Sofia viu a inquilina entregar-lhe a casa "destruída", com "fezes e lixo". Levou caso a tribunal, mas foi arquivado porque a "falta de asseio não é punível"

11 set 2023, 07:00
Captura de ecrã

Casa que arrendou entre 2015 e 2022 está encerrada e obras para a recuperar rondam os 25 mil euros. Em tribunal, procuradoria afirmou que, para que o caso fosse punível por lei, “exige-se que a prática dos atos tenham sido dolosos”

Sofia estranhou quando recebeu a comunicação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Tinham passado cerca de quatro meses desde que foi chamada à PSP para prestar declarações sobre o que se tinha sucedido num T3 que arrendou, em Benfica, por 400 euros por mês. Aos inspetores, a proprietária, de 54 anos, voltou a contar a história que ainda hoje a atormenta.

Em maio de 2022 decidiu acabar com o contrato que mantinha com a inquilina por esta, durante cerca de dois anos, ter entrado em incumprimento no pagamento das rendas. Enviou-lhe uma carta a expor que até outubro tinha de deixar a casa onde habitava desde 2015. A inquilina concordou e quando se encontraram para a devolução das chaves, Sofia pensou que seria uma boa oportunidade “para fazer uma pequena limpeza, arranjar uns móveis da cozinha” e voltar a colocar a casa a arrendar. 

Mas, mesmo antes de abrir a porta de casa, a inquilina pediu-lhe os 200 euros correspondentes ao valor da caução do arrendamento. Sofia comprometeu-se a fazê-lo, mas só após ver o estado da casa. Ao entrar, reparou, no entanto, que o estado do apartamento não se assemelhava minimamente àquele em que o tinha deixado há sete anos. “Não queria acreditar, estava toda vandalizada”. As paredes e o teto tinham dejetos, marcas de lixívia e urina percorriam grande parte do chão de madeira e das paredes brancas, também elas manchadas com óleo e algumas tomadas e interruptores haviam desaparecido. “Não tinha um móvel da cozinha, não tinha nada”.

Naquele momento, lembra-se, tinha duas opções. Ou “engolia o sapo, ou levava o assunto para a Justiça”. “Dada a morosidade da nossa justiça, nunca mais tinha a casa”. “Engoli não um sapo, mas um elefante”, explica, sublinhando que, quando assinaram os papéis da caução, a inquilina “contou as notas uma a uma” à sua frente “duas vezes seguidas”, enquanto a chamava de “má, de ordinária” e “ameaçava bater”.

Como Sofia encontrou a casa após o fim do arrendamento / TVI

Os dias seguintes passou-os a reviver aquele momento, deu-lhe várias vezes vontade de “chorar de raiva”, porque se sentia “incapacitada e sem direitos”. E, nessa reflexão, já tendo na sua posse as chaves de casa, foi aconselhada por advogados a avançar com um processo-crime por danos ao seu património.

Alguns meses depois, em março deste ano, foi chamada à 6.ª esquadra de investigação criminal da PSP, no Forte do Alto do Duque, para prestar declarações, onde, para além de repetir a história, sublinhou que tinha contratado um perito para averiguar o montante que teria de suportar para reabilitar a casa e que o custo que lhe foi apresentada era de cerca de 25 mil euros. “Este orçamento foi com base em estar tudo estragado”, explica, tendo-lhe sido explicado que seria necessário “tirar o estuque para conseguir reparar a parede e pintá-la de novo, colocar um chão novo, novos puxadores, novas portas, porque mandar fazer novas iguais às que foram destruídas seria impossível”.

Com o apartamento encerrado, à espera de obras, só teve novas informações sobre este caso em julho deste ano. A procuradora encarregue do processo mandou arquivá-lo e, no documento que Sofia recebeu, a decisão era justificada em primeiro lugar, por não ter sido possível encontrar a inquilina denunciada na queixa e, em segundo, por não ser “punível pelo direito penal a falta de asseio em que o imóvel terá sido deixado, com urinas e fezes e restos de mobílias deixados espalhados”, segundo os documentos consultados pela CNN Portugal.
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Era ainda explicado que relativamente ao crime de dano, se impunha “a separação entre condutas que tenham sido deliberadamente criadas para criar danos e utilizando a coisa alheia, sendo estas legalmente punidas, de condutas que resultem do uso normal e consequente degradação com o tempo das coisas, ou até mesmo do uso negligente, estas não sendo legalmente punidas”. Ou seja, exigia-se que as práticas dos atos “tenham sido dolosos”. 

Assim, concluiu-se pelo arquivamento do processo, porque “não resulta suficiente indicado nos autos uma conduta dolosa tendente a destruir, danificar, vandalizar o imóvel da queixosa, tão pouco data da sua prática e dos seus autores”. 

À CNN Portugal, Sofia mostrou-se indignada com esta decisão, ironizando. “Para a procuradoria é normal que uma casa possa ser deixada com lixo, urina e que isto configure um normal uso de uma pessoa que não saiba cuidar da casa”. “É inacreditável”, destaca.

A casa permanece fechada e Sofia não estima quando possa ou mesmo se quer voltar a colocá-la no mercado de arrendamento. “Tenho deixado as coisas em banho-maria até conseguir entender se o Governo vai impor um travão ao aumento das rendas”. Se o fizer, afirma, “dificilmente conseguiria amortizar o preço das obras nesta casa através do mercado de arrendamento”. Uma outra opção é deixá-la desabitada até que um dos seus filhos venha a precisar dela.

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