Onde estava o futebol português quando a seleção falhou pela última vez um apuramento

14 out 2023, 09:00
Irlanda do Norte-Portugal 1997 (Foto Neal Simpson/EMPICS via Getty Images)

Sérgio Conceição goleador e com transferência recorde em... escudos, uma agressão e um vermelho choque, Cristiano Ronaldo a crescer no Lar do Sporting e muitos dos jogadores que carimbaram o bilhete para o Euro 2024 ainda nem eram gente. Passaram 26 anos desde aquele Portugal-Irlanda do Norte e daquela sensação de fracasso que não voltou a repetir-se

11 de outubro de 1997. Passaram 26 anos desde a última vez que Portugal falhou o apuramento para a fase final de uma grande competição. Foi há tanto tempo que muitos dos jogadores que estiveram em campo nesta sexta-feira, na vitória sobre a Eslováquia que garantiu a 13ª presença seguida da seleção numa fase final, não tinham sequer nascido. E Cristiano Ronaldo era um miúdo de 12 anos chegado há pouco ao continente, a viver no Lar do Jogador do Sporting.

Naquele dia estavam pouco mais de 30 mil espectadores no Estádio da Luz para assistir ao jogo que fechava a qualificação para o Mundial 1998, onde a seleção chegava já com as expectativas em baixo e a não depender apenas de si. Sérgio Conceição, então uma promessa de 22 anos a crescer no FC Porto, marcou um belo golo de cabeça e Portugal venceu a Irlanda do Norte. Mas não chegou.

A coisa tinha começado mal. Apesar da qualidade de uma seleção que tinha aquela a que chamaram a geração de ouro em plena afirmação, e que vinha da presença no Euro 96, a primeira fase final de Portugal numa década. Depois da eliminação nos quartos de final, António Oliveira deixou o cargo de selecionador para assumir o FC Porto. Sucedeu-lhe Artur Jorge, que na sua segunda passagem pela seleção se estreou com um embaraçoso empate na Arménia, a que se seguiu uma derrota na Ucrânia. A partir daí, a seleção estava definitivamente agarrada à calculadora.

Sá Pinto a agredir Artur Jorge e depois... Marc Batta

Vitórias sobre a Albânia e a Ucrânia, a que se seguiu um nulo em casa com a Alemanha, foram mantendo Portugal na corrida. Mas aconteceram coisas inacreditáveis naqueles tempos. Em março de 1997, com a seleção em estágio para a Irlanda do Norte, Sá Pinto, fora dos convocados, foi ao Estádio Nacional tirar satisfações e acabou a agredir Artur Jorge.

Três dias depois, Portugal empatou a zero em Belfast. Ainda assim, não estava tudo perdido. Seguiram-se vitórias sobre Albânia e Arménia e em setembro jogava-se tudo em Berlim, na penúltima jornada, frente à Alemanha. A seleção fez finalmente um grande jogo e chegou à vantagem aos 71 minutos, num belo golo de Pedro Barbosa. A seguir aconteceu mais uma coisa inacreditável. Aconteceu Marc Batta, o árbitro francês que mostrou o segundo cartão amarelo a Rui Costa, que se preparava para sair e dar lugar a Sérgio Conceição. Achou que o 10 português demorou demasiado tempo a abandonar o campo. As lágrimas do agora presidente do Benfica junto à linha dizem tudo sobre aquele momento.

A vitória na Luz que soube a derrota

E nisto, Kirsten empatou. 1-1 e a luz a apagar-se para Portugal. Chegou então o derradeiro jogo, a receção à Irlanda do Norte, apenas com uma réstia de esperança para chegar ao play-off. Foi aos 17 minutos que um grande cruzamento de João Pinto encontrou Sérgio Conceição, que na área fez um cabeceamento perfeito para o único golo do jogo. Portugal teve mais oportunidades, ainda teve um penálti que Couto desperdiçou, mas ficou-se pelo 1-0. Só que a vitória não bastava. Era preciso que a Ucrânia não ganhasse na Arménia, mas ganhou. No final, os lenços brancos nas bancadas acompanharam a despedida de Artur Jorge.

Nessa decisão com a Irlanda do Norte, Portugal não tinha Rui Costa e também não tinha na baliza Vítor Baía, que sofrera uma lesão grave no Barcelona e fora operado em agosto desse ano. Mas tinha muito talento.

Na baliza estava o veterano Silvino, então no Salgueiros. A defesa tinha o portista Paulinho Santos, Hélder Cristovão (Deportivo Corunha), Fernando Couto (Barcelona) e Dimas (Juventus). No meio-campo estavam o sportinguista Oceano, com a braçadeira de capitão, mais Paulo Sousa (Borussia Dortmund). À frente, Sérgio Conceição (FC Porto), João Vieira Pinto (Benfica), Figo (Barcelona) e Pauleta (Salamanca). Ainda entraram Dani, então no Ajax, e Cadete, que jogava no Celtic.

Sérgio Conceição, transferência recorde... em escudos

Aquela história não se repetiu e foi essa geração de jogadores que iniciou a série de apuramentos consecutivos que se prolonga até hoje. Foi também essa a geração que abriu as portas dos grandes campeonatos aos jogadores portugueses. Em 1997 já havia muitos a jogar em grandes clubes europeus. E muitos mais se seguiram.

Logo no final dessa época de 1997/98, Sérgio Conceição saiu para a Lazio, naquela que foi então uma transferência recorde para o futebol português. Era o tempo em que as contas ainda se faziam em escudos e em contos (que eram mil escudos). Foram 1,8 milhões de contos, qualquer coisa como nove milhões de euros.

Conceição saiu campeão, no ano em que o FC Porto venceu o tetracampeonato, bem à frente dos principais rivais, enredados em tempos de instabilidade. O Benfica, que começou por ter Manuel José no banco, depois Mário Wilson e por fim Graeme Souness, foi segundo, a nove pontos de distância. O V. Guimarães foi terceiro e o Sporting foi quarto, a 21 pontos dos dragões e numa época em que teve quatro treinadores: Otávio Machado começou e Carlos Manuel acabou, pelo meio houve Francisco Vital e ainda Vicente Cantatore, que durou 15 dias e três jogos.

Cristiano, o miúdo que Alvalade descobria...

Em Alvalade, mas ainda longe dessas andanças, crescia um miúdo que chegara da Madeira no verão de 1996. Chegou como moeda de troca por causa de uma dívida do Nacional aos leões. No Sporting não o conheciam, mas ao fim do segundo dia de treinos Aurélio Pereira já não tinha dúvidas. Foi o histórico responsável pelo scouting do Sporting quem o contou ao Maisfutebol. «Ficámos entusiasmados com o miúdo. Tinha traquejo com a bola, velocidade, imaginação. Mas acima de tudo reparei na forma como ele dominava completamente o ambiente. Falava, dava ordens, gritava. Todos os outros miúdos olhavam para ele como uma coisa rara, como um talento.»

...e os craques de hoje que ainda não eram gente

Em 1997, Cristiano Ronaldo era essa promessa, que haveria de superar todas as expectativas. E que continua a superá-las, até hoje. Um fenómeno de longevidade também, incomparável. Na seleção atual, também Rui Patrício, nascido em 1988, tinha já iniciado um percurso futebolístico da última vez que Portugal falhou uma fase final. Aos nove anos, estava no Sport Leiria e Marrazes, onde até começou por ser jogador de campo. Só assumiu a baliza quando uma vez faltou o guarda-redes.

Todos os outros nasceram nos anos 90 e alguns deles já neste século. Diogo Costa, Diogo Dalot, Rafael Leão, João Félix, Gonçalo Ramos e o adolescente António Silva, entre os que estiveram em campo esta sexta-feira no Portugal-Eslováquia, mais os suplentes Pedro Neto, Vitinha, Gonçalo Inácio e João Neves ainda não eram gente em 1997. João Neves, aliás, veio ao mundo depois do Euro 2004, em cuja candidatura Portugal, num tempo de entusiasmo organizativo depois da Expo-98, começava a investir naquela altura.

Relacionados

Seleção

Mais Seleção

Patrocinados