Estes chefes pedem aos seus funcionários para trabalharem menos pelo mesmo salário. Vai compensar?

CNN , Anna Cooban
15 out 2022, 16:00
Numa nota informativa sobre ‘nómadas digitais’ publicada em março de 2021 a sociedade de advogados PLMJ lembra que o Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) introduziu um novo conceito de estabelecimento estável. (Pexels)

Empresas do Reino Unido que estão a testar a semana de 4 dias de trabalho dizem que estão mais produtivas, mais inspiradas e mais criativas. Os trabalhadores até peso perdem, porque conseguem comer de forma mais saudável e ir ao ginásio

Não foi difícil para Samantha Losey, diretora executiva da Unity - uma empresa de relações públicas em Londres - convencer a sua equipa a trabalhar menos horas pelo mesmo salário.

No entanto, foi complicado convencer o conselho de administração da empresa a juntar-se ao maior projeto-piloto do mundo da semana de trabalho de quatro dias.

"Eu tive de lutar muito por nós para fazer disto um negócio... Ninguém estava disposto a tal. Eram todos muito tradicionalistas", disse Losey à CNN Negócios.

A principal preocupação estava em saber se um corte de 20% nas horas de trabalho semanais levaria a uma queda na produção e faria com que a empresa perdesse clientes.

Contudo, depois de um começo complicado e de um “caminho muito difícil" para convencer o conselho administrativo, Losey disse que a sua equipa começou a experimentar esta nova modalidade de trabalho. Ela disse que tem 80% de certeza de que todos manterão a rotina depois de novembro, altura em que termina o período experimental.

"A minha cabeça iria rolar como a da Maria Antonieta se eu dissesse a esta equipa que não continuaríamos a trabalhar desta maneira”, disse ela.

A Unity é uma das 70 empresas do Reino Unido que participam neste projeto-piloto. A partir de junho, e durante seis meses, mais de 3300 funcionários trabalharam 80% das suas horas habituais e recebiam a mesma remuneração. Em troca, prometeram fazer 100% do seu trabalho habitual.

Samantha Losey, diretora executiva da Unity e Gary Conroy, fundador e CEO da 5 Squirrels, viram as suas empresas aderirem a este projeto. (CNN/Cortesia Gary Conroy, 5squirrels Ltd)

O projeto está a ser executado pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global, pela Autonomy - uma empresa especialista em planeamento do trabalho - bem como pela 4 Day Week UK Campaign, em parceria com investigadores da Universidade de Cambridge, Universidade de Oxford e pela Faculdade de Boston.

Para já, a experiência está a dar frutos para os trabalhadores, uma vez que estes estão ansiosos por ter mais tempo livre.

A meio do projeto-piloto, 95% das empresas inquiridas pela 4 Day Week Global dizem que os seus níveis de produtividade permaneceram os mesmos ou melhoraram, ao passo que 86% dizem que, provavelmente, tornarão esta rotina permanente.

Para Gary Conroy, fundador e CEO da 5 Squirrels – uma empresa que fabrica produtos para cuidados da pele na costa sul da Inglaterra e que conta com 13 funcionários, a tempo integral - a nova rotina de trabalho torna-se "cada vez melhor", disse ele à CNN Negócios.

Alguns dos benefícios foram inesperados.

"Todos nós perdemos muito peso. Antes, tínhamos excesso de peso", disse ele. "Agora, a equipa tem mais tempo para preparar a comida e comer de forma saudável. Muitas pessoas vão mais vezes ao ginásio.”

Bom para os negócios?

Quatro meses após o período experimental, Losey disse que os seus clientes estão felizes com o seu desempenho, enquanto a sua equipa se sente mais inspirada e criativa. Um estudo interno da empresa constatou que a produtividade aumentou 35% e os funcionários disseram que se sentiam mais saudáveis e felizes, em comparação com o trabalho feito antes deste período experimental.

Agora, as pessoas lutam para fazer parte da empresa.

"No início do ano, estávamos desesperados para encontrar pessoas qualificadas. Gastávamos muito dinheiro com agências de recrutamento,” disse ela.

Mas, desde que a Unity entrou no projeto-piloto, Losey disse que "nunca recebeu tantas candidaturas". Isso fez com que se poupasse muito dinheiro em termos de recrutamento.

A Unity, uma agência de relações públicas em Londres, instalou um sistema de "semáforos", de forma a que os funcionários possam indicar se estão disponíveis para conversar.  Cortesia da empresa Unity

Embora o seu conselho de administração ainda esteja cético relativamente ao impacto na produção, os clientes da Unity estão "desesperados" para que esta experiência seja recompensadora, disse ela. Desta forma, os clientes podem convencer os seus chefes a adotar a rotina nos seus próprios locais de trabalho.

Losey acrescentou: "Literalmente, hoje tive um cliente que disse que ia levar-me ao departamento de RH."

Juliet Schor, professora de sociologia da Faculdade de Boston, disse a Christine Romans, da CNN Negócios, que a semana de trabalho de quatro dias proporciona "uma grande vantagem competitiva para as empresas no mercado de trabalho".

Isso torna, de igual modo, os funcionários mais felizes e saudáveis, disse Schor. Isto é especialmente importante, dadas as exigências da pandemia, uma vez que fizeram com que muitas pessoas entrassem em “burnout”.

"Os americanos estão a perceber que dois dias não são suficientes para o fim de semana. Eles não conseguem tratar de todos os seus afazeres, nem das suas tarefas familiares. De igual maneira, não conseguem levar os seus filhos às atividades, nem têm um pouco de tempo para eles mesmos. Ao mesmo tempo, as pessoas têm de preparar-se para a semana de trabalho", disse ela. "Tudo isso sobrecarrega os dois dias do fim de semana e faz com que estes sejam insuficientes."

"A semana de cinco dias simplesmente já não funciona para as pessoas", acrescentou Schor. No entanto, uma semana com quatro dias de trabalho não é a solução para todos os problemas.

Em junho, uma pesquisa feita nos Estados Unidos, pela empresa Gallup, a mais de 12 mil trabalhadores descobriu que, enquanto aqueles que têm uma semana de trabalho de quatro dias relataram maior bem-estar – sobretudo entre os trabalhadores necessários para estarem nas empresas. No entanto, não houve um aumento correspondente nos níveis de participação nos seus trabalhos.

"Haver uma maior participação no trabalho resume-se à forma como as pessoas são lideradas. Por isso, dar a alguém uma semana de trabalho de quatro dias não significa, necessariamente, que os trabalhadores são bem liderados, nem que estes se sintam envolvidos no seu trabalho", disse Jim Harter, cientista-chefe do trabalho e bem-estar da Gallup, à CNN Negócios.

Segundas-feiras sem tristezas

Para Losey, foi doloroso ajustar-se à nova rotina.

Ela descreveu a primeira semana como um " armagedão”. Havia poucos colegas disponíveis para responder às emergências dos clientes. "Eu sentei-me no chão da cozinha e chorei.”

Aos poucos, a equipa adaptou-se e introduziu novos hábitos, que fizeram toda a diferença. Agora, as reuniões internas são limitadas a 15 minutos, ao passo que as reuniões com os clientes duram 30 minutos. Os “e-mails” para os colegas não podem exceder mais de um quarto do total de “e-mails” de um dia.

Em particular, a equipa de Losey trabalha com um sistema de "semáforos", de maneira a reduzir as distrações no escritório. Os colegas têm uma luz nas suas mesas. Definem-na como verde se se sentem com vontade de falar, amarela se estão ocupados, mas disponíveis para falar e usam a cor vermelha se não querem ser interrompidos.

Losey disse: "Se o botão deles estiver vermelho, quem os interrompe está por sua conta e risco.”

Conroy disse que introduziu um "tempo de trabalho profundo" onde, durante duas horas de manhã e duas horas todas tardes, a sua equipa ignora os “e-mails”, os telefonemas ou as mensagens, de maneira a que estes se concentrem nos seus projetos.

Funcionários da 5 Squirrels, uma empresa de fabrico de produtos para o cuidado da pele, no sul da Inglaterra, durante o "tempo de trabalho profundo" no escritório. Durante este período, podem concentrar-se em projetos sem as interrupções dos “e-mails”. (Cortesia: Gary Conroy, 5squirrels Ltd)


A sua equipa até começou a desligar os telefones do escritório, uma vez que isso os distraía bastante. Inicialmente, os clientes ficaram chateados, mas, desde então, comunicam mais através de “e-mails”.

Losey disse que os riscos para o negócio têm compensado.

Ela disse: "Depois de termos tido várias semanas mais calmas, como voltaríamos a trabalhar cinco dias por semana? Parece desumano.”

"Aqui, ninguém se sente triste às segundas-feiras", acrescentou.

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