Santini. Segredo dos gelados e do negócio é “a família”

ECO - Parceiro CNN Portugal , Jéssica Sousa
2 set 2023, 11:00
Santini (Hugo Amaral/ECO)

Com 70 anos de história, a Santini é o exemplo de uma empresa familiar portuguesa de sucesso. Agora com duas famílias a gerir a empresa, tudo indica que assim se deverá manter por mais uma geração.

Quando, em 1907, Attilio Santini Mosena nasceu, já corria no sangue da família a tradição do fabrico de gelados há pelo menos duas gerações, com o seu bisavô a fundar a primeira geladaria em Viena de Áustria. Mas essa noção só terá chegado ao bisneto anos mais tarde, depois de saltar entre profissões, entre elas serração de madeiras e treinador de equipa de futebol durante o serviço militar.

Foi em Milão que Attílio Santini iniciou a experiência no ramo da geladaria e, daí, foram precisos apenas 12 anos até chegar à praia do Tamariz, no Estoril, e inaugurar, com a sua mulher, a primeira loja da Santini. O cone vendia-se a 1,5 escudos, mas no dia da abertura, em 1949, todos os gelados foram oferta da casa.

11 anos mais tarde, a casa – daquela que viria a ser a marca de gelados portuguesa mais conhecida internacionalmente – mudou-se para Cascais, e desde então o crescimento tem ido de vento em popa.

Hoje, 70 anos mais tarde, à frente do negócio está o neto, Eduardo Santini Fuertesque vinha a “preparar o caminho” para a sucessão do negócio desde os seus 18 anos, conta ao Capital Verde.

Eduardo Santini Fuertes, Administrador Gelados Santini (Hugo Amaral/ECO)

Todas as premissas que levaram o meu avô a abrir a loja, em 1949, estão atuais e regemo-nos com base nelas”, garante. Uma dessas é a lealdade que permite que a produção se mantenha “muito fiel à receita” e que seja alcançada “a cremosidade” pela qual os gelados são conhecidos – mesmo as receitas que foram criadas já depois do tempo do avô, como por exemplo o gelado de sabor a manga, aqueles à base de creme, ou até o favorito do neto herdeiro, chocolate e limão. “Essas receitas são feitas à base daquilo que existe hoje”, garante.

A única alteração feita à receita, há 15 anos, prende-se com uma redução na quantidade de açúcar. Mas essa mudança, “não afetou as vendas, nem a qualidade do produto”, assegura. “Sabemos até onde podemos ir”.

Outra das premissas é a qualidade do produto que Attilio Santini Mosena sempre defendeu. A garantia é dada por Elsio Trindade, responsável pela sala de receita, e que trabalha para a empresa há mais de 20 anos. ”Há sempre um ingrediente secreto. Mas a nossa maior preocupação é arranjar bons ingredientes. A fruta, o leite, as natas – todo o carinho… é o que faz um bom produto. É tudo natural, nada concentrado”, explica.

Santini. Segredo dos gelados e do negócio é “a família” (Hugo Amaral/ECO)

A origem destes ingredientes também é um fator diferenciador da concorrência, explica Eduardo Santini, sublinhando que o recurso a pequenos produtores locais, permite criar um “impacto grande” a nível socioeconómico. “Tentamos sempre que não haja grandes deslocações das matérias-primas. A sustentabilidade também é um fator importante para nós. Tudo o que precisamos, vamos buscar a fornecedores mais próximos”, conta.

Inaugurada há mais de uma década, a unidade de produção da gelataria portuguesa, com origens italianas, surgiu numa altura em que era necessário aumentar a capacidade face às necessidades das lojas que se foram multiplicando ao longo dos anos. Hoje, contam-se 13 espaços, distribuídos entre Cascais, Lisboa (mais recentemente no Cais do Sodré) e no Porto – um deles está localizado na dianteira da fábrica.

Foi em Milão que Attílio Santini iniciou a experiência no ramo da geladaria (Hugo Amaral/ECO)

Toda a matéria prima que chega à fábrica transforma-se em “Santini”

Na central, os trabalhos começam logo pelas 7h da manhã, uma hora mais tarde para a equipa de logística. Lá, trabalham 23 pessoas, equipa que, por norma, tende a aumentar até aos 28 membros, uma vez que o negócio do gelado é sazonal e no verão, o ritmo de produção é o “quádruplo” comparativamente ao inverno, revela Vítor Campos, responsável pela sala de produção final. Nas lojas, o reforço laboral chega aos 40% entre junho e agosto.

Na receção, chegam, por mês, cerca de 14 mil toneladas de matérias-primas consumíveis, como leite, açúcar ou gemas, e perto de seis toneladas de fruta. Todos estes bens são depois divididos por categorias pelas respetivas salas de armazenamento.

Toda a matéria prima que chega à fábrica transforma-se em “Santini” (Hugo Amaral/ECO)

Enquanto as frutas seguem para a fase de limpeza e descascamento, processo que ocorre numa das “salas mais importantes da fábrica”, os laticínios e outros ingredientes são armazenados. Certo é que “nos corredores, circulam os colaboradores e tudo o que são matérias-primas circulam entre as salas”, explica Eduardo Santini, durante a visita ao espaço.

Chegada à sala da receita, considerada a “parte principal” da produção, pois é onde são misturados todos os ingredientes, é-nos dada uma garantia: “Toda a matéria-prima que chega à fábrica, quando chega a esta sala, transforma-se em SantiniEsta é a sala do segredo”, explica Elsio Trindade que imigrou do Brasil, em 2001, e dois anos mais tarde começou a trabalhar para a empresa, tendo começado primeiro pela loja, em Cascais, e passado, mais tarde, para a fábrica. “Acompanhei o crescimento da Santini. Hoje, a minha função principal é estar nesta sala” juntamente com mais dois colegas, conta.

Elsio Trindade, responsável pela sala de receita na fábrica da Santini, em Cascais (Hugo Amaral/ECO)

“Existe um espírito familiar entre os donos e os trabalhadores. Por mais que o negócio tenha crescido, manteve-se sempre essa proximidade”, explica, recordando os tempos “acolhedores” na loja. “Na fábrica, a dinâmica é igual”.

Obtida a forma líquida, segue-se para a próxima etapa, onde ocorre a transformação. Na sala de produção final, trabalham sete pessoas que operam dois tipos de máquinas: as produtoras verticais, de origem italiana, e que já estão na Santini “há muito tempo, desde de que o meu avô abriu a loja no Tamariz”, conta o neto herdeiro. Essas, dada a sua antiguidade, exigem que sejam operadas de forma manual, algo que requer “experiência”, conta Vitor Campos, que trabalha na fábrica da gelataria há seis anos.

Eduardo Santos, que integra a equipa há sete anos, já conseguiu apurar essa competência mas, antes de chegar a este posto chegou a ter apenas a responsabilidade de as limpar. “Gosto de trabalhar com estas máquinas”, partilha, explicando que ao longo dos anos aprendeu a conseguir perceber quando o gelado está pronto a sair, só através do olhar: “quando estiver com mais brilho e mais consistência, sabemos que está no ponto. Já fazemos a olho”, garante.

Eduardo Santos (esquerda) e Sérgio Moldonado (direita). (Hugo Amaral/ECO)

Outro é Sérgio Maldonado, que chegou à fábrica há um ano, depois de ter passado quase uma década a trabalhar nas gelatarias. “Nas lojas era sempre a servir, aqui as máquinas são diferentes e existem várias funções e postos diferentes. Não é rotineiro”, conta-nos, enquanto espera que a máquina manual, que mistura uma receita ao seu lado, termine de preparar a próxima levada de gelado sabor “tarde de santini” (mascarpone com bolacha e doce de maracujá).

Do outro lado da sala estão estacionadas as produtoras horizontais, que não exigem tanta força manual uma vez que são mais modernas e têm incorporados sistemas sensoriais que permitem que o seu funcionamento seja automático. Estas já estão com a Santini há 20 anos.

Eduardo Santos a operar uma produtora vertical de gelados da fábrica da Santini, em Cascais (Hugo Amaral/ECO)

“Em média, fazemos, em cada uma das máquinas, entre cinco a sete sabores de gelado diferentes por dia”, explica Vitor, partilhando que o seu favorito é o de “bola de Berlim”.

Naquela sala a palavra de ordem é “comunicação”, mesmo no meio da algazarra do ruído provocado pelas máquinas, e até da música que por vezes é posta a tocar “para atenuar o barulho” das produtoras, detalha o responsável. “É um trabalho muito à base da comunicação”, garante.

Terminada a transformação, segue-se a parte da distribuição que tem como um dos destinos o canal HORECA (hotéis, restauração e cafés). Numa sala provisória, enquanto não terminam os trabalhos de expansão, trabalham três funcionários que enchem entre 22 a 24 caixas de meio litro de gelado que são, posteriormente, embaladas, identificadas e, depois, distribuídas.

2023 foi ano de crescimento e expansão

Em Portugal, a Associação Portuguesa de Empresas Familiares estima que mais de 70% das empresas sejam familiares. Sendo responsáveis por 65% dos empregos, e por mais de 50% da contribuição do setor privado para o PIB nacional. A Santini é uma delas, empregando cerca de 170 pessoas, depois de ter acumulado receitas de seis milhões de euros em 2022.

O caminho a seguir deverá ser um de crescimento, depois de ter sido inaugurada a 13ª loja no Cais do Sodré.

E quanto aos sabores dos gelados? “É difícil dizer pois tem muito a ver com oportunidades e criatividade”, responde. Certo, é que o objetivo é aumentar as vendas através do canal HORECA e apontar para um crescimento de 5 a 10%.

Desde 1949, que o negócio estava nas mãos da família Santini. Depois, essas mãos passaram a ser também apoiadas pela família Botton. Somos uma família ao quadrado. Eduardo Santini Fuertes, Administrador Gelados Santini

Negócio deverá manter-se na família

O caminho traçado pelo avô Santini, embora tenha continuado a ser percorrido pelo filho, abriu por novos caminhos quando Eduardo assumiu as rédeas. E quando a gelataria estava prestes a comemorar 60 anos de vida, Filipe de Botton entrou na equação, adquirindo 50% do capital, em 2009.

“Desde 1949 que o negócio estava nas mãos da família Santini. Depois, essas mãos passaram a ser também apoiadas pela família Botton”, contou Eduardo. Mas enquanto o lado fundador mantém as “mãos” sobre o lado da receita, o outro par gere a parte financeira do negócio. “Somos uma família ao quadrado”, aponta. E, apesar de serem de duas casas diferentes, a “gestão tem corrido muito bem”.

À semelhança de muitas outras empresas, também o capítulo da pandemia foi um um obstáculo para a Santini que embora tivesse sentido “muita preocupação com o futuro da empresa”, considerou que tinha que ser dada uma maior atenção às “pessoas que trabalhavam connosco na altura”.

Eduardo Santini Fuertes e Filipe Botton, 2016 (Paula Nunes/ECO)

Durante os meses mais críticos, a empresa viu-se forçada a terminar os contratos que, na altura, não eram efetivos, sob a promessa de recuperar os trabalhadores quando o período mais desafiante passasse. “Todos esses [trabalhadores], foram chamados uns meses depois”, conta Eduardo Santini, apontando que à exceção “de um caso ou outro”, que por opção própria escolheram não voltar, “todos foram reintegrados novamente na empresa”.

Desde a sua fundação que existe uma “preocupação em manter a gestão” da empresa “em mãos familiares”, sublinha o gestor. E tudo indica que assim deverá continuar e que a sucessão deverá acompanhar o crescimento da empresa, ao contrário do que sugerem a Associação de Business Roundtable e o Instituto Português de Corporate Governance que apontam que as empresas com uma concentração de gestão no líder enfrentam um maior risco de estagnação.

Quanto ao sucessor, essa não é uma preocupação para Eduardo. “As decisões devem ser tomadas de coração e alma. Não pode ser forçado. E, portanto, os meus filhos hão de fazer o crescimento normal e depois se um dia entenderem, seguirão o meu caminho”, aponta.

Tanto o filho de 11 anos, como o de 15, “já têm noção da empresa”, mas foi o mais velho que manifestou interesse “em querer estudar algo que lhe permita continuar com a empresa”. Ainda que o desejo da Santini seja de manter o negócio na família, Eduardo garante que não irá colocar essa pressão sobre os descendentes. “Será com eles”, atira.

Esta reportagem integra a segunda edição do anuário do Capital Verde, Yearbook, já disponível.

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