Maioria dos portugueses vai beneficiar da descida do IRS mas há um efeito que torna o alívio menor

12 abr, 07:00
Joaquim Miranda Sarmento e Luís Montenegro (António Cotrim/Lusa)

Economistas sublinham que o choque fiscal promovido pelo Governo de Luís Montenegro vai sentir-se principalmente na classe média e “naquelas pessoas que vivem com o cinto mais apertado”. Já as mexidas no IRC podem ter um impacto menos claro: O “clima de incerteza político faz com que esta baixa de imposto possa ter um efeito muitíssimo limitado”

Luís Montenegro quis usar o trunfo já e fazer aprovar uma descida do IRS que vai atingir praticamente todos os contribuintes portugueses. O choque fiscal vai beneficiar principalmente a classe média e os que têm baixos rendimentos, mas alguns podem não o sentir de forma tão tangível: “Alguma desta descida na prática não vai acontecer”, aponta João Cerejeira, vice-diretor do Departamento de Economia da Universidade do Minho.

A descida do imposto sobre o rendimento vai representar uma diminuição global de cerca de 1.500 milhões de euros, contas do Governo, mas acontece no mesmo ano em que muitos portugueses devem subir de escalão. “A perspetiva deste ano é que haja uma continuação da subida dos salários reais, para além da subida nominal associada à inflação, o que significa que uma grande parte dos portugueses vai ter um acréscimo salarial e, por esse motivo, também vão subir de escalão”, refere o economista, sublinhando que a redução das taxas de imposto que Montenegro vai aprovar, “na prática vai diminuir o acréscimo dessa subida”. “Mesmo que haja alguma diminuição do IRS, não é uma diminuição tão grande por este efeito um bocadinho mais matemático que compensa de facto a descida”.

Já no que toca ao IRC, o Executivo de Montenegro prometeu chegar ao fim da legislatura com uma taxa de 15% - neste momento, está nos 21%. Para isso, vai gradualmente baixar dois pontos percentuais até 2028, aproximando-se por exemplo da Lituânia e de outros países como a Irlanda, ou a Hungria, onde o imposto sobre as empresas é o mais baixo. De acordo com os economistas ouvidos pela CNN Portugal, há a expectativa que esta medida ajude a trazer investimento externo e a mitigar a “fuga de empresas portuguesas que optem por ter as sedes das suas holdings fora do país para pagar menos impostos”, como indica João Cerejeira. 

Luís Montenegro enfrentou primeiro debate parlamentar esta quinta-feira/ LUSA

Porém, afirma o economista Pedro Brinca, investigador e professor auxiliar da Nova School of Business and Economics, o “clima de incerteza política faz com que esta baixa de imposto (IRC) possa ter um efeito muitíssimo limitado”. Para o especialista, “o tecido empresarial sente o receio de que o atual Governo caia e um novo venha reverter todas as medidas que foram feitas na zona fiscal para aquilo que estava antes”.

A descida destes impostos abriu o debate do programa do Governo, que se prolonga esta sexta-feira na Assembleia da República, com Montenegro a descortinar a calendarização da primeira destas alterações: um decreto-lei para o alívio no IRS será aprovado já na próxima semana. 

Certo é que o anúncio do choque fiscal a começar dentro de dias fugiu à regra daquilo que tem sido o plano dos últimos governos, que encararam este tipo de medidas como um “trunfo bem guardado” para mais tarde durante a legislatura, indica João Cerejeira. “Regra geral”, sublinha o economista, “os novos governos guardam estes trunfos mais para a frente”, quando pode ser útil para fazer face a alguma contestação, “mas esta era uma questão estruturante do programa da candidatura da AD e um dos grandes temas que a separava do PS, portanto era incompreensível que não o fizesse agora”.

IRS: "objetivo será abranger o máximo de portugueses possível"

Com o alívio no IRS, refere Ricardo Ferraz, investigador no ISEG, professor na Universidade Lusófona e ex-assessor económico na Assembleia da República, “o objetivo será abranger o máximo de portugueses possível com a medida”, em especial “aquelas pessoas que vivem ‘com o cinto mais apertado’ certamente que terão um pouco mais de folga para conseguir fazer face às suas despesas”. Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o número de contribuintes por escalões de rendimento bruto, pelo menos 7.172.999 portugueses deverão ser incluídos nesta mexida fiscal. “Admito que a medida possa ser popular, dado que as pessoas têm sido asfixiadas por impostos”, continua Ricardo Ferraz, acrescentando que “deve ser feito tudo para afastar a ideia de que não compensa trabalhar mais porque se ganharmos mais vamos ser penalizados com mais impostos e que por isso não compensa o esforço”.

Como Montenegro acenou no Parlamento, esta medida representa uma diminuição global de cerca de 1.500 milhões de euros no imposto sobre o rendimento, o que, na ótica do economista Filipe Grilo, levanta questões ao nível da sustentabilidade orçamental - especialmente depois da AD se ter comprometido a negociar melhorias salariais com as forças de segurança e a recuperar faseadamente o tempo perdido dos professores. “Estamos a falar de subidas permanentes de despesa, não é uma despesa para este ano, é uma despesa que é para sempre - a reposição do tempo de serviço dos professores, por exemplo, compromete todos os governos para os próximos anos, porque a despesa é fixa”.

Debate do programa do Governo prolonga-se esta sexta-feira/ Lusa

Além do IRS, o novo Governo quer também com a descida do IRC “aumentar um pouco mais a competitividade da nossa economia e incentivar mais o investimento”, aponta Ricardo Ferraz, que dadas as condições atuais, preferia “que, em matéria de impostos, o Governo não se dispersasse, descendo este e aquele imposto, e se focasse exclusivamente em descer o IRS”.

Redução gradual do IRC custa 1.500 milhões de euros

Segundo o programa eleitoral da Aliança Democrática, a redução gradual de IRC de 21% para 15% ao ritmo de 2% ao ano, representa um custo para os cofres do Estado de 1.500 milhões de euros. O economista Pedro Brinca refere que esta medida “incentiva a proliferação do emprego em pequenos negócios”. “Isto levanta um problema, porque o crescimento da produtividade nestas empresas é muito mais baixo do que nas grandes empresas”, defende. 

Por outro lado, aponta, o impacto desta medida “será sempre fortemente limitado pela incerteza política que vivemos”. “Se os empresários acharem que em outubro o PS chumba o Orçamento do Estado, vamos a eleições, e o PS - ou outro partido volta ao poder, e reverte todas as medidas que foram feitas na zona fiscal para aquilo que estava antes, ninguém vai fazer um investimento a 4, 5, 6, 7 anos”. “Ninguém vai vir para Portugal”.

Já João Cerejeira considera que seria ​mais relevante discutir o regime de benefícios fiscais relacionados com o IRC. “Porque são muito complexos e tendem a favorecer aquelas empresas maiores e que são as maiores contribuintes a nível de IRC, mas também têm maior capacidade para ter esses benefícios”, aponta, sublinhando que “a dimensão dos benefícios fiscais e a sua simplificação deveria ser um dos propósitos de uma reforma fiscal que se espera que não fique apenas por baixar o imposto”.

Para além dos alívios fiscais aos trabalhadores e às empresas, o novo Governo comprometeu-se ainda com a meta de subir o salário mínimo nacional (SMN) para os 1.000 euros até 2028. Pedro Brinca destaca que é um sinal de que “o mercado de emprego está forte, resiliente e robusto”. “Tipicamente, costuma existir o medo de que o aumento do SMN  aumente a proporção de população cada vez maior com esse nível salarial e, por outro lado, um aumento do desemprego, mas esses dois medos não se têm verificado, portanto diria que politicamente seria difícil que esta medida não tenha apoio parlamentar”.

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