Colocação de professores nas escolas gera controvérsia: principal alteração está no regime de mobilidade por motivo de doença, que deixou de fora quase três mil docentes. Fenprof diz que há docentes com tumores malignos que não conseguiram colocação
Setembro é o mês do regresso às aulas mas é em agosto que se decide o futuro de milhares de professores, com a divulgação das listas de colocação de docentes. A polémica já está instalada: este ano, mudaram as regras nos procedimentos para a mobilidade por doença e, como resultado, quase três mil professores que se candidataram a este regime não conseguiram a colocação que pretendiam.
As listas relativas a este regime de mobilidade por doença já foram publicadas pela Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), gerando muitas críticas dos sindicatos: só 4.268 (ou 57%) dos 7.547 pedidos de transferência foram aceites, o que significa que, em relação ao ano passado, o número de docentes em mobilidade caiu para menos de metade - em 2021 cerca de 8.800 professores mudaram de escola por motivo de doença.
O Governo anunciou entretanto que vai fazer 7.500 juntas médicas a professores para verificar estes processos de mobilidade por doença, que permitem aos professores pedir para mudar de escola para ficar mais perto do local dos tratamentos ou da residência.
Recorde-se as alterações deste ano: o novo regime define por um lado uma distância máxima de 50 quilómetros em relação à residência ou ao prestador de cuidados de saúde; por outro lado, os professores só podem requerer mobilidade para escolas cuja sede fique a mais de 20 quilómetros da sede do concelho do agrupamento.
Na prática, neste regime, isto significa que os docentes não podem pedir transferência para uma escola que fique na mesma cidade da instituição de ensino a cujos quadros pertençam. Além disso, a deslocação passa a depender também da capacidade das escolas e não pode originar insuficiência ou inexistência de componente letiva dos docentes do quadro do agrupamento de escola ou da escola não agrupada de destino.
Risco de "onda de baixas"
São estas as mudanças que têm merecidos duras críticas por parte dos sindicatos de professores, que falam em casos que são "autênticos pesadelos".
Mário Nogueira, líder da Fenprof, não tem dúvidas de que no próximo ano letivo "iremos ter um aumento das situações por baixa médica". A previsão é corroborada pelo S.T.O.P. (Sindicato de Todos os Professores).
"As alterações são profundamente lesivas para os professores em situação de doença grave ou que acompanham familiares em situação similar. Obrigar professores nestas condições a deslocar-se muitos quilómetros, diariamente, certamente levará a que muitos colegas, legitimamente, não aguentem e, dessa forma, [isso] potenciará o número de baixas", sublinha André Pestana, coordenador do S.T.O.P., em declarações à CNN Portugal.
André Pestana aponta ainda "a total falta de consideração e respeito pela classe docente" por parte do Ministério da Educação, "que estipulou um prazo para os pedidos para a mobilidade por doença extremamente curto e, em particular, numa fase tão intensa para os professores no final do ano letivo". O coordenador do S.T.O.P frisa que, nesta altura do ano letivo, os docentes estão sobrecarregados "com múltiplas tarefas simultâneas", como "correções de provas de aferição e exames nacionais, vigilâncias de exames, aulas, preparação das avaliações e reuniões de avaliações".
Agora que as listas desse regime foram publicadas, a Fenprof denuncia que "os dias que muitos destes docentes excluídos estão a viver são de desespero". E dá exemplos concretos de alguns professores que ficaram de fora: "docente de Biologia com tumor maligno não obteve deslocação porque, para onde deveria ser deslocada, só havia vagas para docentes de Inglês, Matemática, Educação Física e do 1.º Ciclo do Ensino Básico com doença incapacitante; educadora de infância com cardiopatia isquémica grave não foi deslocada para o agrupamento pretendido, por nele só haver vagas para docentes de Inglês do 1.º Ciclo, de Educação Especial e de Matemática e Ciências do 2.º Ciclo com doença incapacitante; professora de Educação Física cuidadora de um filho dependente com transtorno autista (3.º grau de gravidade, em 4, do espectro autista) não obteve deslocação por residir em Braga - se residisse em Beja, onde havia vaga para a sua disciplina, tê-la-ia obtido".
O que podem fazer estes professores? "Não reunindo condições para utilizarem o período de aperfeiçoamento da candidatura, pois já apresentaram as suas candidaturas sem erros, a Fenprof recomenda que exponham o seu caso ao Ministério da Educação, dirigindo-se ao Secretário de Estado da Educação, que é quem acompanha as situações relacionadas com a mobilidade por doença", acrescenta a estrutura sindical.
Também a Federação Nacional da Educação (FNE) está contra as novas regras da mobilidade por doença. João Dias da Silva, secretário-geral da FNE, frisa à CNN Portugal que "um mecanismo desta natureza deve assentar no reconhecimento da individualidade" de cada docente, "pelo que não pode ser tratado no quadro de um mecanismo concursal, como o Ministério da Educação está a agir".
"Adesivos para combater hemorragias": os outros problemas da colocação
As alterações ao regime de mobilidade por doença são a principal novidade na colocação de professores, mas os sindicatos denunciam outros problemas que, não sendo recentes, continuam a afetar o dia-a-dia dos docentes, com a falta de estabilidade e a precariedade a liderarem a lista de questões mais urgentes.
Mário Nogueira, da Fenprof, defende "a eliminação de todos os fatores que pervertem o princípio da graduação profissional como sendo o que determina a ordenação dos docentes nas listas das diversas modalidades do concurso". E pede "uma maior estabilidade do corpo docente das escolas”.
Já o S.T.O.P. considera urgente "um verdadeiro concurso externo extraordinário de vinculação nacional e pela graduação profissional". André Pestana acrescenta que "a atual vinculação pela chamada 'norma-travão' não responde às necessidades do sistema e não tem em conta o trajeto anterior de cada docente", considerando que se trata apenas de "um adesivo para combater uma hemorragia”".
Além disso, o coordenador do S.T.O.P. defende "um concurso dinâmico", no qual seja contemplada a possibilidade de as preferências "serem revistas durante alguns momentos do ano letivo"; propõe ajudas de custo para os professores afastados das suas residências; e a possibilidade de autonomia das escolas para completarem horários em função das necessidades reais dos estabelecimentos de ensino.
A FNE considera que os concursos de docentes devem ser realizados anualmente "com três componentes, uma dirigida ao continente e duas dirigidas respetivamente às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira". E defende que as contratações de docentes profissionalizados "passem a ser remuneradas pelo valor hora correspondente ao valor previsto para o 3º escalão da carreira docente, o qual deve passar a constituir o índice de ingresso na carreira".
97,7% dos professores pedidos pelas escolas foram colocados
Segundo o ministro da Educação anunciou a 12 de agosto, as turmas do próximo ano letivo têm praticamente todos os professores atribuídos, continuando por preencher apenas 2,3% dos horários. A disciplina de Informática é a mais problemática.
“Foram pedidos 13.101 horários nesta fase e destes 97,7% tem professor atribuído”, anunciou João Costa na altura.
Dos horários completos de 22 horas que ficaram por preencher, o ministro disse que “80% são do mesmo grupo de recrutamento de informática” e estão concentrados, na maior parte, na área metropolitana de Lisboa e na zona Oeste (Quadro de Zona Pedagógica (QZP) de Lisboa e o QZP correspondente à zona Oeste).