Democracia "sob ameaça", olha o "bafio fascista", "esses autoritários defecaram na Praça dos Três Poderes": 25 de Abril, sessão solene - os partidos

25 abr 2023, 15:28

O que disseram e fizera, as forças partidárias com representação parlamentar em Portugal durante a sessão solene do 25 de Abril

Mesmo 49 anos após o 25 de Abril, há quem ainda cheire o "bafio fascista" na Assembleia da República. É o caso da coordenadora do Bloco de Esquerda, que teme que as celebrações da liberdade se possam tornar, com o passar do tempo, em "cerimónias fúnebres". Catarina Martins acusou o Governo de não cuidar da "semente de Abril", vendo por parte do executivo uma "vitimização" com a pandemia e a guerra, servindo-se disso para não avançar com as mudanças necessárias na sociedade.

E essa semente permite que continue, num qualquer armário, a existir o tal "bafio fascista". Mesmo perante isso, a bloquista promete juntar tudo e todos para combater quem coloque em causa a democracia: "Estaremos juntos sem hesitação para o combater, recusamos determinadamente a subalternização de todos os debates substanciais da política às arruaças da extrema-direita. Queremos uma democracia que faça germinar a semente de Abril. Recusamos afogá-la em formol”, vincou, elogiando todos aqueles que cuidam da tal semente, dizendo que é dela que saem os professores, quem exige habitação, saúde e uma vida digna.

Declarações ao tom de "Tanto Mar", do agora oficialmente Prémio Camões Chico Buarque, que em tempos alertou para "palavras repetidas, cravos esquecidos no peito, frases feitas, declarações antifascistas em tom inflamado e sem nenhuma tradução concreta”.

Foi um discurso com a extrema-direita como alvo. Não pelo tom, mas pela direção das palavras, que embatiam na bancada do Chega de cada vez que saíam dos deputados. O mesmo terá pensado o secretário-geral adjunto do PS, jovem escolhido para representar o partido neste 25 de Abril, mesmo que tenha nascido já bem depois dele.

João Torres fez o apelo à estabilidade e ao respeito pelos mandatos que o povo confere, mas centrou a sua preocupação com a "influência" que o populismo exerce na direita democrática.

“Melhorar a democracia é garantir que a democracia política e a democracia social caminham lado a lado porque os populismos são fruto da exclusão. Melhorar a democracia é rejeitar a vida como um campo de minas, onde quem passar passou, como nos sugerem e propõem as visões neo e ultraliberais da sociedade, ancoradas no individualismo e na negação da igualdade de oportunidades”, sublinhou, falando em "ataques à democracia" que "chegam desde logo através daqueles que se sentam à extrema-direita neste hemiciclo", afirmou João Torres.

“São os que se servem das velhas fórmulas, como o populismo e a demagogia – aliados eternos da ignorância, da iliteracia política – para sabotar a crença na democracia, o respeito pelo pluralismo, o contrato entre representantes e representados. São os que tentam criar brechas na muralha do progresso com vista aos mais ignóbeis retrocessos, com políticas racistas, xenófobas, homofóbicas, misóginas, desumanas”, acrescentou, para depois se virar para o PSD.

O número dois do PS afirmou que "tão ladrão é o que rouba como o que consente", voltando a desafiar o presidente social-democrata, Luís Montenegro, a recusar claramente uma coligação com o Chega para a formação de um governo. "Cada vez mais nos deve preocupar a influência que o populismo exerce na direita democrática, uma direita que sempre respeitamos mas para quem parece não haver limites nem tabus quando o que conta é a vã cobiça do poder pelo poder, custe o que custar”, assinalou João Torres.

Democracia "sob ameaça" - e a Praça dos Três Poderes

O PCP avisa que a "democracia está sob a ameaça" do fascismo, mas também da falta da concretização de direitos. O deputado Manuel Loff afirmou que o Governo não pode celebrar o 25 de Abril enquanto deixa “degradar as condições de vida”.

“Praticamente meio século depois do 25 de Abril e das melhores esperanças que nele depositaram milhões de portugueses, milhões de democratas por todo o mundo que sentiram a nossa Revolução como sua, a democracia está sob ameaça”, alertou o comunista, que pede o cumprimento das "naturais justíssimas, expectativas de quem espera que a democracia seja sempre acompanhada de bem-estar e justiça social”, do direito à saúde, educação, habitação ou trabalho com direitos e garantias.

“Sempre que algum ou todos estes direitos não se concretizam nas nossas vidas, alimenta-se a descrença na democracia e esta estará sempre ameaça”, sustentou, acrescentando que "é ilusório" julgar que "o assalto que a extrema-direita fascista está a fazer ao poder deixa incólume a democracia".

“Importa, pois, que quando se celebra a democracia e a liberdade não se desvalorize o significado desta ameaça, trivialize a mentira, a manipulação, o racismo, o branqueamento dos crimes e da violência fascista e colonial do passado, o oportunismo descarado ao fingir defender-se hoje o que no passado sempre se rejeitou”, frisou.

Esse perigo também preocupa o deputado único do Livre, que dirigiu o seu discurso àquilo que entende ser o “maior momento de risco” à existência da democracia após o 25 de Abril. A propósito dos protestos do Chega contra Lula da Silva, Rui Tavares sugeriu que os deputados daquele partido “enxovalharam” Portugal ao enxovalhar o presidente do Brasil. Estes “novos autoritários dizem-se os mais conservadores entre os conservadores mas acabam a invadir o Capitólio e a defecar na Praça dos Três Poderes”. “Afirmam-se patriotas mas não desdenham enxovalhar o seu país, tentando enxovalhar o país dos outros”, sublinhou.

“O principal risco para a democracia não está nos autoritários, que serão sempre uma minoria, mas naqueles que lhes quiserem dar a mão. O que é preciso é que todos aqui dentro saibamos que uns e outros - autoritários e os que lhes derem a mão - ficarão manchados na história do nosso país e perderão o respeito do povo”, acrescentou Rui Tavares, para renovar uma mensagem para que o PSD rejeite qualquer entendimento para formar uma coligação com o Chega.

Aproveitando a manifestação organizada contra Lula da Silva, Rui Tavares garantiu que “há muitos mais milhares de defensores da democracia e do 25 de Abril do que há seus inimigos”. “Haverá sempre mais portugueses a defender a liberdade do que o autoritarismo”, reiterou.

"O que é feito de Portugal?"

Centrando-se mais no Governo, o líder da bancada parlamentar do PSD disse que vê uma “forte degradação da vida política e da qualidade das instituições”, gerando um aumento dos populismos, "quer de extrema-direita, quer de extrema-esquerda".

Joaquim Miranda Sarmento afirmou que "há 25 anos que não há um desígnio nacional” e apontou, sem desenvolver, o tema da TAP como um exemplo de “descrédito das instituições”. “A quebra da qualidade dos políticos, a descredibilização da política, a perda da autoridade e do prestígio das instituições e do Estado, bem como os fenómenos da corrupção, do compadrio e do nepotismo minam a confiança dos cidadãos na democracia”, considerou, acrescentando a estes problemas “o descrédito da Justiça, com a morosidade e a impunidade em casos de corrupção que atingem poderosos”, reiterou.

O líder parlamentar do PSD saudou muitas mudanças no país nos últimos 49 anos, mas considerou que os portugueses perguntam-se hoje “o que é feito desse país”. “O que é feito do país que em 74/75 colocou a sua esperança e ambição na criação de uma democracia como os países da Europa Ocidental? O que é feito do país que a partir de 76 colocou a sua esperança e ambição na entrada na Europa, então CEE? O que é feito do país que nos anos 90 colocou a sua esperança e ambição em convergir para os mais ricos da Europa e em estar no pelotão da frente da moeda única?”, questionou, concluindo pela ausência do tal desígnio nacional.

Joaquim Miranda Sarmento recordou o fundador do PSD Francisco Sá Carneiro para defender que “estes 25 anos de empobrecimento não são uma fatalidade” mas antes "uma consequência das políticas erradas de um Partido Socialista que governou 21 dos últimos 28 anos, e com o PSD a governar sempre em emergência financeira”, apontou.

A ouvi-lo estava o presidente do PSD, que assistiu pela primeira vez à sessão solene do 25 de Abril como tal. Ao contrário do que aconteceu na cerimónia anterior, com Lula da Silva, Luís Montenegro já tinha um cravo vermelho mão.

Chega invoca José Sócrates

O presidente do Chega afirmou que “de nada vale celebrar Abril” se a justiça não funcionar, referindo o caso do antigo primeiro-ministro José Sócrates, que continua à espera de julgamento no caso da Operação Marquês.

“De nada vale celebrar Abril se não concretizarmos aquilo que os portugueses mais esperam de nós - que a justiça verdadeiramente chegue a este país. E ela tarda tanto, tanto, tanto que muitos já perderam a fé e a esperança”, disse.

André Ventura considerou necessário devolver a justiça a Portugal, sustentando que os portugueses “sabem que já não vale de nada celebrar se a conta não chegar para o supermercado, se quando vão a tribunal perdem o ordenado para pagar custas judiciais, se quando chegam ao fim do mês têm a Autoridade Tributária a pedir impostos mas veem que outros que nada pagam têm todas as benesses e benefícios do Estado”.

Antes, o líder do Chega referiu-se ao antigo primeiro-ministro José Sócrates como “suspeito de roubar os portugueses em milhões de euros milhões”, antecipando que “não irá provavelmente a julgamento”.

O dirigente do Chega disse que “quem roubou milhões anda de cravo ao peito mas fica com os milhões na carteira”. Ventura deixou também um “enorme aplauso, orgulho sentido e admiração aos valorosos juízes, procuradores, inspetores da Polícia Judiciária que, mesmo com todo o condicionamento, mesmo com todas as mordaças que o Governo quer pôr na justiça, não tiveram medo e no momento mais difícil levantaram-se para dizer que o lugar do ladrão é na prisão”.

Na sua intervenção, o presidente do Chega defendeu também que este é um “dos momentos mais negros dos portugueses” que “não conseguem pôr comida na mesa”.

Iniciativa Liberal reclama participação nas celebrações

Com iniciativas independentes nos anos anteriores, a Iniciativa Liberal vai juntar-se à marcha que, todos os anos, desce a Avenida da Liberdade, em Lisboa, no 25 de Abril. O presidente do partido afirmou que "em democracia há sempre alternativa e o vento de mudança já começou a soprar em Portugal", defendendo depois que "o 25 de Abril não tem donos".

“Se hoje Portugal se apresenta mais anoitecido do que queríamos, mais triste do que merecíamos, mais estreito do que sonhávamos, é porque alguém não fez o suficiente”, criticou Rui Rocha.

Dizendo “não a todos as tentativas de cercear a liberdade”, Rui Rocha diz “sim ao país”, considerando que “os diagnósticos estão feitos sobre o longo ciclo de decadência socialista que condena os portugueses a empobrecer ou a emigrar”.

“Em democracia há sempre alternativa e o vento da mudança já começou a soprar em Portugal”, defendeu.

Para o líder da Iniciativa Liberal, “onde realmente se constrói alternativa é na afirmação de soluções que opõem a confiança ao medo, a esperança ao conformismo, a exigência ao facilitismo, a excelência à mediocridade, a urgência da acção à negligência, o crescimento económico à estagnação, a sede de futuro ao atavismo, as oportunidades ao nepotismo e ao determinismo social”.

Recordando que a liberdade foi conquistada “a pulso”, Rui Rocha reiterou que “o 25 de Abril não tem donos” e, caso tivesse, não se “cumpriria a vontade de devolver o país a todos os portugueses”, motivo pelo qual os liberais vão desfilar na Avenida da Liberdade.

E esse "desejo de liberdade" também serve "para os povos que vivem na opressão”, dando como exemplo a China, o Irão, o Afeganistão, Cuba ou a Venezuela.

“Liberdade para a Ucrânia, que sofre há 15 meses as atrocidades de uma guerra imposta pelo ímpeto imperialista de Moscovo. É por isso que o Presidente Lula da Silva não devia ter sido recebido para estar na Assembleia da República neste dia”, criticou.

A intervenção de Rui Rocha terminou com um repto: “25 de Abril sempre, liberdade sempre e alternativa sempre”.

"Subalimentados do sonho"

A deputada única do PAN fez um discurso baseado nos “subalimentados do sonho” e das “liberdades que Abril almejou”. Centrando as palavras num poema de Natália Correia, Inês Sousa Real destacou os problemas sociais que o país atravessa: violência doméstica, desigualdade de género, pobreza, habitação ou saúde.

“A pandemia e a guerra empurraram ainda mais pessoas para a vulnerabilidade e para um custo de vida incomportável e em que as famílias continuam a não conseguir quebrar o ciclo da pobreza, a passar frio nas suas próprias casas”, disse.

Inês Sousa Real lamentou que se tenham falhados vários dos objetivos anunciados em 1974, pedindo aos seus colegas da Assembleia da República que sejam “impacientes na revolução e nas liberdades que estão por cumprir”.

“Se há razão por que celebramos esta madrugada aqui e por esse mundo fora é esta ânsia, esta fome impaciente pelo sonho e pela força da mudança tornados realidade, tornados Abril”, reiterou, pedindo que a “obsessão” com o défice passe a ser um investimento na saúde e nos outros serviços públicos.

“Num país que com facilidade dá salários e indemnizações milionárias para os cargos de topo mas em que os recém-licenciados têm de passar todas as provas e provações para conseguir um mísero salário de mil euros, quase sempre sem vínculo efetivo ou sem poderem sonhar ter casa própria, continuamos a estar subalimentados do sonho”, concluiu.

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