Este piloto fugiu do Afeganistão quando era criança. Agora oferece esperança aos refugiados afegãos a caminho dos EUA

CNN , John Blake
4 dez 2021, 16:00
Zak Khogyani num dos aviões que levou refugiados afegãos para os Estados Unidos, este ano

Zak Khogyani já viu paisagens e maravilhas que nos deixariam impressionados. Caminhou pelo Antelope Canyon no norte do Arizona, rodeado de formações de arenito criadas por inundações repentinas.

Já esteve nas agrestes falésias de Moher, na Irlanda, que se elevam a mais de 200 metros sobre o Oceano Atlântico, num cenário esmeralda impressionante que já apareceu em videoclipes, uma canção folclórica e filmes como "A Princesa Prometida".

Já viu a luz do sol dançar nas cúpulas azul-cobalto das casas pintadas de branco e esculpidas no topo de uma colina acima do Mar Egeu, na ilha grega de Santorini.

Khogyani é piloto da United Airlines e também um fotógrafo que passou grande parte da vida a tirar fotos que parecem verdadeiros postais do Paraíso. 

Mas a imagem que, recentemente, o levou às lágrimas não é algo que tenha visto na Natureza. Foi algo que descobriu sem querer enquanto trabalhava como voluntário, no verão passado, durante um voo de nove horas para os EUA, num avião lotado de refugiados afegãos.

Khogyani olhava para os rostos ansiosos e tensos das crianças afegãs sentadas com os pais quando percebeu que estava a olhar para uma versão mais jovem de si mesmo.

"Eu tinha nove anos quando passei por circunstâncias semelhantes", disse Khogyani, agora com 53 anos. "Veio-me tudo à memória. Foi mais difícil do que eu pensava."

Ele fugiu do Afeganistão com a família quando era pequeno

Para os mais felizardos, as férias são momentos para passar com os amigos e a família. Este ano, Khogyani pensa em algumas famílias afegãs que conheceu recentemente, e uma que deixou para trás.

Khogyani conheceu estas famílias quando estava a trabalhar. Há 27 anos que é piloto da United Airlines. Quando os talibã assumiram o controlo do Afeganistão, em agosto, o Pentágono chamou a Frota Aérea da Reserva Civil para providenciar aviões comerciais para a retirada de emergência de norte-americanos e aliados afegãos.

Khogyani escreveu ao CEO da United Airlines e ofereceu-se para ajudar. Para ele, era um assunto pessoal.

Ele cresceu no Afeganistão, mas fugiu do país com a família em 1977, quando tinha nove anos.

Zak Khogyani brinca com uma câmara quando era um miúdo, no Afeganistão. Foi para os EUA com os pais quando tinha 9 anos.

O avô dele era juiz e senador, e o pai governava três províncias. Uma mudança no ambiente político do país levou a um aumento das ameaças de morte contra a sua família.

Khogyani ainda se lembra da tensa viagem de carro até o aeroporto de Cabul.

Ele levava uma mala pequena. Não levaram lembranças de família, fotos ou roupas. Foi repentinamente arrancado de uma vida para um futuro incerto.

“O ambiente estava muito pesado”, diz Khogyani. "Ninguém falava muito. A minha mãe não me disse que íamos deixar o país."

Khogyani surpreendeu os refugiados afegãos ao cumprimentá-los na língua deles

Eram essas memórias que estavam na mente de Khogyani quando foi autorizado, em agosto, a fazer parte da retirada aérea.

Voou para uma base aérea na Alemanha para receber os refugiados que tinham voado de Cabul para lá. Nos nove dias que se seguiram, acompanhou mil passageiros afegãos em três voos da Europa para os Estados Unidos, servindo como intérprete para os refugiados e como um símbolo de um futuro mais promissor.

No início, ele surpreendeu os afegãos. Estava na porta de embarque e cumprimentava-os em pashto, a língua deles.

"Bem-vindos", dizia-lhes. "Espero que estejam bem."

Muitos afegãos olharam-no com surpresa. Depois confusão e, finalmente, alívio. Começaram a bombardeá-lo com perguntas.

“Para onde vou agora? A quem posso pedir ajuda? Como posso arranjar emprego?”

Uma tripulação prepara-se para embarcar os refugiados num C-17 Globemaster III, no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, a 21 de agosto de 2021, em Cabul, no Afeganistão.

Ele tentava ajudar, mas sabia que não tinha respostas para algumas perguntas. Uma dessas perguntas era como lidar com a solidão de deixar para trás a família.

“Nunca mais vi os meus avós”, diz ele. "Nunca mais vi a maior parte da minha família e sei que enfrentam o mesmo futuro."

Os funcionários da United Airlines doaram fraldas, toalhetes, chupetas e cobertores às famílias afegãs. Os compartimentos superiores estavam cheios com esses artigos, além de chocolates e brinquedos. Alguém colou desenhos infantis no interior da cabina para que as crianças se sentissem mais à vontade.

Foi nessa altura que as recordações começaram a voltar, para Khogyani. O que sentiu surpreendeu-o. De repente, ele não era um destemido viajante do mundo, mas aquele menino ansioso de nove anos que estava a deixar o Afeganistão.

“Havia muitas crianças no avião, e cada uma delas, de uma maneira ou de outra, fez-me lembrar da nossa própria fuga”, diz ele.

Khogyani prosperou nos EUA e quer ajudar outros imigrantes a fazer o mesmo

Um dos lemas dos EUA é E Pluribus Unum, que significa "um entre muitos" em latim. O lema, adotado em 1776, reflete a ideia de que os Estados Unidos se tornam mais fortes quando abrangem pessoas de todos os tipos de origens e crenças.

Khogyani tentou honrar esse lema.

Ele mora em Phoenix, no Arizona, com a mulher e dois rapazes gémeos de 14 anos. Ele ensinou aos filhos coisas sobre o legado e os valores afegãos como a dignidade, a humildade e a hospitalidade. Diz aos filhos e a quem quiser ouvir, a mesma coisa sobre o seu povo:

“Nunca conhecerão um afegão que esteja disposto a desistir”, diz ele.

Zak Khogyani é piloto da United Airlines há 27 anos.

Khogyani também se orgulha do seu lar adotivo. Diz que doará metade dos lucros que ganhar com a venda das suas fotos, este ano, a beneficências que trabalham com refugiados.

“Os Estados Unidos são a terra das oportunidades”, diz ele. "Se estivermos dispostos a trabalhar muito, ninguém nos vai impedir de termos o que desejamos.”

Pode parecer uma frase-feita, mas a história apoia-o. Os imigrantes transformaram os Estados Unidos numa das nações mais poderosas do mundo. Trabalham muito em empregos que outros se recusam a fazer e não tomam como garantidas muitas das nossas liberdades.

É quase duas vezes mais provável que um imigrante abra um negócio do que um norte-americano. As empresas como a Apple, a Google e a Amazon foram fundadas por imigrantes ou filhos destes.

Muitas crianças afegãs estão agora a fazer a mesma viagem que Khogyani fez há mais de 40 anos.

Ainda há cerca de 50 mil refugiados em oito bases militares por todo o país, mas muitos dos mais jovens estão a ser matriculados nas escolas públicas de lugares como o Texas, a Virgínia e a Califórnia. As famílias estão a fazer o mesmo caminho que ondas de imigrantes fizeram antes delas.  

Eles, tal como Khogyani, tornar-se-ão norte-americanos.

A prenda dele para todos: esperança

Bob Miller, um piloto e amigo da United Airlines, diz que Khogyani é o "melhor exemplo do sonho americano".

Miller está otimista quanto ao futuro dos refugiados afegãos nos Estados Unidos, em parte por causa do percurso de Khogyani.

Refugiados afegãos numa base aérea em Madrid, Espanha, embarcam num avião dos EUA com destino à Alemanha, após serem retirados de Cabul a 24 de agosto de 2021.

“É realmente um começo para aqueles refugiados afegãos”, diz Miller. "Chegam à América apenas com as roupas do corpo, mas isso não é o fim."

Khogyani disse que havia algo que surgia sempre durante as conversas que tinha com os afegãos nos voos para os EUA.

Quando os refugiados olhavam para Khogyani, resplandecente na farda de comandante da United Airlines, muitos diziam apenas uma palavra.

Esperança.

"Muitos diziam-me que estavam orgulhosos de mim", diz ele, "e que lhes dava esperança de que o futuro seria brilhante."

Era algo que apenas Khogyani poderia dar porque tinha passado pelo mesmo que eles e conseguira construir uma vida nova e próspera.

Ele nunca desistiu. E acha que eles também não o farão.

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