Há mais homens adultos vítimas de abuso sexual: "'Não sabia que podia dizer que não' é uma frase que ouvimos muitas vezes"

18 jan, 07:01
Vítima de abuso sexual (AP Photo/Marcelo Ruiz)

Durante o primeiro semestre de 2023, a associação Quebrar o Silêncio recebeu em média 15 novos pedidos de ajuda por mês. Entre os homens que foram vítimas já na idade adulta, há muitos casos em contexto de saúde também no desporto

Em média, 15 homens sobreviventes de violência ou abuso sexual procuraram ajuda na associação Quebrar o Silêncio em cada mês do primeiro semestre de 2023. Ao longo de todo o ano, a associação recebeu 124 pedidos de ajuda de homens ou rapazes sobreviventes. Um aumento destacado pela associação que, em sete anos de vida que agora completa, já ajudou 718 sobreviventes.

“É um número que é importante destacar, porque se trata de uma forma de violência que ainda está muito estigmatizada, muito silenciada. É importante nós reforçarmos que os homens não estão sozinhos”, reforça Ângelo Fernandes, presidente da Quebrar o Silêncio.

A associação destaca também o aumento de pedidos de ajuda de homens que foram vítimas já na idade adulta, “muitos nos últimos 12 meses”. “Muitas vezes, quando se fala de violência sexual contra homens, fala-se só quando acontece na infância e é importante também dizer que há homens adultos que são vítimas de abusos sexuais, mas muitas vezes nem sequer identificam o abuso como tal e também não denunciam porque têm receio de falar sobre estas questões, porque existe aquela ideia que o homem não pode ser vítima de violência sexual, de que o homem a sério tem de resolver os seus problemas… Queremos desmistificar estas ideias para que outros homens também possam procurar apoio”, acrescenta o responsável.

Ângelo Fernandes destaca que “a maioria destes casos ocorreram no contexto de intimidade”, mas que há também registo de casos em contexto de saúde, “por exemplo, em consultas ou exames médicos nos quais os profissionais usaram o seu estatuto e a sua posição de poder para abusar dos utentes”, ou no contexto da prática de desporto. “Precisamos de desocultar, cada vez mais, estes casos para que se ganhe a consciência de que a violência sexual contra homens não ocorre só na infância, mas que pode acontecer em qualquer fase da vida”, sublinhou.

“‘Não sabia que podia dizer que não’ é uma frase que ouvimos muitas vezes. Ou então que um homem que é homem não pode dizer que não, tem de estar sempre disponível para ter relações sexuais”, revela.

O responsável diz que os principais mitos em torno do abuso sexual se mantêm tão atuais como há sete anos, quando resolveu fundar a Quebrar o Silêncio. E a estratégia do abusador também não muda: “seja a vítima uma criança, seja a vítima já um homem adulto, a estratégia do abusador é sempre insidiosa, de envolver a vítima, de a isolar, de enganar e iludir a vítima. Vai passando a mensagem de que não há problema nenhum, de que a vítima está em segurança, de que é natural aquilo acontecer… para poder ir escalando”.

Durante o ano passado, os sobreviventes de violência sexual viram-se obrigados a conviver com notícias sobre o assunto diariamente nos meios de comunicação social, muito por causa dos casos de abusos relacionados com a Igreja Católica. E a divulgação nem sempre foi benéfica para outras vítimas, que se viram privadas de “um momento de descanso e de pausa” e se viam permanentemente confrontadas com uma realidade que lhe avivava memórias.

Numa altura em que assinala sete anos de fundação, a Quebrar o Silêncio apela a que as vítimas procurem ajuda e desmistifiquem o assunto. Ângelo Fernandes sublinha, por exemplo, que “violência sexual não acontece só quando há violação ou um ato penetrativo” e justifica que esta ideia feita faz com que “muitas crianças que passaram por situações em que não houve atos penetrativos  vão integrando o que lhes aconteceu como outra história e outra vivência que não passa pelo abuso sexual”.

Nota da Redação:

Se é ou foi vítima de abuso sexual ou conhece alguém numa situação semelhante à de Tiago e de outras vítimas, procure ajuda nas seguintes instituições: 

910 846 589 

apoio@quebrarosilencio.pt

213 802 165 

ca@amcv.org.pt

914 736 078 

eir.centro@gmail.com

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça

Patrocinados