Rem Koolhaas, arquiteto da Casa da Música. "Em todos os meus edifícios, o que tento é escapar"

CNN , Gisella Deputato e Thomas Page
14 abr, 18:00
Rem Koolhaas (CNN)

Com obra espalhada por todo o mundo, incluindo em Portugal, concretamente no Porto, Rem Koolhaas explica a sua longa relação com o Catar nesta entrevista. E traça como será o futuro da arquitetura, para responder às exigências da sustentabilidade e do clima

Rem Koolhaas está sempre à procura de uma saída. O arquiteto vencedor do Prémio Pritzker – que assina o edifício da Casa da Música no Porto, a sede da CCTV em Pequim ou o De Rotterdam na sua cidade natal nos Países Baixos – é dado à claustrofobia. Por isso, não quer correr o risco de provocá-la nos seus próprios edifícios. Este medo levou Koolhaas a dar novas formas aos horizontes, puxando os edifícios para cima e para fora, e a deixar espaços abertos e simples nos modernos exteriores das suas criações. “Em todos os meus edifícios, o que tento é escapar”, disse à CNN.

Desenhada em 1999 e concluída em 2005, a Casa da Música é um projeto do gabinete OMA que marca a diferença. Localizada no Porto, em Portugal, em seu betão branco, parece uma joia tosca, um mundo à parte dos edifícios que a rodeiam. No interior, o auditório tem lugar para 1.300 convidados. A sala de concertos renuncia a elementos de design tradicionais, como um grande foyer (Fishman/ullstein bild/Getty Images)

Rem Koolhaas e bibliotecas: esta não é uma combinação óbvia. A imagem comum das bibliotecas – labirínticas, abafadas, mal iluminadas – dificilmente se alinha com as sensibilidades estéticas do arquiteto. “A iluminação típica das bibliotecas é profundamente desagradável”, observou. Ainda assim, a Biblioteca Pública de Seattle, concluída em 2004, é uma das suas obras mais conhecidas. E quando desenhou a Biblioteca Nacional do Catar rasgou, uma vez mais, o livro de estilo. Sendo aberta e arejada, jamais diria que alberga mais de um milhão de livros debaixo do seu teto inclinado. Mesmo que muitos estejam tão claramente à disposição.

O edifício em Doha foi inaugurado em 2018. Foi aqui que a CNN conversou recentemente com o reconhecido sócio fundador do gabinete internacional de arquitetura OMA.

O Catar, na Península Arábica, é a casa de cerca de três milhões de pessoas, na sua maioria expatriados. Koolhaas tem tido vários projetos aqui. E diz que, de todos os locais onde trabalhou, é “provavelmente” o país com que tem “uma relação mais longa”.

E até poderia ter começado mais cedo. No final dos anos 1990, o arquiteto japonês Arata Isozaki estava a trabalhar com uma pessoa importante naquele país quando chamou Koolhaas. “Perguntou-me se queria desenhar uma cabana para um cavalo”, recorda o holandês. “Era muito puritano. Disse: ‘Uma cabana para um cavalo? Nunca’. Agora, como tenho estado aqui mais tempo, tomei consciência de que teria sido uma oportunidade fantástica”.

Com 42 mil metros quadrados, a Biblioteca Nacional do Catar contém mais de um milhão de livros. Situada no campus académico Education City na capital Doha, a biblioteca levou cinco anos a ser construída, sendo concluída em 2017 (Iwan Baan/OMA)

Arquiteto-estrela? “Odeio”

Não é uma surpresas, visto que este é o homem que escreveu, em 2004, que era preciso “matar os arranha-céus”: Koolhaas não acredita que a altura seja o princípio e o fim no que respeita à criação de lugares. “Ainda penso que os arranha-céus não são, necessariamente, a tipologia mais interessante que é possível imaginar”, disse. Existem outras formas de consolidar um destino: aeroportos, museus, e sim, bibliotecas.

O gabinete de arquitetura OMA, liderado por oito sócios, desempenhou um papel nas histórias das nações que têm ganhado destaque global – não apenas no Catar. China, Colômbia, Arábia Saudita. A empresa tem produzido um trabalho significativo em todos estes países. Contudo, apesar de ter dedo em todas estas narrativas, Koolhaas está feliz de abdicar dos projetos assim que estão concluídos.

“Uma vez que um edifício existe independentemente da minha existência, não o considero meu. Quase me esqueço que fui uma das pessoas que teve um papel importante na sua criação”, explicou.

De camisola de gola alta e calças pretas (Koolhaas tem uma longa relação com a Prada), irrita-se com a referência à expressão “starchitect”, arquiteto-estrela, um título que o persegue há décadas. “Odeio. Odeio porque é uma caricatura total. Diz, basicamente, que somos uma pessoa péssima, que pisamos os outros, que não temos interesse nos clientes, que somos difíceis de lidar, um pesadelo”, lamentou.

“É uma forma de crítica preguiçosa, porque acho que haveria muito mais a dizer”, acrescentou Koolhaas. “A expressão ‘arquiteto-estrela’ é tão superficial, quando comparado com o nível de envolvimento que implica construir algo. ‘Ok, ele cai de paraquedas, faz um truque e desaparece’. Cada edifício dá muito trabalho. Não o digo como forma de vitimização, mas dá muito trabalho”.

Koolhaas no exterior da Biblioteca Nacional do Catar. "Cada edifício dá muito trabalho”, afirmou. “Não o digo como forma de vitimização, mas dá muito trabalho”. (Cortesia OMA)

Koolhaas tem pensado, de uma forma extensiva, nos últimos anos, sobre o uso do espaço e dos recursos. “Countryside: The Future”, exposição que liderou no Guggenheim Museum, em Nova Iorque, em 2020, mostrou como o campo experimentou mudanças radicais para tornar possível a urbanização. Argumentou que o campo se tinha tornado um depósito de lixo para as estruturas de que a cidade precisa para sobreviver, mas com as quais não consegue lidar – como centros de armazenamento de dados. Como arquiteto que tem sido chamado para trabalhar a larga escala, foi um período de grande reflexão.

A própria cidade precisa de ser repensada, argumentou. “Em última análise, se queremos levar a sério a questão da sustentabilidade, do clima, penso que entraremos talvez num período onde os horizontes das cidades se vão tornar menos heterogéneos”, disse. Tal significa menos edifícios extremamente altos, alinhados também de forma extrema. “Consigo também imaginar que haverá uma distribuição mais igualitária pela cidade e pelo país. Prevejo – mas é uma previsão muito perigosa – que haverá novas formas de habitar o campo, mas de uma forma mais responsável”.

Há muito que Koolhaas é um destacado filósofo da arquitetura, mas também um precursor e uma presença crítica e contraditória. Como antigo jornalista, continua a escrever com intensidade, “uma vida dupla”, classificou, onde “pode fazer e escrever o que quiser”, de forma independente do seu gabinete.

“Tem sido igualmente entusiasmante continuar a escrever”, explicou. “E a pensar sobre matérias que nada têm a ver comigo, que são simples comentários ou perceções sobre o estado em que se encontra o mundo; sobre como estão a mudar as culturas ou visões sobre as relações humanas”.

A sede da Qatar Foundation em Doha. “Este é o único lugar onde a ambição superou, de forma constante, o meu ceticismo”, afirmou Koolhaas sobre o Catar (Delfino Sisto Legnani/Marco Cappelletti/OMA)

Contudo, a indústria tem pouco espaço para ideólogos, exigindo pragmatismo e, ocasionalmente, deferência às forças do mercado.

Koolhaaas contou que, no passado, desempenhavam em grande parte uma função cívica, trabalhando para organismos públicos. O canto da sereia do setor privado começou na altura em que entrou na profissão, durante a ascensão política de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, no final da década de 1970 e nos anos 1980.

“O período do neoliberalismo que desencadearam teve, claro, um enorme impacto na arquitetura”, disse. “De uma forma muito subtil, corroeu a plausibilidade de um arquiteto, porque agora já não podemos mais dizer ‘estamos a fazer isto para as pessoas’ ou ‘estamos a fazer isto para o seu bem-estar’. Começámos a trabalhar para indivíduos que têm as suas próprias ambições pessoais”.

Apesar da estrutura de poder centralizada do Catar, liderado por um emir que assinou o seu projeto National Vision 2030, Koolhaas nomeia o país como um lugar de contrastes, argumentando que há um lado cívico no trabalho que é desenvolvido. “Claro que são planos privados, mas o estado do Catar é muito forte e tem ambições muito bem definidas. E isso, como arquiteto, é algo com que - e para o qual - podemos trabalhar”, argumentou. “Este é o único lugar onde a ambição superou, de forma constante, o meu ceticismo”, acrescentou.

Sede da CCTV em Pequim, China. Foi concluída em 2012, marcando um novo capítulo para a cidade a nível arquitetónico. A sua silhueta é completamente diferente dos edifícios retangulares que atravessam Pequim. Ao jogar com o chamado espaço negativo, assume uma posição: a de que a arquitetura é mais do que a sua densidade populacional (Philippe Ruault/OMA)

A relação segue, com o gabinete OMA a desenhar o próximo Qatar Auto Museum, [dedicado ao setor automóvel]. O museu de 30 mil metros quadrados, no lugar onde se realizou, em 2011, o Qatar Motor Show, ainda não tem uma data para a sua conclusão. Contudo, é um símbolo que encaixa bem nas ambições de um estado petrolífero que caminha no sentido de uma economia do conhecimento. Neste edifício, esperam-se os traços habituais: linhas simples, uma irreverência divertida, as referências às formas locais.

Koolhaas pode estar sempre à procura de uma saída. Mas não daqui.

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