Não tenha ilusões. É provável que a inflação desça, mas os preços vão continuar altos

27 set 2022, 07:00
Economia (AP Photo/Armando Franca)

Mesmo que a inflação fique a valores nulos, o aumento brusco e geral dos preços veio para ficar. A história recente explica este fenómeno

A inflação deverá desacelerar no início do próximo ano. Todas as previsões apontam para este cenário e a perspetiva é a de que o País possa recuperar alguma da normalidade que lhe foi roubada pela subida desenfreada do custo de vida. Mas a verdade é que nada vai ser como antes e a expressão que se faz olha quando se para a fatura do supermercado pode ter vindo para ficar.

Isto porque, sim, é possível que a inflação desça, mas os preços não. “As pessoas precisam de entender que tudo mudou e não é por a inflação vir a desacelerar o seu ritmo de crescimento que vamos passar a ter bens com os preços mais baratos", refere o economista Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor da Universidade Lusófona. 

Na verdade, a explicação teórica é bastante simples. Como a inflação é calculada através da taxa de variação de preços, se essa taxa for zero, os preços não mudam. Ou seja, se as compras no carrinho do supermercado custam hoje mais 10 euros do que custavam o ano passado e se de repente a taxa de inflação caísse para 0%, essas compras continuavam a ser vendidas pelo mesmo valor até entrarmos numa situação de deflação.

“Espera-se que a inflação acalme, mas se não ocorrer uma situação de deflação, essa perda de bem-estar torna-se permanente e não há nenhuma previsão que isso possa acontecer”, afirma, por sua vez, o economista Pedro Brinca.

Podemos recuar à história recente para encontrar exemplos disso. Em 2011 a taxa de inflação média em Portugal foi de 3,7%. Um ano depois era de 2,8% e em 2013 era de apenas 0,3%. A inflação baixou, mas os preços não. Nesse período de tempo, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística os preços médios em 2013 estavam 6,8% acima dos de 2010.

Ricardo Ferraz dá outro exemplo que mostra este fenómeno. “Durante os anos 70, registámos picos inflacionistas na ordem dos 20% que, mais tarde, foram atenuados. Mas não é por o crescimento dos preços começar a desacelerar que vamos ter produtos mais baratos”. Por isso, acrescenta o economista, “o que é mais provável que aconteça é que após um forte crescimento dos preços, em média, estes vão continuar a aumentar, mas de forma mais moderada”.

Comparação entre os preços registados entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013 e a sua variação homóloga
Fonte: Instituto Nacional de Estatística

 

A propósito, vinca Ricardo Ferraz, este fenómeno está em linha com as previsões do Banco Central Europeu para 2023, já que o organismo tutelado por Christine Lagarde “nunca disse que pretende que os preços voltem a ser os mesmos”. “O que eles pretendem é que cresçam, mas, de forma mais controlada”. Assim, reitera o economista, “não devemos esperar que no dia a seguir à inflação estar controlada ou nesse horizonte próximo”, o peso na carteira seja substancialmente menor.

Da mesma opinião é o professor da Universidade Nova SBE, Pedro Brinca que confessa acreditar que nos próximos anos a “inflação vá voltar aos valores pré-crise”, mas avisa que para fazer face à queda volumosa de poder de compra das famílias, os salários vão ter, eventualmente de subir.

“Vai ser mais fácil subirem os salários do que caírem os preços em geral”, sublinha o economista, adiantando que “a partir do momento em que há aumento generalizado dos preços e havendo lucros acima da média, aumenta também a concorrência entre trabalhadores, o que pode levar a aumentos salariais feitos através dos lucros das empresas”.

Por outro lado, Ricardo Ferraz afirma que esta é uma altura determinante para se tomarem decisões como a redução permanente da taxa do IVA da eletricidade e do gás de 23 para 6%. “A não ser que os salários cresçam e sejam tomadas medidas de fundo, no próximo ano, as famílias vão continuar sem o poder de compra que tinham”.

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