"Agora, e de cada vez que conto uma piada, estou à espera que apareça um Will Smith": Herman José, Eduardo Madeira e Rui Sinel de Cordes reagem ao estalo dos Óscares

28 mar 2022, 18:01

“Condenável”, um “lance” que “retrata na perfeição os tempos atuais” e um exemplo que mostra como a “liberdade tem um preço”: a reação dos três dos principais humoristas portugueses à agressão de Will Smith a Chris Rock durante a entrega de prémios na 94.ª cerimónia de entrega dos Óscares

A agressão ocorreu depois de Chris Rock - não é a primeira vez que apresenta os Óscares nem que goza com Will Smith - ter dito à atriz Jada Pinkett Smith que mal pode esperar por vê-la numa produção de G. I. Jane 2, um filme que tem no centro da sua narrativa uma tenente que teve de rapar a cabeça para ser admitida na Marinha. Jada, que já tinha admitido sofrer de alopécia, uma doença autoimune que leva à perda de cabelo, revirou os olhos à piada ao mesmo tempo que o seu marido, Will Smith, caminhou até ao palco e esbofeteou o apresentador. 

O momento espantou Herman José, que em declarações à CNN Portugal começa por sublinhar que “humor é sempre feito à custa de alguém ou de alguma coisa”. “A caricatura nunca é percepcionada da mesma maneira. Para uns é agressão, para outros é abuso, para outros é diversão, para outros arte. O problema aqui é que nunca se deve reagir uma piada com agressões físicas.”

Por sua vez, o humorista Eduardo Madeira diz à CNN Portugal que não ficou surpreendido com a agressão, sublinhando que existe uma crescente reação contra o trabalho dos comediantes - que às vezes é levado muito a sério, “como uma arma”. “Há uma grande intolerância nos dias de hoje”, refere, acrescentando que achou a piada “fraquinha” e que Will Smith protagonizou “o momento mais disparatado de sempre na história dos Óscares”. Eduardo Madeira lembra ainda que Will Smith também tem um histórico como humorista.

Já Rui Sinel de Cordes, um dos primeiros que desbravaram o caminho do humor negro nos palcos portugueses, afirma à CNN Portugal que a agressão a Chris Rock não só ilustra como os tempos atuais colocam “os sentimentos como foco dominante”, como também explica “o fracasso deste modelo de entrega de prémios”. “O humor foi sendo subtraído à cerimónia ao longo dos últimos anos e este ano aconteceu isso à chapada. Quem diria que ninguém quer saber de milionários fechados numa sala a autocongratularem-se”, ironiza Sinel de Cordes.

Para perplexidade de quem assistia ao evento no Dolby Theatre, em Los Angeles, ou em frente à televisão, Will Smith retornou à sua cadeira com uma expressão de vitória e sem que nada lhe tivesse acontecido. Chris Rock, por sua vez, mostrou-se primeiro abalado antes de quebrar o gelo com uma observação que, até esse momento, parecia pouco provável. "Isto foi a melhor noite da história da televisão", disse antes de prosseguir com a apresentação do evento.

Mas perante aquilo que aconteceu, permanece a dúvida se a lógica do show must go on deve prevalecer quando falamos sobre violência física. Para Rui Sinel de Cordes, o evento apenas continuou devido “ao profissionalismo de Chris Rock”. “Penso não estar a exagerar se disser que aconteceu um crime em direto, a partir daí estava nas mãos do apresentador e da organização. Sinto neste momento bastante empatia pelo Chris, até porque admiro a reacção dele mas sei perfeitamente que não seria a minha”, confessa o humorista. Na mesma linha, Eduardo Madeira refere que o facto de não ter existido uma reação imediata mostra a diferenciação que é feita nestes momentos a pessoas com poder. “Outra pessoa tinha sido levada pela segurança para fora do recinto e o Will Smith ainda ganhou um Óscar. Ainda assim, penso que o mundo não pode parar por estes acontecimentos porque dá força a estes gestos.”

Mas há divergências entre os humoristas portugueses sobre aquilo que representa esta agressão para o futuro das artes performativas. Até porque Will Smith é fonte de inspiração para muitas pessoas por causa da sua história de resiliência, nomeadamente por ter sido vítima de violência doméstica na sua juventude. Rui Sinel de Cordes nega que possa existir aqui uma ligação. “Aqui estamos a falar de uma situação específica. Não me parece de todo que possa ser comparado com alguém na audiência de um espectáculo não estar a gostar de um tema ou de uma piada e decidir irromper pelo palco. Até porque é um risco demasiado elevado para essa pessoa. É extraordinariamente provável que o restante público não esteja com ela e que o artista seja menos paciente que o Chris Rock”, afirma o artista.

Eduardo Madeira tem uma percepção diferente e afirma que o “precedente já está aberto”. “Agora, e de cada vez que conto uma piada estou à espera que apareça um Will Smith”, afirma, vincando que “fazer piadas, por muito más que sejam, por muito ofensivas, não podem ser justificação para agressões”.

No entanto, há um assunto sobre o qual os humoristas entrevistados pela CNN Portugal estão de acordo: o humor não deve ter barreiras e não deve ser sujeito à ameaça de uma agressão física, porque, como argumenta Herman José, o que está em causa é a própria liberdade. “Só nas ditaduras é que o humor tem barreiras, limitações e controlo. A liberdade vem com um preço e terá sempre as suas vicissitudes.”

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