«Equipa está definida há muito», diz António Oliveira

10 out 2000, 15:14

Secretário de regresso à Selecção O regresso do lateral portista foi a única ponta do véu que o seleccionador português levantou numa conferência de imprensa em que deu «show» de comunicação. «Vou jogar com lateral-direito de raiz se tiver a certeza de que os 60 mil espectadores não o vão assobiar só a ele.» De resto, é esperar para ver que mais preparou Oliveira para o jogo com a Holanda.

Portugal até pode sair da Holanda sem um resultado positivo. Mas não será por falta de confiança e de boa disposição. A conferência de imprensa de António Oliveira foi ilustração perfeita para essa realidade: fiel à sua imagem, o seleccionador nacional baralhou pistas, desvendando e escondendo opções tácticas, manteve um discurso optimista e ambicioso, assumiu a defesa de ideais de jogo e, principalmente, encheu a sala de sorrisos com uma série de apartes bem-humorados. Pelo meio, chegou mesmo a determinar o clima, anunciando com o ar mais solene do mundo: «Já está tudo tratado, quarta-feira não chove». 

Começando de trás para a frente, a titularização de Secretário como lateral-direito parece ser uma das mexidas previstas para o jogo no De Kuip. De entre o mar de perguntas com que foi confrontado, foi a essa que Oliveira respondeu de forma mais conclusiva: «Em princípio, se for possível, vou jogar com um lateral-direito de raiz. Isto, se tiver a certeza de que os 60 mil espectadores não o vão assobiar só a ele», acrescentou, numa alusão ao mau acolhimento de que Secretário é alvo nos estádios portugueses, motivo que o levou a abdicar do defesa portista no jogo com a Irlanda. 

Mas essa foi praticamente a única ponta do véu que o seleccionador levantou. No mais, prestou-se a um jogo do gato e do rato com evidente satisfação, contornando as perguntas com observações irónicas. Uma outra coisa parece certa, porém: Portugal não vai jogar com três centrais: «Não me falem mais dessa opção, a nossa forma de jogar não é essa. Com excepção de um jogo especial, no Campeonato da Europa, os três centrais não são opção habitual nos nossos processos defensivos e há que ter em conta rotinas estabelecidas que já vêm de há seis anos», afirmou, convictamente. 

«Não é fácil formar duplas a meio-campo» 

Um dado que parece confirmar a saída de Beto do onze, apesar dos rasgados elogios de que foi alvo o defesa do Sporting: «Ao contrário do que foi dito, sou da opinião de que o Beto foi um dos melhores frente à Irlanda, cumprindo rigorosamente o que lhe foi pedido. Aliás, o mesmo aconteceria seu eu lhe tivesse dito para jogar a defesa-esquerdo». 

Se a situação na defesa parece clara, já o meio-campo levanta mais interrogações. Embora assumindo que, salvo qualquer imponderável de última hora «a equipa já está definida há muito tempo», Oliveira escusou-se a confirmar a colocação de mais um médio de características defensivas ao lado de Vidigal. «Sem retirar confiança aos jogadores que aqui estão, é bom recordar que estamos privados de todas as duplas utilizadas nessa função nos últimos anos. E às vezes é mais difícil do que parece encontrar as duplas adequadas, independentemente da qualidade dos jogadores».  

A opção-Meira, testada no treino da véspera, parece continuar no espírito do seleccionador, que não fechou a porta a um velho hábito: lançar jogadores novos em desafios de grande importância. «É uma possibilidade que continua em aberto», admitiu, não esclarecendo contudo se esse baptismo estava mais próximo de acontecer com Meira ou Bino. 

«Frente à Irlanda só nos faltaram 10 centímetros» 

Ainda assim, Oliveira aproveitou para defender o sistema utilizado frente à Irlanda: «Li várias análises acerca do posicionamento do Rui Costa e não estou de acordo. O Rui rematou 17 vezes à baliza em todo o jogo, não deixando de cumprir o papel que lhe estava destinado em termos tácticos. Mais do que questões de posicionamento, o que determinou o empate com a Irlanda foi, para mim, a falta de sorte».  

Um argumento conhecido, que Oliveira defendeu com humor: «Rematámos 25 vezes em todo o jogo. Os mecanismos funcionaram, conseguimos fazer o mais difícil, só nos faltaram aqueles 10 centímetros decididos pela sorte. Já houve ocasiões em que rematámos três vezes e ganhámos por quatro, porque um defesa deles ainda se lembrou de fazer um autogolo...»  

Gargalhada geral na sala, acentuada quando o seleccionador voltou à carga: «Aliás, a meio da segunda parte eu só via duas opções para o jogo: ou segurávamos o 1-0, ou aumentávamos a vantagem. Se soubesse que ia acontecer aquilo até podia ter posto mais dois centrais. Mas do banco não consegui ver que o irlandês ia acertar aquele remate na única descida deles depois do intervalo. Vocês também não viam isso de lá de cima pois não? É que se viam podiam ter-me telefonado a avisar...». 

Boa disposição à parte, parece verdade que António Oliveira está tentado a recuperar o sistema tradicional, com dois médios de cobertura, embora a complementaridade da dupla lhe levante ainda interrogações. «Foi assim que Portugal cumpriu aquela carreira brilhante no Europeu», recorda, embora acrescente de imediato que não pensa modificar muito a forma de jogar da equipa. «Tudo se resume a avançar ou recuar dez metros a posição de um jogador», explica. 

Para a frente, tudo parece em aberto. Pauleta, testado na véspera com os titulares? «É uma hipótese, como o são todos os 20 convocados. Se queremos ganhar este jogo, temos de atacar. E para atacar é preciso ter jogadores na frente.» 

Dando como receita para marcar golos à Holanda «a vontade de assumir o jogo», Oliveira prometeu uma selecção fiel à sua imagem dos últimos tempos: «Uma equipa como a nossa até pode perder, não pode é ter receio disso. Temos de defender os nossos princípios, os nossos ideais de jogo, seja em que campo for», garante. 

«Pensávamos chegar aqui com 6 pontos» 

Embora escusando-se a considerar o jogo de amanhã como a chave do grupo, Oliveira admitiu a sua importância na carreira da selecção: «Pensávamos chegar aqui com seis pontos, e a perda destes dois, em casa, pode ganhar outro significado depois de quarta-feira. Mas não é por isso que estamos mais ou menos pressionados, a nossa atitude tem de ser sempre a mesma. Se perguntarem aos jogadores que resultado esperam, verá que ninguém admite a derrota como uma possibilidade. E temos de tirar partido dessa fé, sem demagogias, mas com o realismo de quem acredita nas suas qualidades.» 

Tirando o chapéu à qualidade da Holanda, o seleccionador revelou uma preferência antiga: «É a equipa que mais gosto de ver jogar, de há muitos anos a esta parte. Pelo modelo de jogo assumido tão claramente, pela qualidade individual dos seus jogadores, pela inteligência na ocupação dos espaços. Mas nesta altura temos razões para ser ambiciosos em todos os campos», reforça. 

A terminar, após insistentes solicitações de um jornalista holandês, Oliveira acedeu a comentar o papel de Figo na equipa - o jogador do Real parece ser o único ponto de interesse da imprensa estrangeira, neste momento. 

Depois de uma resposta genérica sobre a qualidade dos vários jogadores da selecção e da importância do conjunto, o seleccionador pareceu sensibilizado pelo ar decepcionado do interrogador e lá soltou a resposta que este queria ouvir: «É sempre bom sabermos que temos em campo o melhor jogador do mundo na sua posição. A sua importância é comparável à de Eusébio, em 1966, à de Pelé, em 1970 e à de Cruyff, em 1974». E, sempre com um sorriso irónico nos lábios, o seleccionador deu por encerrado o seu pequeno show de comunicação, regressando à companhia dos jogadores para dissecar o vídeo do Chipre-Holanda.

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