Histórias de todo o mundo e de diferentes formas de viajar
“Um estranho é um amigo que nunca tínhamos conhecido”.
A frase é de Torbjørn C. Pedersen, que há cerca de dois meses voltou a casa. Dez anos depois de deixar a Dinamarca, onde nasceu, para ir a todos os países do mundo – não sua opção mais de 200.
Na palestra que encerrou o terceiro ABVP Travel Fest, organizado pela Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, e que decorreu no passado fim de semana em Guimarães, "Thor", assim passou a ser conhecido, partilhou um ínfimo das venturas e desventuras de uma jornada que iniciou aos 34 anos e que foi possível seguir através do projeto Once Upon a Saga.
As partilhas foram as possíveis em 50 minutos. Desde o sobressalto de ficar retido dois anos em Hong Kong, devido à pandemia, a apenas nove países de cumprir o seu feito e a felicidade de conseguir manter um relacionamento amoroso e casar com a mulher que diz ser o amor da sua vida sem nunca voltar a casa. Embora chegasse lá perto, por exemplo, à Alemanha, para ver família e amigos.
O aventureiro dinamarquês inspirou a assistência, mas não foi o único. O festival convidou ao pensamento sobre mudanças de vida, “pegadas” positivas e a mensagem que queremos passar quando andamos pelo Mundo, seja para dar uma volta completa ao Sol ou entrar numa carrinha em direção a África, carregado de amor e latas de leite para bebés e crianças na primeira infância.
Foi o desígnio de David Freitas em 2019, que fundou o projeto Ambulance for Hearts. De Viana do Castelo/Gondomar até Catió, na Guiné-Bissau, em África. Já repetiu a primeira viagem e outras se seguirão. Acho que se lhe perguntarmos o porquê, responde, "porque sim". Considera-se um privilegiado e entende que ajudar quem mais precisa é um modo de devolver a sorte que diz ter na vida.
Hoje, o engenheiro informático, oriundo de Gondomar, sabe que ninguém pode mudar o Mundo, mas “todos devíamos tentar ir mudando pequenas realidades.”
“Nunca devemos subestimar o efeito de um grão de areia”, acrescenta, nas entrelinhas de uma apresentação carregada de humor, mas sobretudo de amor.
Thor e David. Dois pontos de partida tão diferentes e o mesmo apelo pelo desconhecido.
De resto, nas palavras do escritor José Luís Peixoto, a vontade da descoberta tem de ser o principal motivo da viagem. “Na verdade, todas as cidades ou locais onde nunca fomos são imaginárias”, referiu, perante os olhares ávidos de aventuras das cerca de 200 pessoas que assistiam no renovado Teatro Jordão, uma das referências da Art Deco na arquitetura vimaranense.
Durante dois dias, os participantes também beberam da jovialidade dos que dizem que vão viajar pelo mundo enquanto a saúde lhe permitir, como os canadianos Dave e Deb do 'Planet D'. “O propósito é fundamental” garantem. E, no seu caso, foi uma viagem lhes salvou o casamento e deu início ao que se seguiria.
E vários participantes, talvez, tenho ficado a saber que afinal são alguns os países do Mundo não reconhecidos como tal, através do trabalho do brasileiro Guilherme Canever, que gere a página de Instagram "Saí Por Aí" e cujo trabalho já deu origem ao livro “Uma viagem pelos países que não existem”.
Descobriu a Somalilândia por acaso, e a curiosidade levou-o a querer conhecer várias outras regiões como Nagorno-Karabakh, disputada pelo Azerbaijão e pela Arménia.
Entre saborear as tortas de Guimarães, uma das iguarias da região e o convívio, os olhos desviaram-se também para o trabalho de drone do Artur Carvalho. Um “atleta visual”, como se apelida, inseparável, nos seus trabalhos mais recentes, do revolucionário FPV. A abreviatura de First Person View, para designar o drone que através de uns óculos leva os olhos deste homem do marketing onde ele quer, como se de um olhar de pássaro se tratasse.
E por falar em olhar, é impossível não ficar retido nas fotografias de José Silva Pinto. Um filho de África, terra onde se lançou numa jornada com o próprio filho para estreitar laços entre ambos e contar, através da sua lente, a aventura e os contactos que estabeleceu com algumas tribos. Uma viagem de mais de um ano, contada na primeira pessoa e pincelada de muito humor.
Foi também através de tribos e tradições quase perdidas que se viajou nas fotografias do espanhol Arturo López Illana. Um trabalho incrível que dá nome à expressão “a imagem vale mais que mil palavras.” Um misto de beleza e socos no estômago pelo confronto com realidades tão cruas.
E porque o humor esteve sempre presente nos relatos dos oradores ao longo dos dois dias, é impossível não ficar fã do checo Janek Rubes.
O seu canal de youtube, The anti-touristic, que a pandemia potenciou, prova que às vezes fazemos mais mal do que bem, mesmo involuntariamente, quando divulgamos imagens de qualquer local no Mundo, mas que é possível com muito humor apelar à consciencialização e até angariar fundos para um sino, depois de cortar e derreter os cadeados que se tornaram famosos e insuportáveis em pontes e afins por todo o lado.
Por fim é impossível não parar para pensar nas palavras de alerta do trabalho de JoAnna Haugen, com o projeto Rooted.
Uma apresentação e jeito de despertar de mentes para bloguers, influencers, turistas, viajantes, curiosos ou o que que lhe queiramos chamar...
E se me é permitido, porque como jornalista também sou responsável, tiro o chapéu às opções de oradores feitas pela direção da ABPV. Entrei como espetadora, saí com a vontade que a profissão permite de partilhar o que vi e ouvi.
Para o ano há mais, a 11 e 12 de maio, em Guimarães. Uma cidade para a qual muitos governantes também deviam estar a olhar. Pela maneira como está a trabalhar o turismo, sem matar os lugares e, aparentemente, evitando colocar em guetos as gentes vimaranenses.