O primeiro português que teve covid: foi fechado numa cabine do navio onde “dois passageiros já tinham falecido”

22 fev 2022, 07:00
Adriano Maranhão no regresso a Portugal, acompanhado da sua esposa Emanuelle Maranhão

Adriano Maranhão, 43 anos, estava em alto mar a trabalhar no Diamond Princess quando há precisamente dois anos testou positivo e foi isolado numa cabine. À CNN Portugal, recorda os episódios mais difíceis que ele e a família viveram

Estava em alto mar, a bordo do cruzeiro Diamond Princess, quando se tornou no primeiro português a ser infetado com Sars-Cov-2. Precisamenre dois anos depois, Adriano Maranhão, o canalizador natural da Nazaré, de 43 anos, recorda, em declarações à CNN Portugal, o que sentiu naquele 22 de fevereiro de 2020.

Quando soube que estava infetado tive receio, pois os dois primeiros passageiros do navio que tinham sido infetados já tinham falecido e a informação que havia era que ou passávamos muito mal e morríamos ou não sabíamos o que poderia acontecer”, conta, não esquecendo o que diz ter sido o momento difícil que viveu ao ser informado que tinha covid-19.  Ficou fechado e isolado numa cabine do navio e depois esteve nove dias internado no Hospital de Okazaki, no Japão.

Estava há três meses fora, com saudades da minha família. As saudades eram grandes e receber uma notícia daquelas, de que estava infetado e sem saber o que fazer, foi mesmo stressante”, diz.

Já com algum distanciamento no discurso e nos sentimentos face a esse momento passado a bordo do cruzeiro, que foi obrigado a atracar no porto de Yokohama, no Japão, o nazareno conta que nada fazia prever de que o vírus chegaria àquela embarcação onde se encontrava. “Na altura não estávamos à espera, nem tão pouco preparados para o que vinha. Isso foi um bocado assustador”, relata.

Mas o vírus entrou na embarcação e infetou cerca de 700 passageiros e tripulantes, de um total de 3.700 pessoas. O navio chegou mesmo a ser alvo de estudo, uma vez que o surto aconteceu três semanas antes de a Organização Mundial da Saúde ter declarado a pandemia. E num momento em que não se sabia ao certo por onde circulava o vírus que causava a então nova doença chamada de covid-19 e a que velocidade o fazia.

Sem sequelas, mas com dois episódios que lhe ficaram na memória

Olhando para aquele já longínquo fevereiro de 2020, Adriano recorda os momentos de “angústia”, muito por culpa da incerteza, que tornava o cenário ainda mais sombrio, num local distante da sua terra e com um idioma que não falava. “Na altura, a situação foi complicada”, diz, considerando que se fosse hoje encararia tudo de outra maneira: “Não ficaria tão assustado com a situação. Mas na altura tive dificuldade em encarar aquilo com normalidade”. Na época, pouco ou “nada” se sabia sobre o vírus, frisa.

Apesar do susto, Adriano Maranhão não teve sintomas graves.  “Sei que há pessoas que perdem o cheiro, mas eu não perdi nada, fiquei normal”, afirma Adriano, quase num tom orgulhoso, de como quem escapou ileso a um confronto. “Após a infeção, sentia-me mais cansaço, mas algum tempo depois isso passou e não fiquei com sequelas”.

Mas alguns episódios, mesmo passados 24 meses desde aquele dia em que recebeu o resultado do teste que confirmava a infeção, ficaram marcados na sua memória. Um deles foi o que lhe causou uma enorme “angústia” perante todas as tentativas falhadas de entrar em contacto com a sua empresa - a Princess Cruises, na qual ainda trabalha - e com a embaixada de Tóquio.

O que mais me assustou no início, a nível de informação e de aconselhamento sobre o que fazer, foi não ter o apoio da embaixada em Tóquio. Foi essa parte que me deixou mais angustiado e chateado”, relata.

À data, a sua mulher, Emanuelle Maranhão, não parou até conseguir respostas e garantir que o marido recebia os cuidados médicos necessários. A mulher de Adriano aprontou-se nos contactos e chegou mesmo a falar com a Secretaria de Estado das Comunidades, tendo, mais tarde, recebido uma chamada do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o que ajudou a que o caso ganhasse outra escala mediática e que Adriano fosse encaminhado para o Hospital de Okazaki, no Japão.

Outro episódio que não esquece ocorreu depois de regressar a Portugal. Por ter sido notícia como o primeiro português a testar positivo à covid-19,  o que gerava muito medo, surgiram algumas reações menos agradáveis na escola das filhas, sobretudo com a mais velha, agora com 10 anos. As suas outras duas filhas têm sete e quatro anos. 

Houve algumas assistentes operacionais na escola que estavam com algum receio que eu viesse ainda infetado e infetasse as meninas e elas levassem o vírus [para a escola]”, lamenta.

 Ser o primeiro infetado português acabou por ter impato no dia a dia da filha que sentiu que algumas auxiliares se afastavam dela com medo. “Mas a professora foi impecável”, sublinha Adriano Maranhão.  

Já em relação a si próprio garante que não sentiu que alguém se tivesse afastado, apesar de admitir que notou algum receio, nos primeiros dias em que regressou à Nazaré. Não tardou, o vírus instalou-se, as escolas encerraram e os portugueses que não tardaram a entrar em confinamento. “Cinco dias depois de eu ter chegado, o país parou”, frisa, lembrando o mês de março de 2020.

De volta à vida que ponderou abandonar depois da infeção

Pouco depois de regressar, e ainda no rescaldo da incerteza do vírus, Adriano Maranhão ponderou deixar de trabalhar como canalizador em navios, função que à data ocupava há cinco anos na mesma empresa. Mas cedo percebeu que o seu caminho seria mesmo em alto-mar.

Ainda trabalhou por conta própria quando o setor do turismo esteve parado, mas acabou por reconsiderar e voltar ao emprego que tinha, pois, só assim, reconhece, conseguiria garantir a qualidade de vida que a família até hoje teve. E isso fez com que se mantivesse na mesma empresa e voltasse a embarcar. E já conta com três embarcações desde a chegada da pandemia.

“Não é daqueles contratos longos. Fiz três contratos de dois meses e meio cada um,”, explica, garantindo que a nível de trabalho em Portugal a situação não é sustentável. “Não consigo dar a mesma estabilidade” à família diz.

Apesar de ter sido em alto-mar que ficou infetado, hoje em dia já não teme tanto a ação do vírus dentro dos navios. Até porque a informação é outra e a proteção também. “Se for uma pessoa contratada pela empresa, vai ter de fazer quarentena de sete dias e dois a três testes nessa semana”.

A vacinação é também obrigatória na sua empresa, o que acaba por lhe dar outra segurança, embora o canalizador admita que talvez não a tivesse tomado se os patrões não o exigissem. 

“A vacinação não era uma opção para mim, mas tive de ser vacinado porque a empresa exige que estejamos vacinados para embarcarmos. Até já levei o booster [dose de reforço]”, conta, revelando que sentia alguma reticência em tomar a vacina por ter sido “tudo muito rápido para um vírus sobre o qual não havia conhecimento”.

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