PSD e Chega tinham encontro marcado em Viseu, mas Ventura rezou e Rio até teve sorte ao jogo

19 jan 2022, 21:24

Arruadas começaram com 30 minutos de diferença e acabaram sem que as comitivas se tivessem cruzado. Coincidência? O aceleramento de André Ventura para rumar à Guarda e o descanso de Rui Rio na última pastelaria da rua da Paz mostram que não

No antigo Cavaquistão, André Ventura quer deixar marca, nem que seja pelo barulho. É tarde de quarta-feira e a praça da República está dividida ao meio. De um lado, o camião do Chega sai do estacionamento improvisado no meio da praça, do outro os homens de Rui Rio montam o palco para a sessão temática (que no tempo de Cavaco se chamava comício), marcada mais para o fim da tarde, ao som que sai dos altifalantes da caravana adversária -"O Chega está a chegar".

E chegou à terra de Viriatos, onde tinha à sua espera cerca de duas dezenas de apoiantes - sobretudo homens -  equipados com cachecóis, sacos e máscaras com os logos do partido. A pequena multidão rapidamente engoliu o presidente do Chega entre gritos de apoio e tentativas de selfie. André Ventura agradeceu o apoio, de dedo em V em riste, mas sobre a presença do PSD, mesmo ali ao lado, nem uma palavra. Era hora de dar início à arruada e não havia tempo a perder. Rapidamente se percebeu porquê.

Os 14 arruamentos por onde passou, como se estivesse a percorrer a Via Sacra de Jesus para a Cruz - teve paragem na Igreja da Misericórdia para rezar -, levaram pouco mais de 45 minutos a fazer. Houve algumas paragens alguns momentos de encontro com apoiantes, mas sempre, sempre, em passo rápido. Refira-se que foi uma Via Sacra sem as três quedas de Cristo, nem com um desfecho na cruz.

André Ventura reza durante ação de campanha em Viseu [Nuno André Ferreira/LUSA]

A passo rápido, Ventura não se deu conta de que, na sua comitiva, mais atrás, seguia um casal de idosos em passo mais lento - aquele vagar da idade - e que a senhora segurava duas bandeiras: uma de Portugal e outra... do PSD. "A bandeira não quer dizer nada. Recebi-a porque me deram, mas estou pelo Chega. Já nos disseram que no dia 30 a lista não tem lá a fotografia, mas que é onde diz Chega, é o primeiro da lista. E é por eles que vamos votar", justificaram-se.

A máquina de propaganda estava montada. Panfletos distribuídos pela comitiva enquanto Ventura abordava quem passava ou tentava entrar nos estabelecimentos. "Então, sem máscara não", dizia um empresário de uma loja na rua da Vitória quando o líder do Chega tentava meter o pé para dentro da porta.

Uma rua Formosa e um desvio à esquerda

Partido de extrema-direita, os desvios à esquerda não são bem vistos, mesmo quando necessários. E os dois que teve de fazer, enquanto subia para o adro da Sé, não passaram despercebidos pelo líder do Chega. "Virar à esquerda? Então?", gracejou André Ventura, enquanto os apoiantes chamavam pelo seu nome pela Rua dos Olivais. 

Seguindo pela geografia da arruada, a rua finda-se e, quando a comitiva se preparava para virar à direita, a onda laranja já estava parada no lado oposto, junto ao Largo Santa Catarina. A arruada do PSD tinha arrancado às 15:30 da rua Direita e, de imediato, o Chega voltou a virar à esquerda e seguiu caminho. Cruzar partidos e caminhos em Viseu não estava nos planos das comitivas. E, quando há planos não há imprevistos. 

André Ventura durante ação de campanha em Viseu [Nuno André Ferreira/LUSA]

O restante do percurso - todo feito debaixo de gritos contra a corrupção e que até teve direito a um bailinho da Madeira adaptado - foi feito sem grandes paragens sem ser a Sé e a declaração aos jornalistas marcada para as 17:15 até arrancou 20 minutos antes.

Medo do líder social-democrata? Ventura garante que não: "Se Rui Rio aqui chegar, cumprimentá-lo-ei sem problema. Se encontrasse Rui Rio aqui em Viseu o que lhe perguntaria diretamente é como é que deixou a saúde em Viseu chegar a este estado".

Rio e o desejo que as caravanas não se encontrem

A coincidência das arruadas passarem pela mesma rua foi, de facto, apenas uma coincidência, mas o não cruzamento das caravanas foi propositado. Em Viseu, a arruada do PSD estava marcada para as 15:30 no fim da Rua Formosa e a do Chega para as 16:00 na ponta oposta. Ambas estavam definidas desde que o plano de campanha foi fechado, na segunda semana de janeiro. O que não estava programado, mas passou a estar, era o atraso de uma e a antecipação da outra. Pelo menos, foi o que disse Rui Rio aos jornalistas.

“Não sou eu que estou na organização das coisas, mas a informação que eu tenho é que a arruada do Chega era mais cedo e que a nossa empurrava um bocadinho para mais tarde”.

Rui Rio na arruada em Viseu [Foto: Tiago Petinga/LUSA]

Estava esclarecido o atraso de meia hora. Ainda para mais, o líder do PSD não é de se atrasar nos eventos de campanha. O que significa que a comitiva laranja também fez de tudo para não colidir de frente com a da extrema-direita. Desviaram, atrasaram e protelaram. Mas e se tivesse acontecido?

"Se o encontrar não me faz diferença nenhuma, seja quem for. Agora, é desejável que as caravanas não se encontrem", referiu.

Rio, que estreou uma máscara nova, uma FFP2 de cor laranja e com o símbolo do PSD, estava tranquilo. Afinal de contas, Viseu é o quarto melhor distrito dos sociais-democratas a contar com a Madeira. Nas legislativas de 2019, o PSD conseguiu 36,24%. O Chega teve 0,97%.

Raspadinha para "mudar a sorte"

Se Setúbal e Castelo Branco foram fracas em mobilização, na cidade de Viriato, Rui Rio contou com o legado laranja para uma arruada forte pelo comércio local. O momento alto da caminhada foi quando o presidente do PSD se cruzou com mais uma Casa da Sorte e... entrou.

Como tem pedido sentido de humor nesta campanha, o cabeça de lista Hugo Carvalho fez-lhe a vontade e apresentou-lhe “A raspadinha mais socialista de Portugal”. Uma raspadinha que tinha como objetivo descobrir o que saiu em 2021 e o que era preciso mudar na sorte em 2022.

Rio raspou a cobertura cinzenta e encontrou na primeira linha a cara de António Costa, acompanhada da legenda “Piores serviços públicos”, na segunda apareceu o ministro Pedro Nuno Santos e ao lado a frase “IP3 e Ferrovia pendurados”. Já no terceiro retângulo cinzento, que dizia “Mude de sorte”, lá estava a fotografia de Rio com a legenda “Vontade para melhorar a vida dos portugueses”. O proprietário desta Casa da Sorte ainda tentou convencer o presidente do PSD a jogar na lotaria, mas sem sucesso. A lotaria não estava preparada para ter graça.

Raspadinha socialista [Foto: João Pedro Domingos/PSD]

“Eu só jogo no totoloto e pela Internet. Se me sair um prémio eu tenho de ter um registo, senão ainda começam a contar histórias”, explicou a rir-se.

Terminado o jogo da sorte e do azar, a arruada seguiu num ambiente pacífico, ou não estivesse Rui Rio na Rua da Paz, onde descansou numa pastelaria enquanto três acordeões e um tambor animavam a caravana e, ao fundo, se via o camião do Chega a desmobilizar em silêncio.

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