Violência da GNR sobre imigrantes de Odemira: porque é que as vítimas não fizeram queixa?

16 dez 2021, 19:00
Militares da GNR torturam migrantes de Odemira

Dependência de um emprego, que garante a permanência em Portugal, será o motivo mais forte para que os imigrantes calem os abusos de que são alvo. Ficar sem trabalho poderia significar o regresso para um contexto ainda mais duro

A língua é uma barreira importante mas não a mais decisiva na hora dos imigrantes e refugiados apresentarem queixas, seja por violência física ou abusos de outra ordem. As estruturas que estão a trabalhar diretamente com estas comunidades e os investigadores destacam outro elemento: a fragilidade económica e o medo de, por estarem em situação irregular, serem devolvidos aos países de origem.

“Essa pessoa, sofrendo uma situação de abuso, tem muita dificuldade em ir à polícia porque teme, pelo facto de estar irregular em situação irregular, que isso possa ser motivo para ser detida e expulsa do país”, resume André Costa Jorge, coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR).

Em muitos casos, o abuso vem por parte dos próprios patrões. Como os imigrantes dependem de uma relação de trabalho para se poderem regularizar, denunciar o empregador significaria pôr em causa o emprego, o rendimento e a continuidade em Portugal.

Para Cristina Santinho, investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), a “fragilidade” económica é a principal barreira para o acesso a direitos plenos por parte destes cidadãos. “São as condições de acolhimento destas pessoas e a exploração do seu trabalho por pessoas sem escrúpulos, bem como a falta de proteção legal de forma suficiente e próxima, que fazem com que as pessoas se encontrem em situações de exploração e violência”.

A PAR, a Associação de Apoio a Imigrantes e Refugiados em Portugal (APIRP) e a Associação Solidariedade Imigrante dizem não ter registo recebido queixas de violência por parte dos imigrantes que apoiam. Mas admitem que o medo poderá estar a camuflar denúncias. “Naturalmente que sim. Quando as pessoas não estão regularizadas, sentem-se inseguras”, diz Timóteo Macedo da Solidariedade Imigrante.

André Costa Jorge reforça que, no caso de refugiados, sujeitos a cenários de intenso sofrimento nos seus países de origem, a sua história pessoal poderá calar as queixas de abusos nos territórios onde foram acolhidos. “Sujeitam-se, para poder sobreviver”, afirma.

Onde fazer queixa, se a polícia for o próprio agressor?

Perante uma situação de violência, qualquer cidadão a viver em Portugal – seja imigrante ou não – deve dirigir-se às forças de segurança – como a PSP e a GNR – para apresentar queixa. Mas, e se o agressor for uma figura da autoridade, como nas imagens reveladas pela TVI e CNN Portugal  em Odemira?

“Se for a própria polícia, ainda pior [fica para um imigrante fazer queixa]. Nesse caso, então, só com muita sorte é que essa pessoa obtém proteção. Se a própria polícia fosse o agressor, como é que essa pessoa em condições de subcidadania apresenta queixa e faz valer os seus direitos e a sua proteção?”, questiona André Costa Jorge.

Sem acesso aos canais mais imediatos, das forças de segurança, as associações de apoio a estas comunidades podem fazer toda a diferença. “A rede e as organizações que acompanham têm um sistema de acompanhamento técnico durante o período de acolhimento. Este tipo de acontecimentos naturalmente seria registado e reportado”, explica o porta-voz da PAR.

Mas há um outro caminho para as denúncias: a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), integrada no Alto Comissariado para as Migrações. É mesmo possível fazer queixa através de um formulário "online" ou através de uma linha telefónica (808 257 257)

Ainda assim, Timóteo Macedo, responsável da Solidariedade Imigrante, lembra que esta entidade é uma realidade muito distante para a comunidade que deveria apoiar. “Não há mecanismos de proximidade para que os emigrantes possam participar com confiança, tranquilos, sem medos”, insiste.

As associações pedem ao Governo que cumpra a sua obrigação de proteger todos os cidadãos, criando novos mecanismos que permitam a denúncia de situações de abuso, seja ele físico e psicológico.

Como poderiam ser evitados os abusos?

Os especialistas ouvidos pela CNN Portugal apontam um único caminho: apoio nos processos de legalização e integração. Com os direitos assegurados e um melhor domínio da língua portuguesa, imigrantes e refugiados estariam em melhores condições para pedir ajuda e denunciar. Em resumo, o medo daria lugar à confiança.

“Mas não estão [o Estado português] a tratar os migrantes como deve ser. Há casos de quem esteja dois ou três anos em Portugal, sem fazer qualquer entrevista no SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]”, revela Amadou Diallo, presidente da APIRP, que presta apoio sobretudo a imigrantes vindos da região oeste de África, de países como Cabo Verde, Nigéria ou Guiné.

No mesmo insiste Timóteo Macedo, que representa uma associação com mais de 43 mil sócios. “As violências são outras, as políticas”, diz, para relatar problemas que estes cidadãos têm em matérias como documentação, reagrupamento familiar ou mesmo atitudes discriminatórias.

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