Erling Haaland não foi (nem é), sequer, o melhor do Manchester City

10 nov 2023, 11:38
Pedro Gonçalves fez o 1-0 no Sporting-Raków (MIGUEL A. LOPES/Lusa)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

É difícil abreviar um jogo de futebol. Quem, para justificar uma vitória, se espreguiça em cima da ideia de que o objectivo de um jogo de futebol é marcar golos nunca se engana, mas também nunca explicará coisa alguma sobre um jogo de futebol. Paralelamente, ouvem-se os preguiçosos cacarejos acerca da função dos avançados - que andam lá para fazer golos - e, muitas vezes, acerca das exibições individuais -, sempre sobrevalorizadas no caso de juntarem golos ou assistências.

O apetite para escrever sobre este último cacarejo - acerca das exibições individuais - nasceu desde que Pedro Gonçalves iniciou a época 2023/24, cresceu após Jude Bellingham ter sido elevado a herói da Marvel no final do ‘El Clásico’, subiu exponencialmente face às peregrinas tentativas de transformar Erling Haaland no melhor jogador do mundo e consumou-se ao som do estalar das colunas vertebrais daqueles que comercializaram o Mundial de Lionel Messi pelo mesmo preço do Mundial de Ángel Di María. Gatunos. Ladrões. Chupistas.

Em primeiro lugar, devo confessar que, no que toca a exibições individuais, as minhas noções, ainda que fundamentalistas, toleram, hoje, variáveis outrora menosprezadas. Hoje, percebo que a rara e valiosa relação de Pedro Gonçalves com a baliza atrapalhe a hipótese de deixá-lo no banco de suplentes. Não estou a alegar que essa é a única característica que leva Rúben Amorim a inseri-lo no seu lote de favoritos, até porque não acredito nisso; estou apenas a referir a que me permite suportar melhor os 1137 minutos que Pedro Gonçalves já soma esta temporada.

O que não percebo, de todo, é que se diga que Pote tem feito boas exibições. Não tem. Aliás, no geral, tem andado desencontrado delas, sobretudo, mas não só, com bola. Vai-se mostrando mais lento a decidir e, quando decide qualquer coisa, a executar; quando executa, tende a executar mal e/ou a escolher mal a opção, porque já demorou demasiado tempo a decidir, o que faz com que a opção que lhe pareceu válida, entretanto, perca potencial; longe das boas execuções técnicas em espaços congestionados, embrulha-se em micro-ajustes que o fazem andar fora dos tempos certos: a ajustar a recepção, a ajustar o controlo de bola, a ajustar o drible. Se aquele remate em arco, frente ao Estrela da Amadora, tivesse entrado, nada do que foi descrito anteriormente perdia validade, tão pouco venciam os galos que cacarejam que o objectivo de um jogo de futebol é marcar golos. Durante uma partida, os jogadores somam centenas de acções e, no caso de Pote, parece-me que a tal rara e valiosa relação com a baliza, que nem vem estando tão presente quanto isso, tem servido vezes de mais o propósito de justificar as suas titularidades. Apesar de encaixar a variável, acho que a variável, face ao actual momento de Pote, pode estar a beliscar o colectivo, mesmo não beliscando as vossas pontuações na Fantasy.

O ascendente do Barcelona no ‘El Clásico’ empurrou Jude Bellingham para terrenos e tarefas pouco estimulantes, tendo em conta o seu perfil. Até ao fulminante remate que furou a luva de Marc ter Stegen (68’), Bellingham, tal como a restante equipa do Real Madrid, estava a passar ao lado do encontro. Por outro lado, destacava-se a exibição de Gavi, que ia sendo imperial na arte de esconder o médio inglês no seu pequeno bolso dos calções. Não lhe dava um centímetro, não falhava uma intercepção, não perdia um duelo e empunha o físico para guardar a bola antes de dar seguimento criterioso aos ataques do Barça. Estava a ser a figura, a par de Fermín López. Na segunda-parte, Bellingham manteve-se afastado de uma exibição digna de registo e essa é uma avaliação que a brilhante execução colocada no lance do empate, além do eficaz sentido de oportunidade no 1-2, não mudam. Isto não sugere que se ignore o objectivo do jogo; indica que, neste jogo, dentro de uma exibição discreta, bastam duas boas acções de finalização individual para destruir uma superior exibição colectiva do adversário. O que não percebo, de todo, é que se transforme uma exibição discreta na melhor exibição da partida, reduzindo ao ridículo, enquanto batem com a garrafa da cerveja na mesa da taberna, a ideia de boa exibição: ‘jogar bem é marcar golos. Elas contam é lá dentro’.

Será que existem, de facto, pessoas que, todas as semanas, assistem aos jogos do Manchester City e são capazes de achar Erling Haaland o melhor jogador daquela equipa? Se alguém estiver a ler este texto e, por esta altura, pensou, ‘eu’, por favor, envie mensagem para o 9145. Estou a brincar. Mas identifique-se de alguma forma. Sei que o lado qualitativo do futebol abre um espectro infinito de possibilidades e que o argumento dos 52 golos em 2022/23 paira no ar. Contudo, mantenho o repto, sem descurar o quão impactante Erling Haaland é na especificidade do seu jogar, sobretudo no que toca à procura de espaços para finalizar, ou seja, como se movimenta para condicionar quem está por perto, sempre em busca de arranjar as condições perfeitas para aplicar um dos seus inúmeros recursos na hora de marcar. De resto, saltar disto para colocá-lo à frente de Bernardo Silva, Rodri Hernández ou Kevin De Bruyne na lista de melhor jogador do Manchester City trata-se do exercício que deu origem àquela expressão do salto que se verificou maior do que a perna. Logo, querer fazer de Haaland o melhor jogador do mundo soa-me a distúrbios alimentares. Nada mais.

Por fim, deixo os meus desejos de rápidas melhoras aos gatunos que andam por aí a tentar vender a comovente opinião de que o Mundial de Ángel Di María esteve a quatro grandes penalidades convertidas de se aproximar do Mundial de Lionel Messi. Só uma coluna vertebral muito torcida pode incapacitar-vos de apreciar uma das maiores obras de arte que o futebol já viu.

«Quem é que defende?» é um espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol. A autora escreve pelo acordo ortográfico antigo

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