Na Quinta do Lago, o consumo de água é dez vezes superior à média nacional. Como é que se gasta tanta água no Algarve - e a culpa não é dos campos de golfe

9 out 2023, 07:00
Algarve (imagem Getty)

É na região algarvia que encontramos os maiores consumos de água, em média diária, no sector doméstico de Portugal continental. Resorts como o da Quinta do Lago, Vale do Lobo ou Vilamoura batem em centenas de litros outras regiões do país, mas garantem que são dos mais eficientes a operar em Portugal. De que medidas precisamos, então, para combater a seca no sul do país?

Um “destino incomparável”, na “privacidade e segurança da Reserva Natural da Ria Formosa”, com “campos de golfe de renome internacional”: é assim que o site da Quinta do Lago, na freguesia algarvia de Almancil, Loulé, descreve o empreendimento turístico que em 2022 chegou ao 50.º aniversário. O texto segue e realça as “oportunidades imobiliárias de qualidade internacional”, os “restaurantes sublimes”, a “praia de areia dourada” ou o “centro multidesportivo de elite” do resort fundado por André Jordan, o empresário de quem se diz que fez do Algarve referência turística internacional - e que até já foi chamado o “pai” do turismo português.

Mas há um dado curioso, que não entra na descrição oficial da Quinta do Lago e faz dela recordista a nível nacional: é ali que se consome, em média, a maior quantidade diária de água por litro em Portugal continental. De acordo com dados de 2021, disponíveis no mais recente relatório (o RASARP 22) da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), é a Infraquinta, a entidade gestora responsável pela distribuição de água na Quinta do Lago, que regista o maior consumo médio diário doméstico, medido em número de litros por habitante: 1093 litros por dia.

É uma média, naturalmente, mas a ordem de grandeza não deixa de espantar, sobretudo quando o consumo diário doméstico por habitante, em Portugal continental, ficou em 2021 numa média de 127 litros diários, abaixo dos 131 litros de 2020 mas acima dos 123 litros de média diária em 2018, de acordo com os números da ERSAR a que a CNN Portugal teve acesso. 

A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda que cada pessoa não ultrapasse os 110 litros diários de água por dia para suprir as suas necessidades e, de acordo com os dados agregados pela ERSAR por entidade gestora - “de referir que uma entidade gestora pode servir vários municípios e um município pode ser servido por mais de uma entidade gestora”, lembra o regulador - até há em Portugal casos de consumo abaixo deste número.

São exemplo a Câmara Municipal de Montalegre, com 47 litros de água em média por habitante/dia, da Câmara Municipal de Sabugal, com 49 litros, da Câmara de Vimioso, com 52 litros, ou da Câmara de Monforte, com 57 litros de média diária. Estes são os quatro menores consumidores de água, em média, em Portugal continental, segundo os dados mais recentes da ERSAR, compilados numa lista com 229 entidades gestoras de todo o país.

No extremo oposto, temos a já referida Infraquinta, com os seus 1093 litros, seguida pela Infralobo - que serve o empreendimento turístico algarvio de Vale do Lobo, a poucos quilómetros da Quinta do Lago - com uma média de 590 litros diários de consumo doméstico. Em terceiro lugar do ranking dos maiores consumidores domésticos vem a Águas de Santo André (no município de Santiago do Cacém), que assegura abastecimento e tratamento de águas na freguesia de Santo André e satisfaz as necessidades das indústrias na Zona Industrial e Logística de Sines, com um consumo médio diário de 264 litros de água por habitante. Logo no quarto posto regressamos ao Algarve, com os 208 litros diários atribuídos à Inframoura, entidade gestora da distribuição de água na estância turística de Vilamoura. E o top cinco fecha-se com os 188 litros diários da também algarvia Câmara de Lagoa, cidade portuguesa no distrito de Faro. 

Uma imagem da Quinta do Lago partilhada no Instagram do empreendimento turístico

A título de exemplo, a EPAL, que abastece Lisboa, tinha em 2021 um consumo médio diário de 135 litros de água por habitante; a Águas e Energia do Porto chegava aos 133 litros de média diária, a Águas de Coimbra aos 142. Mas o que explica, então, o elevado consumo da Infraquinta, da Infralobo ou da Inframoura, que abastecem de água o chamado “triângulo dourado” do turismo algarvio? Numa região tão afetada pela seca e com necessidades específicas de abastecimento de água, seja pela agricultura ou pelos famigerados campos de golfe, tradicionalmente bode expiatório das faltas de água potável, a CNN Portugal foi tentar perceber o que está por trás dos grandes consumos domésticos nestes redutos de luxo, que ocupam os lugares cimeiros das médias nacionais. 

Entidade gestora que tem consumos mais elevados é a "mais eficiente" do país

Na Quinta do Lago há cinco campos de golfe e nenhum deles é regado com água potável distribuída pela Infraquinta, detida em 51% pelo município de Loulé e 49% pela Quinta do Lago SA. A garantia é de Pedro Pimpão, presidente do Conselho de Administração da entidade abastecedora da Quinta do Lago, que diz mais: dos 40 campos de golfe que existem no Algarve, o campo de São Lourenço, na Quinta do Lago, é um dos poucos que já é regado apenas com águas provenientes das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). “A Infraquinta é a entidade gestora mais eficiente do país”, assegura à CNN Portugal, fazendo eco da frase que também se lê numa espécie de selo de qualidade destacado no site da instituição, que realça que a Infraquinta foi líder nacional em água não faturada em 2021 - ou seja, a entidade gestora que menos água deixou por cobrar, um indicador de qualidade e sustentabilidade da própria ERSAR. A água não faturada representa toda a água que, depois de ser captada, tratada, armazenada e distribuída, não chegou a ser faturada, seja porque se perdeu na rede de distribuição e foi desperdiçada ou porque teve outro uso, autorizado ou não autorizado, mas que não foi medida - nem paga.

“Temos menos de 3% de perda de água”, garante o presidente do conselho de administração da Infraquinta. “Não é por obrigação, é por exigência para connosco”, sublinha. Pedro Pimpão diz que a média elevada de consumo se explica pelas características do público que é servido pela Infraquinta, com clientes no sector do turismo, restaurantes, um centro comercial. São, materializando em números, 13 hectares de intervenção, 17.296 camas e 1.804.927m3/ano de água comprada. 

O responsável frisa que a eficiência hídrica é importante e que, dada a escassez de água e os longos períodos de seca em território nacional, a Infraquinta tem apostado em ações de sensibilização junto dos clientes para uma utilização racional, nomeadamente para a rega de jardins com menor quantidade de água e em período noturno. “Também sugerimos aos proprietários que, nos jardins, usem plantas e um tipo de jardinagem compatível com o clima da região”, acrescenta.

Para Pedro Pimpão, devem encontrar-se duas vias na resolução dos problemas relacionados com a falta de água: “Uma via de planeamento, no sentido de encontrar fontes alternativas de consumo de água, nomeadamente a água residual tratada para regar jardins, que é uma solução que deve tornar-se mais efetiva, e outra, que tem a ver com o uso racional da água e a utilização da água das chuvas”, esclarece. Na Quinta do Lago, acrescenta, é feita retenção da água das chuvas nos lagos e essa água é utilizada, por exemplo, para regar campos de golfe, além das águas dos furos. “E vamos ter fortes investimentos na água residual tratada, que vai para jardins ou para o golfe, ou seja, haverá ainda uma maior diminuição da utilização da água que é para consumo humano”, sublinha o administrador da Infraquinta, apontando ainda para a reconversão de jardins públicos com a utilização de plantas autóctones do Algarve.

Foto: Instagram Infraquinta

Na Quinta do Lago não há explorações agrícolas, consumidoras de água por excelência, mas há extensos jardins, hotéis, piscinas, repuxos, spas. Cenário comum, aliás, a todo o sul do país, sempre barómetro da performance turística nacional. Mas, afinal, que impacto têm estas infraestruturas de embelezamento e lazer no consumo de água na região, num quadro mais geral?

Segundo o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, da Agência Portuguesa do Ambiente, com data de julho de 2020, do volume total de água captado na região algarvia, 34% foi para consumo urbano, 56,8% para consumo agrícola e 6,4% para campos de golfe. O documento detalha ainda que ao chamado "cluster turismo", que engloba algum consumo de água urbano e os consumos do golfe, corresponde um consumo total de 11,7% da água captada. Um número pouco significativo num Algarve cada vez mais ressequido? 

O sector doméstico feito “bode expiatório” e o problema da agricultura

“Os grandes consumos de água estão noutros sectores, não propriamente no sector doméstico”, declara Sara Correia, ambientalista da associação ZERO que desenvolve trabalho na área de resíduos urbanos e recursos hídricos. Mas, para a especialista, há uma explicação para a grande diferença de consumos médios registados nas algarvias Infraquinta e Infralobo. “As pessoas, ali, não estão motivadas para reduzir consumos”, atira. “São pessoas de capacidade económica elevada, pelo que reduzir os custos não será preocupação”, acrescenta, em declarações à CNN Portugal. “Mas a Infraquinta e a Infralobo não são das entidades gestoras que têm perdas mais elevadas. Há municípios que andam seguramente acima dos 50% de perdas”, refere, defendendo que o consumo não é o único problema na equação da sustentabilidade.

“Temos municípios com perdas de 70 a 80% de água. São normalmente municípios com sistemas de distribuição antigos, canalizações antigas, roturas com frequência, entidades gestoras pequenas mas que gerem uma área muito grande e não têm capacidade para fazer essa gestão”, explica. “Não têm uma cobertura de custos com o serviço que lhes permita fazer investimentos na rede de distribuição para reduzir essas perdas.” 

Em Portugal, há cerca de 230 entidades gestoras que podem ser municípios, serviços municipalizados ou intermunicipalizados, empresas municipais, concessionárias ou empresas constituídas em parceria com o Estado. 

Sara Correia lembra ainda que as entidades gestoras que não tenham boa taxa de cobertura de custos têm maiores dificuldades em aceder a apoios dos fundos comunitários e situação torna-se “uma bola de neve: se não há apoios, não fazem investimento. Sem investimento, as perdas de água vão sendo cada vez maiores”.  

Sobre a chamada água não faturada, que representa as perdas, a especialista da ZERO assinala também que o volume de água contabilizado nesta categoria inclui muitas vezes “água que é oferecida a escolas ou bombeiros, por exemplo”, e não é medida nem faturada - mas não quer dizer que seja sempre desperdiçada. “Talvez as perdas reais sejam num valor consideravelmente mais baixo, mas esta água oferecida deveria também ser medida e faturada, nem que fosse a custo zero, porque assim havia registo. Também há falhas nesse apuramento da perdas”, resume. 

“A nível de eficiência, no consumo da água que foi captada, tratada e distribuída, as perdas serão talvez o maior problema que temos”, diz Sara Correia. “E não basta substituir condutas, reparar fugas. É preciso que as entidades gestoras tenham capacidade para gerirem as suas redes”, afirma. 

O preço da água, admite, “é um problema a partir do momento em que as entidades gestoras não conseguem cobrir os custos que têm para prestar o serviço”. A ERSAR emite pareceres em relação às tarifas mas estes não são vinculativos e, no limite, os preços são fixados por decisão política dos municípios. “A ERSAR não tem capacidade para os obrigar a aumentar essas tarifas, é uma entidade reguladora com uma capacidade regulatória muito diminuída”, aponta a ambientalista.

O preço será uma das últimas preocupações, por exemplo, dos residentes na Quinta do Lago ou em Vale do Lobo. “Em casa, estamos sempre a pensar como reduzir o consumo porque isso reflete-se na fatura mensal. Nos espaços turísticos não há essa preocupação”, diz Sara Correia. “E mesmo no consumo a nível doméstico, não há muito que possamos fazer além das campanhas de sensibilização. As medidas tomadas quando há situações de seca, que impedem a lavagem de carros ou rega de espaços verdes, na prática, não se traduzem numa redução que seja muito visível porque os grandes consumos estão noutros sectores”, repete. 

Sara Correia defende que Portugal tem de ser mais eficiente sobretudo no consumo de água do sector agrícola, que representa consumos na ordem dos 70% do volume total. “É para esse sector que temos de olhar com atenção e aplicar aí algumas restrições. Nem tanto restrições, mas medidas que possam aumentar a eficiência. A ZERO tem procurado alertar para esses consumos e temos sempre o sector agrícola a dizer que é muito eficiente, que tem sistemas de rega muito eficientes. Pode acontecer. Mas nem todos os agricultores têm essa capacidade”, afirma a especialista. O grande problema, na ótica da associação, reside essencialmente no tipo de culturas que se fazem, não só no Algarve mas também noutras zonas do país. “No Alentejo e no Algarve faz-se agricultura de regime intensivo, é necessário regar plantações que são permanentes, culturas permanentes, que necessitam de água em quantidade ao longo de todo o ano. Isso não é ser eficiente”, aponta. “Temos de adequar as nossas culturas ao tipo de clima e disponibilidade de cada região”, defende ainda a ambientalista, que diz que o sector doméstico “não pode ser o bode expiatório" das secas e da escassez hídrica.

As culturas de citrinos e abacate no Algarve, o olival e amendoal intensivos no Alentejo, o  constante alargamento dos perímetros de rega da barragem do Alqueva, são alguns dos problemas que a ZERO tem apontado para os consumos de água excessivos. “Quando se fala em seca, fala-se de medidas muito viradas para o sector urbano, muito direcionadas para o utilizador doméstico, quase a responsabilizar os utilizadores domésticos pelos grandes consumos”, refere. “Não estamos a olhar para o problema da forma que ele exige.”

Uma conta da água de 180 euros por mês

No resort de Vale do Lobo, um “mundo à parte” apresentado no site como “destino obrigatório para residentes e turistas que prezam a beleza natural e o clima caloroso da região do Algarve”, a fatura média da água a pagar à Infralobo ronda os 180 euros por mês. 

“Vale do Lobo ocupa uma vasta área de 450 hectares e conta com cerca de 1.500 propriedades já concluídas, dois campos de golfe de 18 buracos, Spa/ Fitness Centre, uma Academia de Ténis e uma diversidade de infraestruturas e serviços numa localização única junto ao mar”, lê-se no site do empreendimento algarvio em Almancil (Loulé). Segundo os dados da ERSAR, a Infralobo, que garante o abastecimento de água em Vale do Lobo, regista um consumo médio diário de 590 litros.

O resort de Vale do Lobo (Foto: Instagram)

Carlos Manso, presidente do Conselho de Administração da Infralobo, garante porém que os consumos da empresa (detida em 51% pela Câmara Municipal de Loulé e em 49% pela Vale do Lobo RTL S.A) representavam em 2021 apenas 1,96% de toda a água importada e vendida pela Águas do Algarve às entidades gestoras da região. Em 2015, este número fixava-se nos 2,32%, sendo que a diminuição do peso no todo regional foi fruto da eficiência hídrica dos seus processos, defende o responsável. 

Carlos Manso assinala ainda que os consumos anuais da Infralobo, que rodam os 1.406.802 m3, são inferiores à água não faturada de vários municípios da região do Algarve e diz que é “injusto” comparar as médias em bruto do consumo doméstico dos seus clientes com os consumos de famílias que moram em pequenos apartamentos lisboetas, por exemplo. “Tem a ver com as características do nosso cliente”, explica. “Estamos a falar, tipicamente, de moradias de dimensões relevantes, com dois mil metros quadrados, três mil metros quadrados de terreno, jardins.” 

A Infralobo tem cerca de 2500 clientes com consumos regulares e elevados. “Os nossos clientes serão sempre afetados pelo facto de terem propriedades grandes. Mas se pegarmos só nesse indicador e considerarmos que esse é o mal da falta de água no Algarve, é um erro. Estamos a falar de entidades, da Infralobo e da Infraquinta que, do ponto de vista da eficiência hídrica, são uma referência a nível nacional”, sublinha Carlos Manso. “Posso dizer-lhe que não conseguimos ter acesso a fundos comunitários porque somos demasiado eficientes”, atira, numa crítica velada aos critérios definidos pela ERSAR.

“Há aqui uma visão ofuscada que considera que os nossos cliente consomem demasiada água. Do ponto de vista unitário, sim, consomem, mas do ponto de vista das características das propriedades, já não será bem assim.” E volta a apontar o dedo ao regulador: “A ERSAR obriga a que o valor da rega esteja indexado ao terceiro escalão, que é um escalão doméstico. Não se pode aumentar muito, sob pena de penalizar todos aqueles que não têm um jardim grande. Só o simples facto de poder desanexar essa obrigatoriedade do escalão da rega permitiria adaptar a tarifa de forma a penalizar os grandes consumidores, principalmente que usem a água não para consumo mas para a rega dos jardins”, defende. 

Seguindo nas demonstrações de eficiência hídrica da Infralobo, que passa com excelentes notas em quase todos os parâmetros - menos no óbvio, do consumo excessivo - Carlos Manso revela que o sistema tem uma telemetria ao nível da análise dos consumos, que permite sinalizar consumos abusivos e identificar eventuais fugas de água em tempo real. “Fazemos a gestão de 22 hectares de espaços verdes. Há um dado estatístico que diz que a eficiência na rega pública ronda os três a cinco litros por metro quadrado, nós conseguimos 3,2 litros por metro quadrado por dia. Estamos no limite inferior”, sublinha. 

E os campos de golfe? “São regados por furo. Os nossos dados de consumo são de sector urbano. Não fornecemos água para rega de campos de golfe”, remata. 

Golfe não é "o bicho mau" e sofre de "preconceito generalizado"

Frederico Brion Sanches, membro da direção do Conselho Nacional da Indústria do Golfe (CNIG), garante que o sector se preocupa com cada metro cúbico de água gasta para regar os campos. “Não nos transformem no bicho mau de tudo isto”, diz em tom grave à CNN Portugal. “Tem havido um grande esforço da indústria do golfe e dos proprietários”, garante, acrescentando que, nesta altura, já há quatro campos de golfe algarvios que são regados quase exclusivamente com recurso à chamada água ApR (Água para Reutilização), ou seja, água residual tratada. 

“Há um preconceito generalizado em relação à indústria do golfe e aos campos de golfe, que se baseia precisamente na questão de contribuírem para um consumo excessivo de água, sem se avaliar a verdadeira dimensão e impacto do que está em causa”, defende ainda, sublinhando que, nos dias de hoje, se utiliza apenas a quantidade de água “estritamente necessária” para regar os relvado com precisão e há recurso a sistemas que monitorizam continuamente a humidade do solo e conseguem minimizar, nos períodos nocturnos, a evapotranspiração e o custo da energia. 

O responsável do CNIG diz mesmo que a manutenção e a preparação de um campo de golfe é equivalente a uma atividade agrícola convencional, mas que os consumos de água não podiam ser mais díspares, recordando que a indústria do golfe, segundo o Plano de Eficiência Hídrica do Algarve, é responsável por consumos na ordem dos 6%, e que a agricultura leva 50% da água mas tem perdas a rondar os 28%.

Campo de golfe no Algarve (Foto: Warren Little/Getty Images)

Seguindo na análise dos números, Frederico Brion Sanches revela que no Algarve existem 40 campos de golfe, alguns de nove buracos, mas a maioria com 18 buracos, a uma média de 60 hectares por campo, “nos quais apenas 60 a 70% da área é regada, ou seja, estamos a falar de uma área regada total que não ultrapassa os 2.000 hectares”. Segundo o membro da direção do CNIG, estes campos consomem anualmente entre 13 a 15 milhões de m3 de água para rega, dos quais uma parte ainda significativa é água da chuva ou de drenagem acumulada ou recuperada nos lagos construídos para o efeito nos campos. “A maioria do campos dispõe de lagos naturais ou artificiais que funcionam como reservatórios de captação e reserva de água”, explica também. 

Garante que existe nas linhas estratégicas do sector do golfe uma preocupação evidente com a escassez hídrica e com as alterações climáticas e assume uma vertente cada vez mais eco-friendly nas explorações turísticas, que até tem contribuído para o ressurgimento de espécies que tinham desaparecido da fauna de algumas regiões algarvias.

“As lontras tinham desaparecido da Quinta do Lago, com os campos de golfe voltaram. E também aconteceu com a galinha-sultana ou com peixes como o apara-lápis”, realça o responsável. Brion Sanches diz também que o sector está disponível para investir em soluções de rega cada vez mais eficientes e amigas do ambiente, mas lembra que ainda estão a recuperar da derrapagem do turismo durante a pandemia. “Um campo de golfe não é um negócio infinito. Atrai muita gente, movimenta muito dinheiro, mas não sobram resultados líquidos extraordinários. Exige um investimento permanente em máquinas, novas tecnologias. O custo da água é um factor muito importante”, admite. 

E a dessalinização?

O CNIG defende que a ligação às ETAR para recurso a águas reutilizadas ou a dessalinização podem ser soluções para resolver o problema dos consumos de água no Algarve, mas aguarda decisões governamentais na matéria. “Seria fundamental resolver alguns obstáculos, como o custo da água reciclada, as distâncias da ETAR ao potencial utilizador, a qualidade da água reciclada e a possibilidade de uso misto de água reciclada e proveniente de barragens ou furos, para que aumente o número de campos com acesso a esta solução”, frisa a direção do organismo da indústria do golfe.

Sara Correia, da associação ZERO, concorda que existe caminho para aumentar a reutilização da água. “Estamos com uma taxa de reutilização que não chega sequer aos 2%, deve estar em 1,2% ou 1,3% e temos grande potencial para a aumentar. Temos imensas ETAR no nosso litoral e podemos reutilizar esta água seja para campos de golfe, agricultura, lavagem de ruas, contentores, rega de espaços verdes, salvaguardando sempre a saúde pública. O ministro do Ambiente já disse que queria aumentar esta taxa para 20%, mas ao ritmo a que estamos, não será certamente nos próximos anos, se continuarmos sem fazer nada”, lamenta. 

Mas, para a ambientalista, a dessalinização - que passa por retirar sais e outros componentes da água salgada para a tornar adequada à utilização humana - será sempre uma “solução de último recurso”: antes, é preciso apostar na eficiência. “A dessalinização não é isenta de impactos para o ambiente, a água que for dessanlinizada será sempre mais cara do que a que temos e é preciso saber quem estará disponível para pagar mais caro”, declara.

A Águas do Algarve já entregou, no passado mês de julho, o estudo de impacto ambiental da futura dessalinizadora do Algarve e a Agência Portuguesa do Ambiente tem até ao final do ano para decidir se dá luz verde à unidade de produção de água, que será financiada no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, um investimento de cerca de 50 milhões de euros. 

A nova dessalinizadora deverá ser construída na zona da Rocha Baixinha, no concelho de Albufeira, que faz fronteira com o de Loulé. Mas a localização poderá ainda vir a ser alterada, em função dos resultados do estudo de impacto ambiental. 

“Também já se fala numa dessalinizadora para o sector agrícola no litoral alentejano, não se sabe exatamente onde, mas também é preciso saber se os agricultores estão disponíveis para pagar por essa água. A questão é sempre controversa. E depois temos a salmoura que sobra da produção dessa água, que tem de ter um destino final. Se a vamos libertar no oceano, tem impactos no local onde for descarregada. Por isso tivemos uma série de municípios a dizer que querem água dessalinizada mas nenhum quer lá a dessalinizadora para lidar com os resíduos”, diz Sara Correia. 

Para a especialista da ZERO, o Estado português deveria estar a investir em medidas que tornassem o país mais resiliente em situações de seca. Mas este é mais um ano em que, à medida que se aproximam as estações das chuvas e deixamos para trás o verão, a preocupação com a falta de água deixa virtualmente de existir, pelo menos colocada no espaço público. “A preocupação só surge quando começamos a ver as albufeiras com níveis baixos de armazenamento, quando os agricultores se vêm queixar de que não têm água para regar”. E o que acontece, diz, é que as restrições “acabam por cair nos mesmos, no consumo urbano, porque são mais fáceis e imediatas. Mas não têm grandes impactos”, critica.

Os dados mais recentes do Instituto Português do Mar e da Atmosfera mostram que, em agosto, apenas 3% do país não estava em situação de seca e que 27,1% do território nacional estava mesmo em seca extrema - incluindo-se aqui praticamente toda a região do Algarve e Alentejo. E se os dados da ERSAR indicam que o consumo médio de água a nível nacional tem ficado, nos últimos anos, entre os 120 e os 130 litros por habitante por dia, Sara Correia lembra que aqui falamos apenas do consumo doméstico: se dividirmos pelos habitantes de Portugal continental toda a água utilizada no sector doméstico e agrícola, a média per capita sobe para os 186 litros, detalha a especialista.

Um número que faz pensar, sobretudo quando a Organização Mundial de Saúde estima que as necessidades básicas do indivíduo, entre cozinhar, higiene pessoal e higiene da casa, sejam perfeitamente satisfeitas com 50 a 100 litros de água por dia.

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