O regresso dos homens das luvas?

15 jun 2000, 00:01

A grande exibição de Toldo diante dos belgas trouxe a este Europeu algo que lhe estava a fazer falta, do ponto de vista do espectáculo: a visibilidade dos guarda-redes no interior das suas estruturas defensivas. Até ontem, só o francês Barthez, o checo Srnicek e o norueguês Myhre, esporadicamente, tinham conseguido fazer-se notar.  

Mas não muito: a eficácia das defesas traduz-se na distância que estas conseguem impôr entre o último gesto de recurso e a baliza, e essa distância tem aumentado consideravelmente. Por outro lado, a eficácia dos ataques implica uma capacidade de aproveitamento das oportunidades que faz rarear os remates e os obriga a serem colocados nos limites: ou vão ligeiramente para fora (Raúl, contra a Noruega), ou ao poste (Nedved e Koller, contra a Holanda), ou são indefensáveis (Figo, com a Inglaterra, Mpenza, contra a Suécia).  

Tudo espremido sobra pouco para os homens das luvas, até agora condenados a recolher com os pés atrasos dos companheiros, uma ou outra bola moribunda de um remate espirrado ou, cúmulo da audácia, a defender a punhos um cruzamento para a molhada (desafio crónico para quem defronta a Noruega, Molina que o diga). Parece incrível, mas mesmo um jogo de proporções épicas como o Portugal-Inglaterra, não teve para com Baía e Seaman a magnanimidade de um instante de protagonismo.  

Os tempos heróicos do Mundial-78, em que os remates de 30/40 metros brotavam das chuteiras como cogumelos, está definitvamente encerrado, porque já nenhuma equipa comete a leviandade de colocar apenas os defesas entre o rematador e a baliza. E o tempo em que guarda-redes como Bento ou Pfaff faziam questão de mandar em toda a grande área, voando para qualquer cruzamento aquém da meia-lua também está condenado, quanto mais não seja porque para chegar a essas bolas é necessário passar por cima dos centrais, dos avançados e dos médios em acção defensiva. E como estes correm mais do que antes, conseguem chegar do meio-campo à sua pequena área antes que o guarda-redes tenha tempo de gritar «Aí vai milho!». 

As inúteis asas 

Toldo veio provar que esta tendência para transformar o posto de guarda-redes numa espécie de tecnocrata dos 16 metros não é inevitável. A sobriedade de movimentos, é certo, constitui ponto comum a todos os guarda-redes até agora utilizados. Mas a sua participação no jogo colectivo é cada vez mais importante, seja porque o jogo com os pés passou a ser uma realidade incontornável, seja porque a introdução da regra dos seis segundos, por oposição à falível e contraproducente limitação do número de passos, permitiu já ver, em diversas ocasiões, homens como Schmeichel, Myhre, ou Stelea, iniciarem contra-ataques perigosos depois de percorrerem velozmente todo o espaço entre a linha de golo e a meia-lua. 

Ah, se todas as equipas fossem como a Noruega, que faz do meio-campo um estorvo inútil entre os dois homens que verdadeiramente contam, o guarda-redes e o ponta-de-lança! O golo que Iversen marcou, a passe do seu guarda-redes, é a ilustração perfeita para o futebol de ligação directa, entre uma área e a outra. E caso a Noruega seja campeã da Europa (nunca se sabe, o destino pode ser cruel...), a sentença estava lida: teríamos de passar a avaliar os guarda-redes apenas pela certeza de passe, pela potência do pontapé e pela visão de jogo. E lá atrás, junto às redes onde estão pousadas a toalha, a garrafa de água e os amuletos, veríamos pousar também, inúteis relíquias do passado, as asas que noutros tempos os faziam voar tão longe quanto a nossa imaginação comportava.

Patrocinados