Está aí um "novo Passos Coelho": foi ele que se adaptou à extrema-direita ou o sistema político que se encostou à esquerda?

16 abr, 18:00
Pedro Passos Coelho na apresentação do livro "Identidade e Família" (Manuel de Almeida/Lusa)

Houve quem interpretasse as aparições públicas de Passos Coelho como sinais de uma candidatura presidencial. Quem está habituado às lides das campanhas e da comunicação política diz que ainda é cedo para saber. Mas uma coisa é certa: Passos quer fazer passar uma mensagem. A ambição pode passar por "federar" a direita sem receios de falar com o Chega, tirar partido da nova realidade política

Foram largos anos de silêncio. E depois, em poucos meses, aparições que deixaram Portugal a falar dele. Pedro Passos Coelho a falar de imigração, a apresentar um livro que insiste no valor da família tradicional, a dar uma entrevista onde arrasa Paulo Portas.

“Foram aparições brutais, no sentido em que as declarações são, diria, agressivas, marcantes, com alvos fortes. E, para muitos, uma verdadeira desilusão, porque viram nestas declarações um Passos Coelho que atraiçoa os seus”, analisa Rita Serrabulho, consultora na área da comunicação política.

Mas foi Passos Coelho quem mudou? “Vejo mais como uma espécie de reposicionamento. Este Passos Coelho ultraconservador, defensor dos costumes, é uma novidade. Corresponde a um novo momento da sociedade, em que a extrema-direita está a crescer no mundo inteiro”, considera Edson Athayde, especialista em comunicação política, responsável por várias campanhas em Portugal.

Já a politóloga Paula do Espírito Santo lembra que “Pedro Passos Coelho, no PSD, sempre foi algo mais conservador” e que “a sua prática política demonstrou o seu lado institucionalista e radical nas soluções políticas”. “Está num novo contexto político-ideológico. Não vejo que esteja a desvirtuar-se daquilo que era. Está antes a encontrar-se, em termos públicos”, junta.

“É um Passos Coelho talvez mais à direita, mas talvez não me surpreenda assim tanto. Se calhar, foi o próprio sistema que andou mais para a esquerda [com a governação socialista] e ele ficou no mesmo sítio”, aponta Manuel Soares Oliveira, consultor de comunicação política, com larga experiência também em matéria de campanhas.

(AP)

Encostar à direita, dificultar ao centro

Apesar das diferentes visões sobre o (novo) posicionamento de Passos Coelho, os especialistas ouvidos pela CNN Portugal concordam numa coisa: estas aparições são sinal de que está a preparar algo. Uma candidatura presidencial? Só o próprio poderá responder, dizem. Há quem, antes do caminho para o Palácio de Belém, ainda o veja com ambições em São Bento.

“Se for candidato, claramente, marcou o espaço dele: do Chega até metade do PSD. E acaba por afastar o centro”, resume Manuel Soares Oliveira. O consultor lembra que, num cargo como o de Presidente da República, que exige maioria absoluta para uma vitória à primeira volta, o centro é determinante. “Com estes últimos movimentos, tenho alguma dúvida que tenha contribuído”.

Uma visão que acaba por reforçar aquela que José Pacheco Pereira assumiu no passado domingo, no programa “O Princípio da Incerteza”, quando disse que a ideia de que Passos Coelho é “o D. Sebastião da ala mais radical da direita” só “tem uma vantagem política”: “perde e perde muito significativamente”.

Mas há também que olhe para esta nova postura de Passos Coelho como uma forma de tirar partido da forma como a direita se está a reorganizar tendo em conta o crescimento do Chega, enquanto tece críticas às resistências de Montenegro de alinhar nessa via, privilegiando o centro.

“Há quer da parte de Cavaco Silva como de Passos Coelho um protagonismo crescente, assumindo posições públicas, que têm como primeira consequência o condicionamento da ação do primeiro-ministro”, aponta José Romano, que integrou várias direções de campanha para eleições presidenciais.

“Entendo este posicionamento mais público como a procura de uma federação da direita. Caso contrário, não veríamos os ataques ao próprio partido e ao atual primeiro-ministro, à forma como o Governo está a governar, e a aproximação ao desempenho do Chega”, junta Rita Serrabulho.

“Acaba por demarcá-lo para lá do próprio partido. Se tivesse ambição presidencial, esse posicionamento coloca-o além do partido de origem”, remata Vítor Cunha.

(Lusa)

Escrever a própria história

A quebra do silêncio foi encarada por muitos como um sinal da corrida da possível corrida a Belém em 2026. “É uma das estratégias possíveis. Foi o que fez Cavaco Silva após ter perdido umas eleições presidenciais. É uma estratégia de não cansar a imagem, de esperar que os tempos mudem”, analisa Edson Athayde.

Mas o reaparecimento na esfera pública, remata a politóloga Paula do Espírito Santo, não deixa de ser intencional. “Na política, nada deixa de ser intencional, até porque sabe como funciona o sistema mediático na hora de passar mensagens importantes”, explica.

Tal como Paula do Espírito Santo, Manuel Soares Oliveira encara a entrevista ao Observador – onde vincou a falta de confiança das instituições internacionais em Paulo Portas – como um momento de “reposição” da verdade e da história.

O que não deixa de ser, diz Edson Athayde, “um tiro no porta-aviões de um dos possíveis candidatos”, já que Portas também tem sido apontado a Belém, sendo da mesma família política de Passos Coelho e putativo candidato da Aliança Democrática (AD). A política, diz, é como o xadrez: mexer numa peça tem impacto nas outras todas.

Em dois anos muda muita coisa

As presidenciais são apenas em 2026. Faltam praticamente dois anos até lá. Mas seria a altura ideal para alguém como Passos Coelho se posicionar na corrida? Os especialistas ouvidos dizem que em Portugal não existe nenhuma tradição a esse nível, ao contrário de outros países onde esse trabalho começa logo no dia seguinte à eleição. Tudo depende do próprio candidato. Mas o tempo faz a diferença – e muito.

“Dois anos não é exagerado quando se pensa que, à direita, há vários potenciais candidatos para se lançar. Se Passos Coelho for candidato, este género de declarações vem clarear o jogo e impedir outros de avançarem muito”, diz Manuel Soares Oliveira. A antecipação também é um revés: dá tempo à esquerda para se organizar, para se “agregar”.

Vítor Cunha, consultor de comunicação política, também considera que dois anos não seria “excessivo” para “alguém que, quando chegarmos a 2026, já vai estar praticamente há 10 anos fora da política ativa”. “Há uma parte da população que nunca se esquecerá dele, e uma parte que não sabe quem ele é”, lembra. Há que superar traumas do passado – como a troika – e convencer aqueles que não têm consciência desses tempos.

Ainda assim, José Romano, habituado às lides das direções de campanha, avisa que “o mundo vive uma circunstância de enorme instabilidade”, estando o país, “por consequência, refém dessa instabilidade. Dois anos são muito tempo, sobretudo quando pode mudar de um dia para o outro.

Haverá eleições nos Estados Unidos da América, há guerras em curso, conflitos que podem escalar, necessidades que podem obrigar o governo a alterar a sua estratégia. “Os dados que levariam hoje uma parte dos eleitores a tomar uma posição vão mudar muito”.

Em resumo: “é como especular quem ganhará o campeonato de futebol em 2026”.

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