Quanto tempo leva a formar um soldado? Este é o processo que transforma cidadãos em máquinas de guerra

5 abr, 08:00

Formar soldados não é um processo rápido poderá levar de seis meses a um ano e quanto mais tempo passar maior será a confiança, entreajuda e camaradagem entre as unidades, algo que, como explicam os majores-generais Isidro Morais Pereira e Agostinho Costa, pode ser fulcral no campo de batalha. Os especialistas lembram ainda que há uma diferença clara entre armar uma população e criar um exército

Perante a ameaça russa e a instabilidade no Médio Oriente, o serviço militar obrigatório voltou a ser um dos temas debaixo dos holofotes. Num artigo de opinião publicado no semanário Expresso, o Chefe do Estado-Maior da Armada defendeu uma “nova resposta” que não reutilizam de um modelo caduco da obrigatoriedade militar, acrescentando que é necessário "dar uma resposta que seja uma resposta do próprio país”.

O almirante Henrique Gouveia e Melo sentiu, no entanto, a necessidade de “alertar para um perigo iminente”, considerando que a falta de operacionais "é um problema", mas referindo que "depois há outro problema que é a capacidade de mobilizarmos rapidamente a população para nos defendermos em caso de necessidade extrema". Mas, quanto tempo é preciso e como passa um padeiro, deputado, bancário, taxista ou jornalista a transformar-se numa máquina de guerra ou, baixando a fasquia, num soldado que seja efetivamente útil no campo de batalha sem que torne carne para canhão nos primeiros dias?

No pior dos cenários - irrealista e sem qualquer indício que venha a acontecer -, em que Portugal é invadido por um dos países fronteiriços, ou seja, Espanha ou Marrocos, e exista uma mobilização de emergência serão precisos no mínimo seis meses para transformar um civil num soldado de infantaria. O major-general Agostinho Costa explica que neste período os homens ou mulheres aprenderam "os ‘tactics, techniques and procedures’ [táticas, técnicas e procedimentos em português], onde ficaram a saber, por exemplo, manusear uma arma, usar técnicas de camuflagem, a estar em cenários em campanha e guerra, a movimentar-se no terreno", o experiente militar alerta, no entanto, que estes recrutas só estarão preparados para fazer parte da infantaria.

"Este é o treino individual, mas um militar é parte de um sistema. Só nos filmes, é que o Rambo acaba com uma guerra sozinho. Para se ter uma unidade composta serão sempre precisos mais do que estes seis meses. No caso russo, foram precisos seis meses e têm serviço militar obrigatório”, alerta Agostinho Costa.

O também major-general Isidro Morais Pereira não é tão otimista garantindo que "seria preciso pelo menor um ano" até que fossem treinadas unidades capazes de ser úteis no campo de batalha e lembrando que a "confiança nos generais e nos camaradas levam tempo a surgir".

Para além de todas dificuldades inerentes a uma mobilização de emergência, acrescenta-se ainda o facto de "Portugal não ter armas, equipamentos e até fardas de reserva", como lembra Agostinho Costa. Isidro Morais Pereira concorda que "não há equipamentos suficientes" e teoriza que, na melhor das hipóteses, "a indústria têxtil nacional conseguiria produzir as fardas necessárias, mas Portugal não tem fábricas produtoras de espingardas automáticas".

"Num cenário hipotético sem qualquer indício de vir a acontecer, imagine-se que somos invadidos por Marrocos, nunca vai levar apenas 15 dias a fazer-se uma mobilização. Precisamos sempre de algum tempo, não se prepara um exército em 15 dias. Seria repetir o erro que aconteceu em França na I Guerra Mundial, em que se preparou, em Tancos, uma unidade em 15 dias", recorda o major-general Agostinho Costa, acrescentando que há uma alternativa: "Distribuir-se armas à população, como fez a Ucrânia, mas isso não é um exército".

Agostinho Costa cria ainda um cenário em que um cidadão comum, um homem ou mulher na casa dos 30 anos, é convocado na mobilização.

Treino Básico

A RECRUTA

Tudo começa na convocatória para o serviço militar, depois "chega ao centro de recrutamento e perguntam-lhe o que quer ser e responde que quer ser paraquedista". Segue-se a recruta, "um treino inicial para os procedimentos básicos e para adaptar ao ecossistema militar", como explica o major-general Agostinho Costa.

Isidro Morais Pereira explica que da recrutas os recém-chegados saem a com um conjunto de tarefas que todo o militar deve dominar como disparar uma pistola, uma espingarda automática, movimentar-se no terreno, procurar abrigo, uma formação militar geral

É aqui que o cabelo é rapado (no caso dos homens), aprende-se a marchar, como vestir a farda devidamente, a fazer a higiene pessoal ou até como não ter bolhas nos pés em combate, a movimentação no terreno, técnicas de primeiros socorros, métodos de camuflagem e até como criar abrigos no terreno. Dura entre dois a três meses.

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

Na segunda fase de preparação, é atribuída uma especialização que, "em geral, vai ao encontro das preferências do militar", como recordo o Morais Pereira, acrescentando que, "no Exército há inúmeras possibilidades desde atirador de infantaria à guarnição de morteiros, passando por operador de metralhadoras pesadas".

No caso da especialidade de paraquedista, Agostinho Costa explica que, neste momento da preparação, que os recrutas aprendem a subir para o avião, a saltar da aeronave, a abrir o paraquedas. Duração pode variar de um mês e meio a três meses.

TREINO DE COMBATE

 

Neste módulo, dizem ambos os majores-generais, o objetivo é ensinar aos recrutas a combater em conjunto.

Isidro Morais Pereira explica que é nesta fase que o militar é integrado numa unidade e que o treino é composto por operações ofensivas e defensivas, patrulhas e missões de reconhecimento.

De acordo com Agostinho Costa, toda a preparação é centrada na formação das unidades militares e é aqui que são incutidas as moções de movimentação em grupo, tiro em grupo ou salto de paraquedista em grupo.

"Estas unidades, posteriormente, acabarão por formar batalhões compostos por cerca de 600 homens", explica Isidro Morais Pereira.

Esta é a fase mais longa do processo de formação, podendo variar o tempo de duração, mas, em geral, nunca é menos do que três meses.

TREINO DE TERRENO

Esta última etapa não se aplicará em cenários em que Portugal seja invadido e destina-se, sobretudo, a unidades que sejam destacadas para cenários adversos e específicos, como explica Agostinho Costa, dando como exemplo o Afeganistão.

Caso não se trate de uma mobilização de emergência, este é último capítulo antes de se colocar o treino em prático num cenário real de combate e tendencialmente não dura menos do que seis meses, juntando ao treino de combate, em que se formam as unidades.

Serviço militar obrigatório: o método que só serve para "encher as paradas com pessoal fardado"

Agostinho Costa vai ao encontro das palavras do almirante Gouveia e Melo que rejeitou a ideia de que a implementação do serviço militar obrigatório (SMO), no entendimento do major-general esta solução só "servirá apenas para encher as paradas com pessoal fardado e uma unidade é muito mais do que isso".

Isidro Morais Pereira lembra "em situações em que surge uma ameaça a médio ou longo prazo é sempre preferível optar pelos homens e mulheres que estão na reserva, porque é muito mais rápido do que mobilizar civis". No entanto, os países que apresentam maior número de reservistas como Israel ou Finlândia têm SMO.

"Quantos mais militares estiverem na vida civil, com formação militar completa, mais preparado estará o país, porque basta duas ou três semanas de atualização para novo armamento ou tecnologia e estão prontos para o campo de batalha. A Finlândia tem uma capacidade de mobilização incrível. São capazes, num estalar de dedos, de formar um exército com 200 mil homens e, numa questão de semanas, com 800 mil", explica o major-general Morais Pereira, acrescentando que Portugal poderá reimplementar o SMO perante uma ameaça externa: "Em 2004, quando o SMO foi abolido, ficou sempre na lei que poderia ser restituído em caso de necessidade imperiosa".

Em tom de fecho, o major-general Agostinho Costa aponta ainda outra certeza caso o Ocidente entre em conflito com a Rússia: "Certo é que nunca teremos capacidade para travar uma guerra destas sem aliados. Isto é uma guerra de ricos."

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