Sócrates, Seguro, Costa. As manobras e apoios que os fizeram chegar ao topo do PS

16 dez 2023, 08:00

Pedro Nuno Santos, José Luís Carneiro ou Daniel Adrião. Um dos três será confirmado este sábado como o nono secretário-geral do PS. O militantes decidem. Recordamos como três outros socialistas chegaram ao topo do partido nos últimos anos

É o tempo das redes sociais, da presença constante, das acusações duras. Mas será que esta intensa disputa interna protagonizada por Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro é algo nunca visto na corrida à liderança do PS? Quando se regressa no passado, percebe-se que não. Os contornos até podem ser diferentes, mas as bases das discussões e dos ataques tendem a ser semelhantes. Assim como a mensagem de união após a divulgação dos resultados. Mostramos-lhe como José Sócrates, António José Seguro e António Costa chegaram a secretários-gerais do PS. E como, ao longo do tempo, os apoios se foram moldando.

José Sócrates: 2004

O Presidente da República Jorge Sampaio convoca eleições antecipadas para resolver o impasse político após a saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia. Eduardo Ferro Rodrigues anuncia, no mesmo dia, que não seguirá como secretário-geral do PS.

Na altura, já José Sócrates era visto como o nome certo para a sucessão. Há muito que se vinha preparando esse caminho. Em 2003, por exemplo, o primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar quis condecorar António Guterres, no Palácio da Moncloa. Na comitiva que seguiu até Madrid estava Sócrates. No jantar que se seguiu à distinção, Guterres apresentou Sócrates como o próximo líder do PS em Portugal.

O ex-ministro do Ambiente riu-se. Dizia não ter essa pretensão. Faltava-lhe “o talento e as qualidades que um primeiro-ministro deve ter”. “É uma vida horrível que eu não desejo. Ministro é o meu limite”, confessou ao Diário de Notícias. Mas, no PS, reconheciam-lhe a experiência governativa em várias pastas, a presença mediática, a capacidade de negociação, o traquejo político e o respeito no partido. Criou-se um grupo à sua volta, os “socráticos”. E a ideia ganhou força, sobretudo quando a liderança de Ferro foi afetada pelo escândalo de pedofilia na Casa Pia.

Quando se colocou o momento da sucessão, Sócrates havia de tentar que António Vitorino, um nome consensual no PS, avançasse. Na altura, António José Seguro também ponderou. Mas acabou por ser o próprio Sócrates a dar esse passo. E porquê? Porque tinha um apoio decisivo na máquina socialista: Jorge Coelho.

O círculo inicial – com Armando Vara, Renato Sampaio, Fernando Serrasqueiro, José Lello, Laurentino Dias, Luís Patrão, Pedro Silva Pereira, Ascenso Simões ou Edite Estrela – foi-se alargando. Juntaram-se Jaime Gama, Francisco Assis ou António Costa.

Em setembro de 2004, Sócrates consagra-se o sexto secretário-geral do PS, com praticamente 80% dos votos. Mas não esteve na corrida sozinho. Antes pelo contrário, contava com dois adversários de peso: Manuel Alegre e João Soares.

Alegre explicava, na altura, que a candidatura era feita num contexto de “crise política, social e económica no país”, para que se soubesse “qual o projeto do PS para o país”. O histórico dizia que os adversários “não estão dentro do partido”, embora admitisse um “combate desigual”. A seu lado tinha Maria de Belém. Hoje, Manuel Alegre apoia Pedro Nuno Santos, Maria de Belém está ao lado de José Luís Carneiro.

A divisão interna desfez-se logo na noite em que José Sócrates foi confirmado como secretário-geral. A festa foi no Hotel Altis, um espaço simbólico para o PS em noites de eleições, com a presença dos apoiantes mais mediáticos. António Costa também estava lá. Na primeira declaração, sem direito a perguntas dos jornalistas, Sócrates dizia ter “consciência do valor da unidade”. A Alegre e Soares, garantia: “Conto com eles, o PS conta com eles para travarmos as batalhas políticas que vamos travar”.

Sócrates havia de ser reeleito mais duas vezes, sempre com votações acima dos 90%. As candidaturas opostas foram-se posicionando, embora sem nunca atingirem uma escala capaz de fazer sombra ao ex-primeiro-ministro. Eram protagonizadas por Jacinto Serrão, António Brotas e Fonseca Ferreira.

António José Seguro: 2011

O quarto Programa de Estabilidade e Crescimento é chumbado no Parlamento. Enquanto primeiro-ministro, José Sócrates apresenta o pedido de demissão ao Presidente da República Cavaco Silva. Mas vai novamente às urnas. Perde para Passos Coelho. E abandona a liderança do PS.

António José Seguro acaba por afirmar-se como o próximo secretário-geral do PS, o sétimo. Em 2004, já tinha ponderado a disputa para a liderança do partido. Mas, com a influência de Jorge Coelho, acabou por esperar.

Neste combate interno, chegou a estar em cima da mesa a possibilidade de António Costa fazer parte dos candidatos. Costa explicou que recebeu “mensagens de incentivo”, mas que teve de recusar, porque não era possível acumular a liderança do PS com a Câmara de Lisboa. “O PS precisa de um secretário-geral a tempo inteiro e a cidade de Lisboa de um presidente com dedicação exclusiva”, justificou.

Quem acabou por protagonizar essa corrida interna com Seguro foi Francisco Assis – hoje, um apoiante destacado de Pedro Nuno Santos, que teve outrora José Luís Carneiro como seu chefe de gabinete. No momento da derrota, acabou por admitir o “distanciamento” com alguns militantes socialistas. “Terei agora, certamente, pela primeira vez, o tempo que nunca tive na vida para cultivar essa proximidade com os militantes”. “É preferível perder para um camarada de partido do que perder em eleições exteriores”, disse ainda.

Com quase 68% dos votos, Seguro assumiu funções prometendo que seria “firme na defesa das funções sociais do Estado e no equilíbrio das relações laborais estabelecidas nos princípios constitucionais”. Com a troika em Portugal, lembrava que “o memorando não suspende a política” e que não abdicaria de “apresentar soluções alternativas”.

Dois anos depois, na hora da renovação do mandato como secretário-geral do PS, Seguro voltou a confrontar-se com o fantasma de António Costa. Os rumores de uma possível candidatura ganharam força. Mas o então autarca de Lisboa acabou por não o fazer. Seguro discutiu a continuidade no partido com Aires Pedro. Seria reeleito com mais de 95% dos votos.

Mas, como se verá a seguir, o “voto de confiança” – palavras de Seguro - foi sol de pouca dura. 

António Costa: 2014

Há muito que o nome de António Costa se perfilava para a liderança do PS. Mas Costa foi sempre afastando o cenário. A prioridade, dizia, estava na Câmara de Lisboa. Até que 2014, no ano seguinte à reeleição de António José Seguro, inverte o cenário.

Em maio de 2014, o PS ganha as eleições europeias, com pouca margem em relação do PSD. Costa desdobra-se em críticas à liderança de Seguro e mostra disponibilidade para o substituir. “A maior tragédia seria chegar às legislativas com resultados iguais a este”, “uma vitória por poucochinho”, classificava o agora primeiro-ministro demissionário.

Instalou-se um verão quente no Largo do Rato. Havia os que, alinhados com Costa, insistiam na marcação de um congresso extraordinário em vez de primárias. Mas Seguro havia de prometer que, caso saísse derrotado, apresentaria de imediato a demissão, para que o partido seguisse com a nova liderança. As primárias tiveram lugar em setembro, Costa foi eleito secretário-geral nas diretas de novembro. Maria de Belém, então presidente do PS, assumiu a liderança de forma interina no entretanto.

Costa haveria de ser acusado por Seguro de “traição”, de “ambição pessoal”, de cultivar um PS onde o que “interessa é aquele que dá poder o distribui”. “O PS associado aos negócios e interesses é apoiante de António Costa”, afirmou. Já no balanço, Costa admitiria publicamente que teve “uma grande lição” com esta disputa.

Francisco Assis – que tinha disputado a liderança do PS com Seguro – havia de apoiar uma manutenção do secretário-geral. Alinhava com Seguro e não com Costa, que em 2011, curiosamente, lhe tinha dado apoio. Assis haveria de tornar-se também um dos maiores críticos da solução encontrada por Costa para governar: a chamada geringonça.

Com 96% dos votos, Costa seria o escolhido para a sucessão. "É tempo do PS se concentrar naquilo que é essencial: Portugal e os portugueses", afirmou naquela noite no Largo do Rato. Prestou homenagem a todos os antecessores, “desde Mário Soares até António José Seguro”. E garantiu que “o PS não saiu das eleições primárias dividido”. Pelo contrário, estava “unido”.

Seguro cumpriu o prometido: “Regresso hoje à condição de militante de base do PS, que manterei após o congresso”. Só neste ano de 2023, ainda antes da crise política, Seguro chegou a admitir que voltaria à política, tendo recebido mensagens de incentivo. Quando a crise se instalou, em novembro, multiplicaram-se os contactos nesse sentido. E, na hora de escolher o próximo líder do PS, Seguro confirmou essa possibilidade.

Em 2014, Pedro Nuno Santos cortou com Seguro, dando força à candidatura de Costa. Já José Luís Carneiro apoiou António José Seguro. Mas haveria depois de integrar o Governo de António Costa.

Depois dessa entronização, Costa foi sendo sucessivamente reeleito com mais de 90% dos votos. E contou que um adversário interno que, como mostram os resultados, nunca lhe fez sombra: Daniel Adrião – que agora volta a disputar a liderança do partido com Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, novamente na perspetiva de um resultado reduzido.

 

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