"Incidente catastrófico a bordo"

CNN , Eliza Mackintosh, Gianluca Mezzofiore, Benjamin Brown e Katie Polglase
25 ago 2023, 23:18
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A fuselagem do avião que tinha Prigozhin na lista de passageiros foi encontrada num campo e a secção da cauda foi encontrada nas proximidades. Alguns destroços mais pequenos caíram numa zona residencial e a asa foi encontrada num rio. E tudo isto - e mais alguns detalhes analisados por analistas consultados pela CNN - trazem novas revelações sobre o que realmente aconteceu. "Definitivamente, este avião não se desintegrou devido a problemas mecânicos ou meteorológicos"

Uma explosão derrubou o avião que transportava Yevgeny Prigozhin, segundo a análise dos dados de voo e do vídeo

por Eliza Mackintosh, Gianluca Mezzofiore, Benjamin Brown e Katie Polglase, CNN
(nota do editor: este artigo contém vídeos e infografias em Inglês, sem tradução para Português)

 

Ouve-se um sopro de branco e depois vê-se um avião a cair, com um rasto de fumo ou vapor atrás de si, descendo rapidamente contra um céu azul brilhante. A pessoa que filma o vídeo aproxima a imagem à medida que o avião desce em espiral, fora de controlo, revelando que lhe falta uma asa.

As imagens, publicadas pela agência noticiosa estatal russa RIA Novosti parecem mostrar os momentos que antecederam a queda de um avião privado - que supostamente transportava o líder mercenário Yevgeny Prigozhin - num campo a noroeste de Moscovo, quando se dirigia para São Petersburgo.

A CNN analisou os dados e vídeos do voo e entrevistou peritos em aviação e explosivos para perceber o que aconteceu nos minutos que antecederam o acidente. A análise sugere que o avião privado sofreu pelo menos um "incidente catastrófico durante o voo" antes de cair do céu. O vídeo disponível não mostra esse incidente catastrófico.

Um manifesto de passageiros divulgado quarta-feira pela agência russa de aviação civil, a Rosaviatsia, mostrava que o nome de Prigozhin e o do comandante máximo da Wagner, Dmitry Utkin, estavam entre os sete passageiros e três membros da tripulação, todos eles mortos, segundo o Ministério dos Serviços de Emergência da Rússia.

As autoridades russas ainda não confirmaram oficialmente a morte de Prigozhin mas, ao reconhecer o acidente em comentários públicos feitos quinta-feira, o Presidente russo, Vladimir Putin, referiu-se a Progozhin no pretérito perfeito.

A Rosaviatsia declarou ter iniciado uma investigação sobre "as circunstâncias e as causas do acidente". O Comité de Investigação também abriu um inquérito criminal.

O acidente ocorreu dois meses depois de Prigozhin ter lançado um motim de curta duração contra a liderança militar russa, o que constituiu um desafio sem precedentes à autoridade de Putin.

O Pentágono disse quinta-feira que Prigozhin foi "provavelmente" morto no acidente. Os funcionários dos serviços secretos norte-americanos e ocidentais com quem a CNN falou acreditam que o acidente foi deliberado. As autoridades disseram que ainda é muito cedo para determinar o que provocou a queda do avião, mas que uma possibilidade que está a ser explorada é uma explosão a bordo.

Tem havido muita especulação. Mas não foi apresentada qualquer prova que aponte para o envolvimento do Kremlin ou dos serviços de segurança russos no acidente.

Os peritos entrevistados pela CNN afirmam que as provas disponíveis indicam que é pouco provável que o acidente tenha sido causado por uma falha mecânica. A descida dramática do avião, a forma como se desfez no ar e a extensão do campo de destroços apontam para uma explosão, afirmaram.

Os dados de voo mostram uma "descida dramática"

O avião privado Embraer Legacy 600 (RA-02795) ligado a Prigozhin, que descolou de Moscovo pouco antes das 18:00 de quarta-feira, não mostrou sinais de problemas antes de uma queda abrupta, segundo os dados de acompanhamento do voo.

O Flightradar24, um site que acompanha em tempo real a informação sobre aviões, diz num relatório de quarta-feira que o avião atingiu uma altitude de cruzeiro de 28.000 pés às 18:11, hora de Moscovo (mais duas que em Portugal Continental), movendo-se a uma velocidade de 950 quilómetros por hora.

Depois, às 18:19, hora local, o avião fez subidas e descidas erráticas, a certa altura subindo para mais de 30.000 pés antes de cair subitamente 8.000 pés em cerca de 30 segundos. Quando o avião transmitiu os últimos dados, tinha caído para uma altitude de 19.725 pés. De acordo com a análise da CNN dos dados de voo disponíveis, o avião viajou mais 48 quilómetros antes de se despenhar.

"Apesar de o avião não estar a transmitir informações sobre a sua posição, foram transmitidos outros dados como a altitude, a velocidade, a taxa vertical e as definições do piloto automático. São estes dados que fornecem alguma informação sobre os momentos finais do voo", afirma o Flightradar24 no relatório, referindo que os dados mostram uma "descida dramática".

As flutuações finais de altitude do voo são altamente invulgares, diz à CNN um especialista em aviação, e sugerem que o piloto estava a tentar estabilizar o avião antes do acidente.

"A descompressão explosiva, como se uma porta tivesse rebentado ou se tivesse havido uma explosão por baixo de uma carruagem com rodas... Teria de ser capaz de manter o controlo do avião o suficiente para manter aquela altitude e não cair como uma pedra", diz Steffan Watkins, um consultor de investigação de código open source que segue aviões e navios.

O malfadado jato de luxo foi identificado pelo Flightradar24 com a matrícula RA-02795, o mesmo avião que se pensava ter transportado Prigozhin para a Bielorrússia, depois de um acordo negociado para pôr fim ao motim de junho ter implicado que o chefe da Wagner e os seus combatentes se mudassem para o país. Nos últimos dois meses, observadores russos e peritos em aviação seguiram o jato da Embraer a voar de um lado para o outro entre a Rússia e a Bielorrússia, desligando frequentemente o seu transponder para ocultar a sua localização.

A CNN noticiou anteriormente que os serviços secretos dos Estados Unidos e da Europa tinham estado a seguir os movimentos do avião, mas não podiam dizer com certeza, na altura, se Prigozhin estava a bordo.

"Ele usa isso como uma tática de engano", disse na altura um funcionário dos EUA à CNN sobre a razão pela qual o paradeiro exato de Prigozhin era difícil de seguir por avião.

Especialistas afirmam que os vídeos apontam para uma explosão em pleno voo

Dois vídeos geolocalizados pela CNN perto do local do acidente mostram o avião, com uma cauda azul caraterística, a cair do céu. A fuselagem - a secção principal do corpo do avião - parece estar inteira mas falta-lhe uma asa.

As imagens do local do acidente, partilhadas no Telegram por um grupo de monitorização ativista, o Projeto Hajun da Bielorrússia, mostram a fuselagem do avião. No vídeo, os últimos quatro dígitos do número de registo do avião podem ser vistos no que restou do motor, enquanto os destroços ardiam: 2795.

Outros vídeos e fotografias partilhados no Telegram mostram os destroços do avião espalhados em quatro locais num raio de cerca de 3 km nos arredores da aldeia de Kuzhenkino, na região de Tver. A fuselagem do avião foi encontrada num campo e a secção da cauda foi encontrada nas proximidades. Alguns destroços mais pequenos caíram numa zona residencial e a asa foi encontrada num rio, de acordo com a análise da CNN das provas visuais e das imagens de satélite do Planet Labs.

Markus Schiller, um perito em mísseis baseado na Europa que trabalhou em análises para a NATO e a União Europeia, diz à CNN que os vídeos disponíveis e o facto de vários campos de destroços estarem espalhados por uma vasta área apontam para uma "explosão forte".

"A cauda e a asa do avião só podem ter sido separadas do avião por uma explosão. Ainda não se sabe se foi uma bomba no avião ou um míssil, mas a cauda e a asa não podem ter caído de outra forma", disse Schiller.

A CNN não pôde confirmar como o avião foi derrubado, mas Schiller e vários outros especialistas sugeriram que o acidente foi causado por pelo menos um evento cataclísmico que ocorreu no ar.

Robert Schmucker, um perito em foguetões que aconselha a NATO e as Nações Unidas, afirmou que, embora o acidente exija uma investigação exaustiva no terreno e uma análise da caixa negra - ou dos gravadores de dados de voo - para determinar a causa, as provas disponíveis indicam que o avião foi provavelmente abatido por uma explosão e não por uma falha mecânica.

"Aviões como este não caem simplesmente do céu. Nem uma má manutenção nem um erro do piloto teriam o efeito que vimos, nomeadamente a queda da asa e o aparecimento de uma explosão no céu. Definitivamente, este avião não se desintegrou devido a problemas mecânicos ou meteorológicos", disse Schmucker à CNN.

Schmucker acrescenta que, com base nas imagens e na aparência dos destroços, não parece que o avião tenha sido atingido por um foguete ou míssil de defesa aérea.

O modelo Embraer Legacy 600 que se despenhou tinha registado até 2021 apenas um acidente em mais de duas décadas de serviço - e não foi resultado de falha mecânica, segundo o site International Aviation HQ. A fabricante brasileira de aviões Embraer diz, em comunicado enviado à CNN, que cumpriu as sanções internacionais impostas à Rússia e por isso suspendeu em 2019 o serviço de apoio, que inclui manutenção, do avião ligado a Yevgeny Prigozhin.

Vários residentes que vivem perto do local do acidente descreveram ter ouvido explosões antes de verem o avião a cair no chão.

Uma mulher de Kuzhenkino disse à RIA Novosti que ouviu um avião perto de sua casa, que está localizada a cerca de 300 metros do local onde a parte da cauda do Embraer está agora.

"Depois veio algo como um estrondo, como um tiro. Depois, de repente, uma explosão, olhei para cima e ouvi um som por cima de mim - eram como estalos, como várias explosões", disse. "O avião começou a desviar-se. Depois surgiu uma nuvem de fumo e o avião começou a descer, a mergulhar."

Dado o historial de segurança do moderno avião Embraer Legacy 600, Daniel Kwasi Adjekum, especialista em aviação e professor na Universidade do Dakota do Norte, afirma que só havia três opções realistas para a forma como o acidente ocorreu: um engenho explosivo no avião, um míssil ou uma colisão no ar.

Mas indicou que as duas últimas eram menos prováveis, dado o grau de danos que se esperaria ver com o impacto de um míssil, e que o controlo de tráfego aéreo teria provavelmente detetado uma colisão no seu radar, a menos que fosse com um drone.

"É muito difícil entender o que aconteceu sem uma investigação adequada", diz, acrescentando: "O avião sofreu uma avaria grave e catastrófica durante o voo".

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