Matheus Pereira recorda formação no Sporting: «Passava muito tempo drogado»

19 abr, 13:37
Matheus Pereira (Al Hilal)

Jogador brasileiro fala num período negro da sua vida numa entrevista surpreendente ao Players Tribune que inclui uma tentativa de suicídio em Abu Dhabi

Matheus Pereira, jogador do Cruzeiro, que fez a formação no Sporting e jogou no Desp. Chaves, faz revelações surpreendentes, numa longa entrevista ao Players Tribune. O jogador brasileiro revela que passou por um período negro em Portugal, em que chegou a consumir canábis e a jogar sob o efeito de álcool, e conta que chegou memo a tentar suicidar-se quando jogou nos Emirados Árabes Unidos.

«As pessoas podem dizer que hoje eu estou bem. Sim, eu estou. Ou que estou melhor. Melhor do que antes, sem dúvida. Mas sofri bastante até me recuperar. É difícil para os outros entenderem porque ninguém está dentro de mim. E, sinceramente, eu não faço ideia de como as coisas chegaram ao ponto de eu desejar me jogar do 19° andar de um hotel em Abu Dhabi. Acho que quase tudo passa pelo futebol, não sei. Os meus vazios, as coisas que eu fazia para preenchê-los, a minha queda, minha salvação…», começa por contar.

Matheus Pereira volta depois atrás para recordar a infância, quando os progenitores, primeiro o pai depois a mãe, foram trabalhar para Portugal. «Ela nos deixou, a mim e meus irmãos, morando em Belo Horizonte com a nossa avó surda e muda. Pensa. Eu era um menino de 11 anos, meus pais tinham se mudado para Lisboa e a minha educação dali pra frente seria responsabilidade de uma senhora de idade que não falava nem ouvia. Pra completar, uns tios meus que também moravam ali estavam envolvidos com tráfico de drogas», conta.

O jovem Matheus veio, depois, com os irmãos, para Portugal, jogou primeiro no Trafaria, mas deu nas vistas e foi parar ao Sporting. A separação dos pais, pouco depois, ditaram uno novo desequilíbrio na vida de Matheus. «Me juntei à rodinha da maconha e passava muito, muito tempo drogado. Também bebia um monte e gastava o dinheiro que sobrava em baladas. Depois me sentia um trapo, um miserável. Me culpava de um jeito insuportável ao imaginar a tristeza dos meus pais se eles soubessem. Eles me deram uma educação cristã, eu sou filho de um lar cristão, nada a ver com aquilo», conta.

O jovem brasileiro diz que sentiu que, naquele período, caminhava para o abismo, mas, ao mesmo tempo, não queria desperdiçar a oportunidade que o Sporting lhe tinha dado. «Não. Hoje não quero droga. Amanhã tem jogo contra o Benfica e quero jogar bem. No dia seguinte, acabei com o jogo e fui sorteado pro antidoping. Imagina! Se fosse em qualquer outra partida da temporada ia dar merda. Naquela, não. De novo eu pensava nas minhas chances», recorda.

A verdade é que o Sporting acabou por perder a paciência com Matheus Pereira e, em 2017/18, decidiu emprestá-lo ao Desportivo de Chaves, então comandado por Luís Castro, atualmente no Al Nassr. «Pela primeira vez na vida eu fui morar totalmente sozinho. A cidade não tinha nada, era muito pequena e pacata. Treinava de manhã e ficava o resto do dia sem ter o que fazer. Comecei a sentir aquela inquietude voltando. Logo, logo eu ia me meter em roubada. Mas dessa vez tinha uma coisa diferente», destaca.

Matheus Pereira voltou a sentir-se desesperado e conta que foi salvo pelas palavras do treinador que reproduziu na entrevista. «Miúdo, na vida, às vezes, quando a gente não consegue sozinho, tem que deixar outro nos guiar. Fique calmo. Sempre haverá estrelas iluminando o céu, mesmo que você não as veja por causa dos dias nublados», lembra Matheus.

Matheus Pereira é depois emprestado aos alemães do Nuremberga, aos ingleses do West Brom, antes de rescindir com o Sporting rumar à Arábia Saudita, com uma proposta milionária do Al Hilal, mas não correu bem.

«Primeiro, tentando algum alento, nós começamos a ir pra Portugal em todas as folgas. A gente ficava na praia, revia uns amigos, eu me reerguia e… desabava de novo quando regressava a Riade. Depois, achei que seria uma boa ideia voltar a beber — beber muito. Quem sabe embriagado eu esqueço um pouco de mim? Claro que piorei. E piorava ainda mais quando a ressaca passava e eu me sentia culpado pelo que fazia comigo e por não conseguir melhorar», destaca.

O avançado brasileiro teve uma possibilidade de regressar ao Brasil, para jogar no Corinthians, mas acabou por rumar aos Emirados Árabes Unidos. «O clube era o Al-Wahda, que colocou a gente a morar num hotel de luxo, no apartamento do 19° andar. Até hoje a minha esposa diz que a vista lá de cima era linda. Eu não lembro de ter olhado algum dia pra ela. Para mim era tudo escuridão e desespero. Eu estava cansado de lutar. Estava cansado de ficar cansado. Eu queria me livrar de tanto sofrimento que eu nem entendia de onde vinha. Tinha noite que eu bebia três garrafas de vinho. Treinei bêbado várias vezes e fiquei outras tantas internado no hospital com hipocalemia, tomando soro pra tratar a falta de potássio no sangue, porque eu não me alimentava, só ingeria álcool», lembra.

Foi nesta altura que Matheus Pereira pensou em suicidar-se. «Até que um dia abri a janela do nosso apartamento com vista espetacular e só não me joguei porque a minha esposa foi mais rápida. Ela me agarrou, me puxou para dentro e a gente ficou um tempão chorando abraçado ali no chão da sala, sabendo que não era o fim — nem o meu, nem o do meu sofrimento», acrescenta.

Matheus Pereira fez terapia, recuperou, mas voltou a pensar na morte e chegou mesmo a decidir atirar-se de uma ponte. Uma chamada da irmã e uma avaria do carro salvaram-lhe a vida. «Nessa noite, voltando para casa com ela, senti que foi o Espírito Santo que me segurou ali dentro do carro. E que, de alguma maneira, seja pela ligação da minha irmã ou pela chave emperrada na ignição, Deus permanecia me guiando. Ainda assim, eu estava decidido a acabar com meu sofrimento de outro jeito: abandonando o futebol», destacou.

Matheus Pereira regressa, depois, a Portugal, decidido a terminar a carreira, mas foi o futebol que voltou a chamar por ele quando foi ao Estádio de Alvalade assistir a um particular entre o Brasil e o Senegal. O Cruzeiro, clube da infância, abriu-lhe as portas. «No Cruzeiro reencontrei mais do que paz. Eu me reencontrei. Parece bobagem, mas não é. Porque no meio da escuridão, e eu andei muito por lá, a coisa mais difícil que tem é a gente se reconhecer. E isso piora demais uma situação que já está ruim. A gente não sabe mais quem é», destaca ainda.

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