Aumentos salariais de 5,1% nas empresas públicas sem reforço de verbas? Sindicatos desconfiam. “A sustentabilidade financeira das empresas públicas não é dos trabalhadores"

16 dez 2022, 20:00
Autocarro da Carris (Foto: Nicky Boogaard/Flickr)

Estruturas sindicais esperam que os processos de negociação coletiva com as empresas públicas permitam garantir valores de aumentos salariais acima do definido pelo Governo e mais próximos do desempenho da inflação

A notícia deixou preocupados os sindicatos ligados às empresas públicas. Se um aumento nos salários de 5,1% para 2023 já parecia pouco, as condições para aplicá-lo podem fazer com que nem esse valor seja alcançado. O governo argumenta que as subidas nos salários devem acontecer “salvaguardando a eficiência operacional, a sua sustentabilidade económica e orçamento e respetivos rácios financeiros”.

Ou seja, o Governo deu orientações no sentido de aumentar os salários, mas não é certo que possa existir uma compensação financeira, o que pode pôr em causa outras metas estratégicas. As escolhas estão nas mãos das equipas de administração. Já as estruturas sindicais colocam as fichas na negociação coletiva, com vários processos de negociação a arrancar em janeiro.

Na mesa de negociações

José Correia, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins (STAL), considera que o anúncio de 5,1% “prossegue uma linha de estratégia do Governo”. E confirma que o STAL já fez pedidos para reunir com as administrações de várias empresas públicas no início do próximo ano, para negociar este tema.

Contudo, o número avançado pelo Governo, em linha com o que acontece na Administração Pública, “tem um efeito de condicionar o que seria a atualização livre”. “Se o Governo não reforça aquilo que são os meios que as empresas públicas têm para fazer face ao investimento e salários, isso poderá ser uma desculpa” para não subir os ordenados, completa José Correia.

Até porque os 5,1%, segundo o Governo, têm “em conta todos os efeitos e componentes remuneratórias, incluindo as atualizações salariais, progressões, promoções e subsídio de refeição, entre outros” e excluem “eventuais impactos financeiros que decorram da variação líquida do número de trabalhadores”.

Menor que a inflação

“Um aumento de 5,1% parece enganador. Ainda por cima, porque verificamos uma série de condicionantes. Os trabalhadores estão assustados”, explica Anabela Carvalheira, da Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans), estrutura sindical que representa trabalhadores de empresas públicas como a Carris e o Metro de Lisboa. A Fectrans quer aumentos em linha com a inflação, na ordem dos 10%, e deixa um aviso ao executivo: “a sustentabilidade financeira das empresas públicas é da responsabilidade do Governo, não dos trabalhadores. Tem de ser o Governo a garantir que esses rácios são cumpridos”.

Também Luís Bravo, do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante Atividades Sindicais (SFRCI), que representa os trabalhadores da CP, prefere esperar pelas negociações em janeiro para tomar uma posição, já com uma proposta concreta em cima da mesa. “A notícia de hoje, a ser verdadeira, será uma preocupação. Não augura nada de bom”, afirma à CNN Portugal, tendo em conta valores inferiores ao da inflação em 2022.

Na Caixa Geral de Depósitos, há já uma proposta de aumentos salariais para 2023 em cima da mesa, com um valor médio de 8,3%. O banco público, liderado por Paulo Macedo, ainda não deu resposta a este cenário. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Grupo Caixa Geral de Depósitos (STEC), Pedro Messias, explica à CNN Portugal que, embora o processo de negociação salarial no banco público costume ocorrer de forma autónoma, os 5,1% anunciados pelo Governo servirão “como referência”.

Salários mais altos com o mesmo orçamento?

Também para quem está à frente das empresas públicas, adivinha-se uma difícil negociação para que todas as partes saiam satisfeitas. Mas, como em tudo, há limites. “O Governo está a dar com uma mão e tirar com a outra”, resume à CNN Portugal o presidente do conselho de administração de uma empresa pública, que pediu para não ser identificado. E explica o impacto que esta decisão pode ter no dia a dia da empresa, caso não haja um reforço de verbas por parte da tutela: “Se não tenho aumento de verbas e tenho aumentos de salários, ou dou prejuízos ou não posso ir a todo o lado”.

O resultado esperado, para garantir a componente dos salários neste cenário, diz, será a “deterioração do serviço público”. Porque para conseguir pagar salários mais altos com o mesmo orçamento só há um caminho: as vendas têm de aumentar mais do que os gastos operacionais. O problema é que, no próximo ano, por exemplo, os custos de energia devem pesar ainda mais do que agora.

O processo seguirá, em cada empresa, através da negociação coletiva. “Sem prejuízo das situações em que os instrumentos de regulação coletiva de trabalho ou outras determinações legais já garantam ou ultrapassem o objetivo de valorização”, concretiza o Governo.

A CNN Portugal contactou o Ministério das Finanças para perceber se o Governo iria transferir verbas adicionais para o setor empresarial do Estado, de modo a compensar esta decisão de aumentos mínimos de 5,1% nos salários do próximo ano. Até à publicação deste artigo, não foi recebida qualquer resposta.

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