais.

O documento apresentado na quarta-feira pelo governo alemão define a China como uma ameaça crescente à segurança global, referindo que o país utiliza o seu poder económico para atingir os seus objetivos políticos. A estratégia não menciona Taiwan. Ainda assim, este é “um ponto de viragem” na forma como a Alemanha olha para a sua relação com o gigante asiático, o seu maior parceiro comercial. Apenas em 2022, as relações comerciais entre os dois países atingiram os 300 mil milhões de euros, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão.

Segundo a ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, a nova estratégia de segurança muda por completo esta dinâmica. Daqui para a frente, a Alemanha vai “focar-se mais na segurança” no que toca a “políticas económicas”. Para os especialistas, esta foi uma aprendizagem “cara” que a Alemanha retirou da dependência energética para com a Rússia.

“A Alemanha aprendeu com os seus erros, mas à bruta. Para cortar o seu cordão umbilical com a Rússia, foi obrigada a medidas drásticas que resultaram em elevadas perdas económicas. Foi o preço de se entregar nos braços da Rússia. Acabar com estas dependências é o grande desafio, particularmente em relação à China, cuja relação se tornou mais adversarial”, afirma o comentador da CNN Portugal José Azeredo Lopes.

Essa experiência fez com que a Alemanha queira tornar “a redução de todas as dependências” de matérias-primas uma prioridade para o seu governo. Além disso, há vontade de incentivar as empresas privadas a ter reservas estratégicas. “O bom é que as empresas alemãs estão a tirar conclusões semelhantes às do governo federal alemão”, disse a ministra. No entanto, a Alemanha quer estender esta “não-dependência” às infraestruturas e às tecnologias críticas.

Mas este percurso pode ser duro. Muitos CEOs alemães têm alertado para os riscos de reduzir ou cortar as ligações comerciais à China. Ola Kaellenius, CEO da gigante automóvel Mercedes-Benz, disse que essa possibilidade seria praticamente “impensável” para quase toda a indústria alemã.

“O 5G chinês foi banido das compras alemãs. Os negócios entre a Alemanha e China vão deixar de estar subordinados ao lucro, e passam a estar subordinados a um conjunto de regras de segurança, de forma a que a China deixe de ter capacidade de criar disrupções na cadeia de fornecimento”, explica Diana Soller.

Mais investimento na Defesa

Outra das partes fundamentais da estratégia prende-se no compromisso dos países da NATO em gastar, pelo menos, 2% do PIB na Defesa, uma meta negligenciada por uma parte significativa dos países da aliança, incluindo a Alemanha, que gasta 1,3%. O objetivo anunciado pelo ministro das Finanças, Christian Lindner, é atingir essa meta já em 2024, através da utilização de fundos especiais. Além disso, o documento dá prioridade à produção de armamento por parte de empresas europeias.

O documento tem em conta toda uma outra gama de ameaças híbridas, como as alterações climáticas, a fome, pobreza, pandemias, desinformação e ciberataques. Para isso, pretendem criar uma agência federal exclusivamente para a defesa de ciberataques, capaz de identificar os seus autores, e aumentar a resiliência de reservas de medicamentos, bem como a capacidade de produção europeia.

No curto prazo, a prioridade continua a ser a Rússia, que a Alemanha classifica como “a maior ameaça” para a “paz e para a estabilidade” da região Euro-atlântica, com a tentativa de “destabilizar as democracias europeias”. Para os especialistas, a Estratégia de Segurança Nacional alemã não representa um alinhar completo com a visão norte-americana e isso pode ser algo positivo.

“Se alinharmos completamente pelos Estados Unidos, o mundo fica literalmente partido em dois. Independente de terem de fazer opções, admitem querer continuar a lidar com a China como parceiro comercial. Fazemos comércio com a China, mas nunca mais depender de ninguém. Isto para mim é o grande desafio”, afirma Azeredo Lopes.

Europa

Mais Europa

Patrocinados