"As pessoas do Porto estão cansadas de perder a cidade, de perder os seus espaços". Músicos regressam ao Stop, mas o sentimento é "agridoce"

5 ago 2023, 10:00
Reabertura do Centro Comercial Stop (Estela Silva/Lusa)

Depois de as salas terem sido seladas pela Polícia Municipal do Porto, a 18 de julho, as duas associações que representam os lojistas, a Alma Stop e a Associação Cultural de Músicos do Stop, aceitaram as condições da autarquia para reabrir o centro: o espaço só pode funcionar durante 12 horas, com um carro de bombeiros e cinco operacionais junto do local

É no centro comercial Stop que Tiago Dinis toca e cria linhas de bateria para músicas rock há quase duas décadas. É uma espécie de segunda casa, ainda que já tenha mudado de sala, que é como quem diz de loja, várias vezes. Por isso, as mais de duas semanas em que Tiago Dinis, que é também porta-voz da Associação Cultural de Músicos do Stop, esteve impedido de entrar no número 311 do centro foram "muito difíceis". "É bom regressarmos ao nosso local de trabalho, é uma alegria", revela-nos já junto aos pratos e às baquetas que utiliza diariamente para os ensaios do grupo "Diabo a Quatro". 

Eram onze da manhã quando a entrada do Stop voltou a abrir-se, depois de mais de duas semanas de encerramento. "Já estava bem na hora", ouvia-se entre os curiosos que se foram juntando na Rua do Heroísmo, atraídos pelo aparato da comunicação social. Mas para os músicos que esta sexta-feira puderam regressar a este espaço cultural e artístico há um travo amargo nesta reabertura. "É um dia agridoce porque sabemos que esta argumentação da solução temporária e condicionada não nos vai dar garantias nenhumas", conta à CNN Portugal Miguel Paiva, outro dos músicos do Stop.

Depois de as salas terem sido seladas pela Polícia Municipal do Porto, a 18 de julho, as duas associações que representam os lojistas, a Alma Stop e a Associação Cultural de Músicos do Stop, aceitaram as condições da autarquia para reabrir o centro: o espaço só pode funcionar durante 12 horas, com um carro de bombeiros e cinco operacionais junto do local, e a maioria dos utilizadores vai receber uma formação de quatro horas dada pelos bombeiros.

A solução é apenas temporária, mas cria vários problemas, desde logo o horário de funcionamento, que não permite que os músicos ensaiem durante a noite. Bruno Costa, da Associação Alma Stop, explica que muitos destes músicos fizeram grandes investimentos para que as salas estivessem hoje bem insonorizadas. "Existem salas aqui muito bem insonorizadas e que poderiam trabalhar ao longo da noite. Não queremos comprometer o trabalho dessas pessoas, que precisam de fazer esse trabalho durante a noite", vinca. Por outro lado, com um horário limitado, os artistas não podem, por exemplo, depois de um concerto a horas mais tardias, descarregar os equipamentos no Stop.

A Câmara Municipal do Porto diz que alertou as associações para o possível encerramento do Stop: de acordo com a autarquia, mais de 100 lojas não têm licença de utilização e foram detetadas falhas nas medidas de proteção contra incêndios.  

"Não concordo que estejamos em perigo. É claro que há melhorias que poderiam e deveriam ser feitas ao edifício, não há nenhum músico que discorde disso, mas não ao ponto de não podermos continuar a trabalhar aqui", sublinha Bruno Costa.

O Stop vai estar aberto com carro de bombeiros à porta até que a Autoridade Nacional da Proteção Civil dê o seu parecer e decida se o centro pode ou não continuar como está. O executivo de Rui Moreira já admitiu a hipótese de os músicos terem de mudar de instalações. A transferência para a Escola Pires de Lima é uma das que tem estado em cima da mesa. 

"Se tivermos de sair, terá de ser algo muito bem estudado. Houve propostas em cima da mesa, como a possibilidade de irmos para a Escola Pires de Lima, mas obviamente que só havendo um projeto é que poderemos opinar se é viável ou não", vinca Tiago Dinis. 

O Stop funciona há 20 anos como centro cultural e artístico. Há quem por aqui passe e veja apenas um antigo centro comercial degradado, mas o que a fachada não permite vislumbrar é o que acontece lá dentro: os corredores do Stop guiam-nos a pequenos laboratórios de criação, que se unem num verdadeiro organismo comunitário. São estúdios de gravação, são salas de ensaio, ouve-se rock, mas também se ouve rap, há mensagens e ideias por todo o lado.

"É um sítio que agrega muitas expressões artísticas, é um sítio de ponto de encontro, é um sítio de convívio, é um sítio onde emergem ideias, onde as pessoas se reúnem, falam, discutem, pensam. E daí emerge a arte e a cultura", destaca Miguel Paiva. 

Por isso, estes músicos estão dispostos a lutar pelo Stop. "Estaremos preparados para reivindicar e bater o pé. Se voltar a haver uma ameaça de sermos expulsos, o nosso elo de ligação comum irá afirmar-se mais forte. Nem que seja necessário alguém acorrentar-se a este espaço", reitera Eduardo Baltazar, também ele músico no Stop. 

"A meu ver, esta é uma questão que extravasa o Stop, que envolve toda a cidade. Porque as pessoas do Porto e das grandes metrópoles estão cansadas de perder a cidade, estão cansadas de perder os seus espaços de sociabilidade, de perder o seu bairro, de perder os comércios que frequentavam", completa Miguel Paiva.

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