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A mensagem para Rui Costa: "Age rápido antes que os sócios do Benfica te façam a cama"

30 out 2023, 22:23

A mensagem desta semana do “Rui Santos em Campo” é para o presidente do Benfica, Rui Costa. Onde se fala de deslumbramento e da má “gestão do êxito” da época passada

Caro Rui Costa,

Não vale a pena ignorar que tens um problema para resolver, se rapidamente a equipa do Benfica não começar a mostrar futebol compatível — em resultados e exibições — com o investimento feito, nomeadamente para esta temporada.

Na época 2022-23, depois de gerida positivamente a turbulência registada no período após a saída de Luis F. Vieira do Benfica, tudo te saiu bem: a contratação de um treinador com uma imagem séria, Roger Schmidt, no início de um ciclo em que era exigível dar um sinal de mudança; a acomodação de uma “estrutura invisível” baseada no eixo que criaste no Futebol com Lourenço Coelho; a contratação de jogadores que rapidamente se adaptaram a um registo de competitividade, como foram os casos de Enzo Fernandez, Aursnes, Neres e Bah, este depois de vencer a concorrência de Gilberto; a rápida afirmação do modelo de jogo rapidamente imposto por Roger Schmidt, construído em cima de uma ideia de exigência que os jogadores souberam e quiseram acompanhar.

Resultado disso foi a exteriorização de um tipo de futebol absolutamente eloquente por parte da equipa do Benfica, que lhe permitiu obter bons resultados na Liga e na Liga dos Campeões.

Há um ano, o Benfica voava em Portugal e na Europa e todos se lhe renderam. Tal era a eloquência da organização, da dinâmica e da qualidade de jogo que cheguei a sugerir a prorrogação do contrato de Schmidt, porque — com tão boa capacidade de resposta — era previsível que algum “tubarão” europeu pudesse mostrar interesse em contratar o alemão.

No último dia de Março deste ano, portanto com a época passada a caminhar para a sua parte final, decidiste — e bem — prorrogar o contrato (que terminava agora em junho de 2024) até 2026, oferecendo a Roger Schmidt condições muito aliciantes - o dobro do salário que auferia.

Essa renovação, que hoje muitos adeptos já contestam - é sempre assim no futebol, quando os resultados não são os que se pretendem — teve correspondência na conquista do título e na realização de uma Liga dos Campeões muito positiva. O Benfica chegou a estar ao nível do futebol praticado pelas melhores equipas europeias.

Contudo, a visão luminosa do futebol do Benfica ofuscou algumas decisões importantes na preparação da presente época, e aí, admito, pode ter havido algum deslumbramento e excesso de confiança.

Os processos que culminaram com as saídas de Grimaldo e Gonçalo Ramos penalizaram demasiadamente o Benfica. Houve mais do que tempo para procurar melhores soluções do que Jurásek e Arthur Cabral e o que interessa, neste momento, é que o Benfica não tem um lateral esquerdo e um ponta-de-lança à altura das suas necessidades e exigências. E Schmidt, em vez de ser um treinador com ideias bem claras, passou a ser um testador (um técnico de testes), experimentando soluções atrás de soluções, contribuindo para uma certa imagem de pré-falência do campeão.

Não havendo fluidez pelo corredor e um jogador que, na frente, marque golos e pressione — como o fazia tão bem Gonçalo Ramos — a consistência coletiva do Benfica foi-se perdendo, ao ponto de um plantel valioso parecer agora insuficiente.

Creio, meu caro Rui, que em cima deste deslumbramento, não duvidando da tua boa-fé, cometeste dois erros, em momentos distintos, que ajudaram a fracturar a coesão e o espírito da equipa: a forma como foram apresentados Kokçu e Di María.

Podem ter sido momentos de um certo êxtase para os adeptos (nomeadamente o regresso do argentino à Luz e a forma endeusada como foi exibido na Luz), mas os jogadores são bichinhos-de-seda muito sensíveis e, quando acham que são ou foram vitais na soma de objetivos, não gostam que apareçam supostas vedetas a ofuscar o brilho das suas conquistas individuais e coletivas.

É assim em todo o lado (até nas empresas); é sempre assim no futebol.

A atribuição do número 10 a Kökçü, que havia sido suspensa (em 2022-23) após a morte de Chalana, foi um erro que passou quase despercebido, apesar de ter sido nesta tribuna assinalado.

Surpreende-me, caro Rui, com tanta experiência de balneário, que não tivesses feito o suficiente para manter o balneário debaixo do efeito da força colectiva e da coesão do grupo de trabalho, permitindo que Di María e Kokçu passassem a ter um estatuto diferente de todos os outros.

“Olha, olha, as novas estrelas do nosso firmamento”! Pois.

Sabes melhor do que ninguém, caro Rui, que quem dá o litro, que quem corre em nome de uma ideia de sucesso — e o futebol de Schmidt apelou desde o princípio a um compromisso físico e mental insuperáveis, face à aposta numa pressão alta muito efectiva - não gosta muito de — como dizer? —extrapolações cénicas como aquelas que rodearam Kökçü e Di María.

Estão pois encontradas duas razões a explicar a instabilidade que se apoderou do futebol do Benfica: (1) má gestão do sucesso; (2) saídas do plantel mal compensadas.

Na primeira época, o treinador foi a estrela maior e os jogadores foram os satélites de uma ideia com muita luz; na segunda época, Di María e Kökçü ultrapassaram rapidamente o estatuto de Schmidt e da própria equipa e sabes muito bem o que isso significa: perda de confiança e a instalação do regime do “deixa andar”.

É isso que não podes permitir.

O Benfica está a pagar demasiadamente bem a Roger Schmidt.

O Benfica está a pagar demasiadamente bem à generalidade dos jogadores do plantel, a quem não lhes falta nada. Mas NADA mesmo: condições de trabalho, apoio e estádios cheios, dinheiro a jorros.

Impõe-te, Rui. Não te percas na tua bondade e otimismo, exige e dá um murro na mesa, reorganiza a comunicação e lembra-te que a Mística, a velha mística do Benfica, tão mal tratada neste tempo de placas giratórias de jogadores, dirigentes e empresários, subordinadas aos caprichos do mercado e de quem o alimenta, faz ganhar muitos jogos.

Tens António Silva e tens João Neves; tens as heranças dos Bernardos e dos Cancelos, tens a tua experiência, por isso te pergunto: o que estás à espera para impor uma forma de estar mais profissional no Benfica? É preciso dar o exemplo dos “Boavistas” e dos “Petits” do nosso futebol, que sem dinheiro competem até à última gota de suor, em nome do emblema e de uma ideia de profissionalismo inegociável?

Achas que Schmidt também se deslumbrou com o ‘jackpot’?

Age, Rui, não fiques à espera que os sócios do Benfica te façam a cama e te façam pagar esta aparente passividade.

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