Caso Milhão e Prozis: empresários cristãos alertam para "cultura de cancelamento" que se "está a instaurar" em Portugal

11 jul 2022, 22:00
João Pedro Tavares

Em entrevista à CNN Portugal, João Pedro Tavares, presidente da Associação de Cristã de Empresários e Gestores, garante que os empresários devem ser "promotores da justiça e da ética" e que a mentalidade de multidão que se vive nos dias de hoje dá "azo a reações de impulso". E confessa admirar as empresas que promovem os "valores da vida"

João Pedro Tavares, presidente da Associação de Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), considera que a polémica em que a Prozis esteve envolvida, após o seu fundador ter celebrado a limitação do direito ao aborto nos Estados Unidos, é uma manifestação da presença de uma “mentalidade de multidão” em Portugal e defende que os empresários não devem abdicar de promover aquilo que consideram ser “ético e digno”.

Nas últimas semanas, a marca de suplementos alimentares e de roupa desportiva esteve no centro das atenções, não só por o seu fundador Miguel Milhão ter escrito que a anulação da lei do caso Roe v. Wade, que garantia o direito ao aborto até aos três meses, fez com que os “os bebés que ainda não nasceram” voltem a “a ter os seus direitos de volta”, mas também por uma sequência de entrevistas que deu a assumir que se “tivesse uma filha que tivesse sido violada”, “cuidava da criança sem problema nenhum” e que “matar um embrião, matar um feto ou matar um recém-nascido ou matar a criança, é a mesma coisa”.

Ainda que não se reveja na forma como Miguel Milhão defendeu a decisão do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, o Presidente da ACEGE admite que concorda com os argumentos do fundador da Prozis e sublinha que, em Portugal, muitas pessoas deixaram de ler, de se informar e passaram apenas a seguir os influencers. “Ou seja, acabam por não formar uma opinião própria, solida, estruturada mas a de outrem”.

P - Tendo em conta a polémica gerada pela publicação feita pelo fundador da Prozis, onde aplaude o retrocesso da decisão que reconhecia o direito constitucional de uma mulher a um aborto nos EUA, considera que ele fez o correto em assumir publicamente aquilo em que acredita, ou, por outro lado, deveria ter tido uma postura mais discreta?

João Pedro Tavares (JPT) - É responsabilidade de cada um assumir o que refere. Neste caso, o fundador da Prozis fez a referência de estar contra o aborto e, no final, justificou porque o fazia. Não foi intenção, creio, ofender ou condenar ninguém mas justificar que o fazia por defesa da vida. Não me revendo na forma, cada um tem a sua, concordo com os argumentos que sustentam a sua posição de defesa da Vida. Também eu não me revejo em que se interrompa uma vida de alguém indefeso, a Criança no ventre da sua Mãe, e se resolva de forma sumária com o aborto. Haverá situações de grande exceção? Admito que sim. Acontece que, por detrás deste tema, estão muitos outros problemas da sociedade que incidem sempre sobre as mulheres em quem se descarregam muitos dos ónus da sociedade e esta é mais uma situação que as penaliza de forma absolutamente injusta. 

P - Numa altura em que várias marcas já foram alvos de movimentos de cancelamento, as empresas que assumem valores cristãos estão mais vulneráveis pelas posições que assumem, nomeadamente sobre a questão do aborto?

JPT - Antes de mais, não me revejo na cultura de cancelamento que se está a instaurar e que, em alguns casos, leva a extremos. Creio que as empresas, de forma indistinta, entrarão em perda se não forem promotoras de valores que defendam a dignidade das pessoas, a criação de valor e a sua justa distribuição ou não sejam promotoras de comportamentos éticos. Aqui sim, se abdicarem destes princípios entram em perda. Revejo-me nos valores cristãos e admiro as empresas que os queiram viver e pronunciar. Não são valores de condenação mas de promoção, desde logo, da vida.

P - Considera então que as redes sociais mudaram a questão da consciência individual, levando àquilo a que o fundador da Prozis descreve como uma “mentalidade de multidão”?

JPT - Mudaram. Sobretudo a forma de comunicação, dão azo a reações de impulso, muitas vezes imediatas e onde nem tudo deveria ser público. Por outro lado, muitas pessoas deixaram de ler, de se informar e seguem outras pessoas, os influencers. Ou seja, acabam por não formar uma opinião própria, sólida, estruturada mas a de outrém. E sim, como refere, predomina uma “mentalidade de multidão”, entrando em perda a reflexão pessoal mais profunda que exige tempo, espaço, confronto de ideias e debate.

P - Como presidente da ACEGE, que recomendações dá aos empresários cristãos? 

JPT - Que sejam, eles mesmos, sinais de esperança para aqueles com quem lidam e promotores de paz de que o mundo tanto precisa. Que procurem preservar os colaboradores e o trabalho, que criem e distribuam valor de forma justa, olhando o curto mas, sobretudo, o médio e longo prazo. Que sejam também promotores da justiça e da ética. Os tempos podem ser turbulentos mas estes valores e princípios não mudam. A exigência é, por isso, maior ainda.

P - Os empresários devem contratar trabalhadores com base naquilo em que acreditam, tanto a nível político, como religioso?

JPT - Fiz milhares de entrevistas de recrutamento na minha vida profissional e nunca me ocorreu dirigir perguntas deste cariz. Contratei os que me pareceram mais capazes e apropriados para a empresa. Considero absolutamente desapropriado qualquer tipo de discriminação que refere. Aliás, como se poderia promover a diversidade, a inclusão se este enviesamento existisse?

P - Contrataria um trabalhador ateu?

JPT - Absolutamente! Contratei centenas de pessoas como resultado de processos de entrevista pessoal e a grande maioria deve ser ateu, agnóstico ou, até, professar outra religião. Tenho muitos amigos ateus e esse também não é critério para a amizade.

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